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Acidente com carro

Saudades, incertezas e angústia marcam os quatro meses da morte de enfermeira em Gravataí

Elizandra Pereira Cunn morreu prensada pelo próprio veículo na garagem da casa do namorado no dia 24 de abril. Resultado da reconstituição é aguardado pela Polícia Civil

07/09/2022 - 14h13min


Jean Peixoto
Jean Peixoto
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Félix Zucco / Agencia RBS
Elizandra Pereira Cunn, em foto para reportagem publicada em Zero Hora e GZH em junho de 2021

Vivendo à base de medicamentos enquanto espera o laudo da perícia criminal, o namorado da enfermeira Elizandra Pereira Cunn, 41 anos, que morreu em um acidente com o próprio carro, na residência do parceiro, em 24 de abril, falou com a imprensa pela primeira vez desde a tragédia. O empresário de 49 anos, que pede para não ter o nome divulgado, afirma que além da dor da perda também sofre com o julgamento de pessoas que atribuem a ele a responsabilidade pela morte de Eliz, como era chamada.

— Estou sendo duplamente penalizado. Claro que nem se compara com o que aconteceu à minha companheira, mas além do trauma, fui oprimido, tratado como bandido — lamenta.

O homem já prestou dois depoimentos junto à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Gravataí. No dia 9 de agosto, ele participou da reprodução simulada dos fatos solicitada ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) pela delegada Fernanda Generali, titular da Deam.

A delegada explica que a reconstituição geralmente é solicitada quando há versões divergentes sobre os fatos, mas que neste caso foi pedida devido à complexidade da investigação. Ela pontua que já foram colhidos os depoimentos do namorado, de um vizinho, que foi o primeiro a chegar ao local, e de alguns familiares que conviviam com o casal.

De acordo com o IGP, nesta etapa da investigação, a perita leu todo o inquérito e verificou as demais perícias que já haviam sido realizadas no local. Na sequência, ocorreu a parte prática, que foi a reprodução simulada na residência onde ocorreu o acidente. Neste momento, ocorre a etapa de redação do laudo, na qual é confrontado o que foi relatado pelas testemunhas com as evidências coletadas. O prazo para a conclusão deste laudo varia de 30 a 60 dias.

No dia do acidente

Polícia Civil / Divulgação
Reprodução simulada ocorreu no dia 9 de agosto, na casa do namorado de Elizandra

Durante 52 minutos de conversa com GZH, o empresário contou que a namorada estava na sua casa no dia do acidente porque na noite anterior, no sábado, foram a um show de sertanejo com dois casais de amigos. No domingo do acidente, dia 24 de abril, após almoçarem com um desses casais de amigos, havia ainda a festa de aniversário da irmã de Elizandra, que morava junto com ela na casa que era dos pais, próximo à Parada 64, em Gravataí. Ele conta que decidiu ficar em casa. Eliz se preparava para comemorar com a irmã quando o acidente aconteceu.

Segundo ele, o carro da enfermeira, um Chevrolet Tracker Premier, tinha um problema no freio de mão. Devido a isso, ela geralmente pedia ajuda ao namorado quando a alavanca travava. No domingo, segundo o homem, ela entrou no carro, deu a partida, engatou a ré, e não conseguiu soltar o freio de mão. O veículo estava dentro do pátio, ligado, em um terreno plano.

O empresário relata que estava dentro de casa quando ela pediu sua ajuda para soltar o freio de mão. Ela desceu do carro pela porta do motorista, deixou a porta aberta e deu espaço para que ele pudesse puxar a alavanca. Contudo, Elizandra teria esquecido de colocar o carro, que é automático, em ponto morto. Ele soltou o freio de mão pela porta do motorista, que ficou aberta, e deu um passo para trás, sem saber que a ré estava acionada.

É o tipo de situação que ninguém aceita. Eu tinha certeza que ela não ia morrer. Ela trabalhava na área da saúde e era muito querida por todos. Já estão fazendo quatro meses e só agora eu estou conseguindo falar.

NAMORADO DE ELIZANDRA

— No momento em que eu dei um passo para trás com a porta aberta, o carro começou a andar de ré bem devagar, em direção à Elizandra. Ela começou a andar para trás, com o carro andando no mesmo sentido. Eu disse para ela entrar e pisar no freio — conta.

Contudo, invés de pisar no freio, ela acionou o pedal do acelerador, sem entrar no carro, que estava em movimento.

— Como ela era uma mulher alta, ela pisou no pedal segurando uma mão no capô e outra na porta. Invés de pisar no freio, pisou no acelerador com a ré engatada. O carro arrastou ela com metade do corpo pra fora e ela foi prensada pela porta do carro na lateral do portão — explica.

