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Churrasco mais salgado

Região de Porto Alegre teve a 2ª maior alta no preço da carne no país

Inflação da proteína animal acumula elevação de 6,1% no RS em 12 meses; a costela, um tradicional corte para churrasco, lidera a alta regional com 11,21%

05/01/2023 - 09h43min

Atualizada em: 05/01/2023 - 09h45min


Rafael Vigna
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Considerada a “carne de combate” por ser utilizada desde no bife até no guisado, alcatra acumula alta de 7,32% no RS

Uma das frases mais usadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral no ano passado vai demandar esforço da nova equipe econômica para ser realizada, sobretudo, no Rio Grande do Sul. É que para “o brasileiro voltar a comer um churrasquinho de picanha todos os domingos”, antes, será preciso controlar a inflação das carnes, que acumula alta de 2,58% em 12 meses, encerrados em novembro, no país.  

E, na Região Metropolitana de Porto Alegre o avanço é maior: chega a 6,1%, variação praticamente idêntica à do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no intervalo (5,90%). Fica atrás apenas do Recife (PE), que exibe 6,17% em igual recorte de tempo, conforme dados da última divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Na comparação entre as regiões metropolitanas do país, a de Porto Alegre fica no topo do ranking das maiores elevações quando analisadas, individualmente, as altas da costela e da picanha (11,21% e 7,79%, respectivamente). No caso da alcatra – considerada “carne de combate” por ser utilizada desde no bife até no guisado, e ainda nos espetos –, a região metropolitana gaúcha teve a segunda maior alta do país no período (7,32%), perdendo apenas para Recife (12,31%).

Para os gaúchos, cujo consumo per capita é de 31 quilos de carne vermelha – 24% superior à média nacional (25 quilos) –, a disparidade nos preços é sinônimo de migração para alguma das fontes de proteína animal alternativa. A primeira escolha tende a ser o frango, mas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, esse item ocupa o topo do ranking nacional com 13,84% de ascensão em 12 meses. Ou seja, mais de cinco pontos percentuais acima de Curitiba (com 8,72%), posicionada logo a seguir. 

Já nos suínos, ainda que, por aqui, a alta seja mais contida (4,03%), outra vez, é superada somente pelo Recife (4,43%). Depois, a opção seria o peixe. No entanto, o cenário se repete: em Porto Alegre o avanço de 6,33% perde unicamente para Salvador (BA), com 7,21%. 

— O gaúcho quer comer carne. Prefere a vermelha. Em condições de preço migra, primeiro, para o frango. O movimento ajuda a elevar a procura pela segunda opção, pressiona preços e assim por diante, passa pelo porco até chegar no peixe. A carne de gado é reguladora da demanda no RS. Nesse caso, o hábito de consumo do gaúcho conspira contra o próprio bolso — comenta Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da UFRGS

Presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado (Sicadergs), Ladislau Böes acrescenta que até o primeiro semestre de 2022, houve redução no consumo de proteína vermelha e, diferentemente de outros Estados – como Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará – no RS o preço não cedeu. Nesses locais, o custo podia ser até R$ 5 inferior, afirma.   

Na segunda metade do ano, o consumo melhorou na exata proporção em que a demanda chinesa por carne nacional reduziu, diz Böes. Embora em solo gaúcho exista apenas uma planta de abate habilitada para exportações, as demais unidades da federação se voltaram para o mercado do Sul, por essa razão, e a entrada de produtos de fora contribuiu para contrabalancear os preços internos, argumenta:   

— Para o produtor rural, houve baixa de rentabilidade, mas só agora isso chegou às gôndolas. Deve ocorrer de maneira mais expressiva daqui para frente.

Compras mais equilibradas

Marlon Streck, gerente de um açougue no Mercado Público da Capital, é testemunha das justificativas. Lembra que, pouco tempo atrás, quando o desequilíbrio na carne de gado era maior, a saída de aves e suínos acompanhava a tendência. Hoje mudou, anuncia, ao apontar para a vitrine, com carnes de segunda como o peito e a agulha sem osso, antes vendidas a R$ 23,90 e 29,90, respectivamente, agora a R$ 18,99 e 26,90 – valores 20,54% e 10,03% menores, em igual base comparativa.

—  Dá pra notar que as compras são mais equilibradas, os clientes levam um pouco de cada, apesar da carne vermelha permanecer em patamar ainda elevado — resume.  

Ao fundo, Maria Helena Silveira questiona qual seria o mix de cortes de frango em promoção e pede para embalar o produto indicado pelo açougueiro, junto com uma peça inteira de coxão de dentro. Comenta que em sua casa, o costume é alternar as proteínas servidas à mesa. Há até um dia previsto para as vísceras (fígado, moela, língua, por exemplo) e outro apenas com legumes, conta.  

— Além do hábito alimentar, é um costume que evita deixar todo o nosso dinheiro na carne vermelha — ironiza a aposentada.      

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Maria Helena tem o costume de alternar as proteínas servidas à mesa por hábito alimentar e economia

Inflação nas aves e suínos reflete alta de custos  

Dos balcões de açougue aos frigoríficos e propriedades rurais há um longo caminho para a composição dos preços. Terceiro maior produtor de aves no Brasil, o Rio Grande do Sul responde por 15% de participação no setor com cerca de 1,7 milhão de toneladas no ano passado – 750 mil toneladas desse total destinadas ao mercado externo.  

Longe dos demais centros e dependente do milho – grão que supera 70% na formação da base alimentar das matrizes – os custos são mais elevados, ficam até 6% acima do que em Santa Catarina, superam em 12% os do Paraná, afirma o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos.   

— O repasse ao consumidor final evita o colapso do setor. Pagamos cerca de R$ 95 por uma saca de 60 kg de milho, há dois anos R$ 46. Sem falar no frete. Nas estiagens, como em 2021 e 2022, e que se anuncia outra vez, busca-se insumo no Paraguai, na Argentina ou no Paraná — explica, ao afirmar que, em alguns momentos, o setor chegou a operar com margem negativa de R$ 2 por quilo colocado no mercado, o que não impediu a escalada dos preços. 

Cenário semelhante para rações e custos é relatado por Valdecir Luis Folador, presidente da Associação de Criadores de Suínos (Acsurs), porém com preços represados. Além de margem pressionada na indústria, a situação faz com que os produtores independentes atuem no vermelho há pelo menos um ano, garante ele.  

Estudo da entidade aponta que, em 2021, para colocar um quilo de carne suína no mercado o gasto médio girava na casa de R$ 4. No final de 2022, a relação havia saltado para R$ 7, ou seja. Significa que 75% de aumento foram retidos na condição de prejuízo na base da cadeia, com o objetivo de evitar desestímulo maior ao consumo e paralisação de fluxo nos frigoríficos.  

Lei da oferta e da procura 

Diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Suínos (Sips), Rogério Kerber lembra que somente no ano passado 3,8 milhões de tonelada de milho desembarcaram no Estado de outras unidades da federação, um custo adicional estimado em R$ 6 bilhões, quando considera-se o ICMS, custos logísticos e outros encargos.  

Nesse período, dados preliminares indicam que a produção atinja quase R$ 1 milhão de toneladas. Cerca de 285 mil toneladas foram destinadas a outros países. O RS responde por 20% dos abates nacionais.  

Trabalhar na criação de novos mercados, seria uma das alternativas para equilibrar a relação entre oferta e demanda, pois o setor costuma produzir acima da necessidade doméstica. Pela lei da oferta e da procura, a consequência imediata faz com que os valores pagos aos produtores estejam sempre exprimidos, concluem ambos os dirigentes.


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