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Opinião

Carlos Etchichury: até pessoas de boa alma se tornaram insuportáveis com quem pensa diferente

Colunista do Diário Gaúcho fala sobre a intolerância nas relações humanas com a divisão política do Brasil

27/03/2016 - 17h39min

Atualizada em: 27/03/2016 - 19h56min


Carlos Etchichury
Carlos Etchichury
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O acirramento da disputa pelo poder político no país revela o pensamento autoritário hegemônico em parcela da sociedade brasileira. O extremismo de alguns opositores do governo é flagrado, sem constrangimento, nos embates que ocorrem todos os dias nas redes sociais.

Para eles, o Brasil está dividido da seguinte forma: de um lado, o juiz Sergio Moro, que representa o bem e irá purificar a sociedade com a Operação Lava-Jato, e de outro, Dilma e Lula, que simbolizam o mal e materializam a corrupção. É um pensamento pouco complexo, quase sempre grosseiro, por vezes fascista, que não permite ponderações e análises históricas. Já o que pensam alguns dos governistas de alto coturno, como o próprio ex-presidente Lula, só é descoberto pelos grampos telefônicos.

Desde seu apartamento em São Bernardo, na região do ABC Paulista, Lula dá ordens para ministros, ameaça incendiar o país e promete ganhar no grito, e na força, a disputa com a oposição. Os grampos, mesmo que digam quase nada sobre corrupção, revelam a face intolerante do Lulinha paz e amor e de parte do governo.

As consequências dos ânimos inflamados são múltiplas, ocorrem nos ambientes político, econômico e social, mas a mais dura delas talvez se manifeste nas relações humanas. Conheço homens e mulheres doces, de boa alma, que se tornaram insuportáveis com quem pensa diferente. Há vizinhos que deixaram de compartilhar o mate. Sei de datas que não são mais celebradas em família por conta do tom beligerante dos encontros. O pior é que nada indica que os ânimos irão se tranquilizar. Pelo contrário.

Na sexta-feira, por exemplo, a suplente de vereadora Ariane Leitão, ex-secretária de Políticas para as Mulheres do Estado durante a gestão Tarso Genro, revelou uma história inacreditável. A pediatra do seu filho, um menino de um ano, não mais atenderia a criança porque Ariane e o marido "fazem parte do Partido dos Trabalhadores" – na verdade, ele seria do Psol.

A mensagem que a médica enviou para Ariane diz o seguinte:

"Bom dia Ariane. Estou neste instante declinando em caráter irrevogável, da condição de Pediatra de Francisco. Tu e teu esposo fazem parte do Partido dos Trabalhadores (ele do Psol) e depois de todos os acontecimentos da semana e culminando com o de ontem, onde houve escárnio e deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem (representante maior do teu partido), eu estou sem a mínima condição de ser Pediatra do teu filho. Poderia inventar desculpas, te atender de mau humor, mas prefiro a HONESTIDADE que sempre pautou minha vida particular e pessoal. Se quiser posso fazer um breve relatório do prontuário dele para tu levar a outro pediatra. Gostaria que não insistisse em marcar consultas mais. Estou profundamente abalada, decepcionada e não posso de forma nenhuma passar por cima dos meus princípios. Porto Alegre tem muitos pediatras bons. Estarás bem acompanhada".

A ex-secretária promete levar o caso ao Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers). Eu não sei se há irregularidades na conduta da profissional, mas, se não feriu o código, ela feriu a ética entre os seres humanos. Algo grave acontece com uma sociedade quando uma pediatra se nega a atender a uma criança de um ano porque não concorda com a visão de mundo dos pais do menino.



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