O automóvel seguiu de ré, colidindo a traseira contra a lateral de um Peugeot 307 que estava estacionado na rua. De acordo com o namorado, Elizandra desmaiou no momento do acidente, mas recobrou os sentidos aos poucos e até conseguiu trocar algumas palavras com ele antes do socorro chegar.

— É o tipo de situação que ninguém aceita. Eu tinha certeza que ela não ia morrer. Ela trabalhava na área da saúde e era muito querida por todos. Já está fazendo quatro meses e só agora eu estou conseguindo falar — conta.

Filha mais nova, melhor amiga e confidente

Evandrea Cunn / Arquivo Pessoal
Elizandra Pereira Cunn (E) e sua irmã mais velha, Evandrea Cunn da Rosa (D)

Fazia apenas quatro meses que Evandrea Cunn da Rosa, 49 anos, havia se mudado da casa dos pais, onde morou por mais de um ano com a irmã, Elizandra, quando aconteceu o acidente que tirou a vida da caçula. A higienista de saúde foi morar com Eliz após o falecimento do pai e da mãe, em setembro de 2021, em decorrência da covid-19.  

— Vou lembrar dela como a minha filha mais nova, minha parceira. Depois que nossos pais morreram, eu fiquei morando com ela um ano e dois meses e a gente dividiu muita coisa ali. Pra mim ela era uma grande amiga, uma confidente, a gente sempre conversava muito. Ela tinha um lado mãezona, um coração grande e de vez em quando era até meio chata — lembra a irmã.

Evandrea conta que estava dentro do carro com o esposo e os filhos, se preparando para ir à festa da irmã do meio — que foi morar com Elizandra em janeiro, após sua saída da casa — quando ficou sabendo pela aniversariante sobre o acidente. Segundo ela, a irmã a informou de que Eliz ainda estava consciente e falando, a caminho do hospital, para onde a família se dirigiu. Chegando lá, Evandrea recebeu uma ligação do namorado da irmã.

— Recebi uma mensagem dele (namorado) dizendo que ele tinha sido autuado e estaria preso. Fomos até a delegacia e dois policiais nos fizeram algumas perguntas sobre os dois. Foi nesse momento que o policial falou que ela estava morta. Não prestei depoimento e voltamos ao hospital — conta a irmã.

Diversas, inúmeras vezes, ela falou que o freio de mão era ruim e que ela precisava chamar ele para que soltasse, porque ela não conseguia

EVANDREA CUNN DA ROSA

irmã mais velha de Elizandra

Ela afirma que Eliz era “completamente apaixonada” pelo namorado, o que, algumas vezes, era até motivo de piada entre elas. Ela conta, também, que ele era atencioso com a irmã e querido por toda a família, inclusive pelo pai e mãe falecidos.

— Ele era da família. Foram 16 anos de convivência com ele. Na nossa família todo mundo gostava dele, sim, e ela mais ainda — reforça.

A irmã reitera que o problema com o freio de mão do veículo era uma reclamação recorrente de Eliz, e que ela sempre dizia que precisava da ajuda do namorado para destravá-lo.

— Diversas, inúmeras vezes, ela falou que o freio de mão era ruim e que ela precisava chamar ele para que soltasse, porque ela não conseguia — lembra.

Demora no atendimento

O namorado de Eliz relatou que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) demorou cerca de 40 minutos para chegar ao endereço. O atraso teria sido motivado porque há duas ruas com Vitor Hugo no nome e em locais diferentes da cidade. Segundo ele, a ambulância foi até o endereço incorreto e teria aguardado, o que aumentou o tempo de espera.  

Ele acredita que se o socorro tivesse chegado antes, ela poderia ter sobrevivido. Evandrea também comenta sobre a demora no atendimento do Samu. 

— Acredito que se eles tivessem encontrado o endereço mais cedo, quem sabe ela não teria mais chances. Nestes casos, nós, que trabalhamos na área da saúde, sabemos que o tempo é uma coisa muito importante — sublinha a irmã.

Sobre este tema, a Polícia Civil diz que “o inquérito ainda está em andamento”, portanto, não há “uma conclusão quanto a isso.” Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação da prefeitura de Gravataí informou que os “chamados do Samu são atendidos pela regulação em Porto Alegre. Eles é que têm o controle do horário dos chamados e o tempo para o atendimento, pois possuem rastreador nos nossos veículos. O Município tem apenas registro local dos fatos.”

Conforme a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual da Saúde (SES), a direção do Departamento de Regulação Estadual não tem “como falar sobre caso especifico, especialmente quando está sob inquérito policial" e que "somente por ordem judicial" poderia se "manifestar sobre os fatos.”


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