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Com mielomeningocele e de família de baixa renda, jovem é aprovado em Medicina na UFRGS

Matheus Olaz, 18 anos, passou por cirurgias e tratamentos de reabilitação desde o nascimento

07/02/2023 - 10h21min


Isabella Sander
Isabella Sander
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Six Formaturas / Arquivo Pessoal
Matheus se formou na Escola Padre Reus e passou direto em Medicina

A última segunda-feira (30) foi inesquecível para Matheus Olaz, 18 anos – ao conferir o listão dos aprovados no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), encontrou lá o seu nome. A história dele, semelhante à de outras 4 mil pessoas presentes na listagem, tem duas especificidades: o jovem passou no curso de Medicina, o mais concorrido do certame, e a aprovação ocorreu após uma trajetória de enfrentamento a sequelas decorrentes da mielomeningocele, que envolveu cirurgias e tratamentos de reabilitação desde o nascimento até os dias de hoje.

A mielomeningocele é uma condição que faz com que a coluna vertebral, a medula espinhal e o canal da medula não se formem normalmente no bebê durante a sua gestação. Foi o que aconteceu com Matheus, que precisou passar por cirurgias corretivas da coluna desde seu primeiro dia de vida. Aos três meses, já iniciou um tratamento de reabilitação, primeiro na AACD e, depois, no Educandário São João Batista, ambos em Porto Alegre. As entidades oferecem a crianças e adolescentes com deficiência um tratamento multidisciplinar gratuito com especialidades não oferecidas no Sistema Único de Saúde (SUS).

Foi entre cirurgias e tratamentos que Matheus pegou gosto pela Medicina.

— Ele frequentava o Hospital Santo Antônio e o Matheus sempre dizia que queria ser igual ao doutor Régis Osório (neurologista pediátrico), mas eu nunca imaginei que ele daria continuidade a esse projeto — comenta a mãe do jovem, Ana Ouriques Correia.

Mas ele deu. Para além da aproximação com a área no cotidiano, o calouro conta que optou pelo curso por um conjunto de coisas:

— Eu gosto das matérias relativas à Medicina, gosto do local de trabalho e gosto da ideia de tratar as pessoas, ajudá-las — observa o jovem.

Dedicação

Dedicado aos estudos, Matheus sempre estudou em escolas públicas – primeiro na Clotilde Cachapuz de Medeiros e, no Ensino Médio, na Padre Reus – e nunca aceitou tirar nota 7, que, para ele, “nem é nota”, mesmo tendo demandas extras em relação aos colegas, como os tratamentos de reabilitação e eventuais cirurgias na coluna. Sua autocobrança é tanta que, após a aprovação, segue descontente com seu desempenho no vestibular:

— Esperava ir um pouco melhor, porque eu fui abaixo do que estava indo nos simulados em algumas matérias, como História, em que eu errei questões por bobeira. Mas fui bem em Matemática, que eu já esperava, e em Português e Química, que achei que iria um pouco pior — analisa o calouro.

Os estudos do jovem para o vestibular começaram no final do segundo ano do Ensino Médio. Sua rotina envolvia ter aulas do colégio à tarde e estudar para o certame de manhã e um pouco à noite. De todas as disciplinas, sentia mais dificuldade em Física, sobre a qual teve poucas aulas, em função da pandemia e da falta de professor em sua escola. A saída foi procurar os conteúdos na internet.

— Eu assistia aulas no YouTube e procurava questões da UFRGS, do Enem e de outros vestibulares paulistas na internet e estudava — explica o Matheus.

O futuro estudante – suas aulas começam em maio – foi contemplado por uma vaga reservada para pessoas com deficiência. Além da UFRGS, também passou na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

— O Matheus é bem forte, tem muita persistência, força de vontade. Mesmo com problemas, sempre seguiu e agora passou em Medicina sem precisar fazer cursinho, nada — relata Ana.

Exemplo

Presidente do Educandário, onde o estudante é atendido desde os quatro anos, Ronaldo Leite ressalta que a aprovação do jovem é algo excepcional na realidade dos atendidos na instituição.

— O vestibular da UFRGS já é dos mais difíceis, e o de Medicina, então, nem se fala. A história dele serve de estímulo para que outras pessoas com deficiência sigam esse caminho — avalia Ronaldo.

A coordenadora clínica da instituição, Carla Neves, pontua que o trabalho gratuito oferecido pelo Educandário é fundamental para o desenvolvimento das crianças com deficiência.

— Chegar aos 18 anos depois de um acompanhamento com esse trabalho multidisciplinar é a base para que ele pudesse focar nos estudos, crescer com segurança e ter incentivos para se sentir capacitado a fazer vestibular e concorrer, depois, a vagas de trabalho — analisa Carla.

Agora, a preocupação da mãe de Matheus é com como será a nova rotina, especialmente com relação ao transporte. A família mora no bairro Chapéu do Sol, extremo-sul de Porto Alegre, e o jovem precisará pegar dois ônibus para chegar à Faculdade de Medicina.

— Os ônibus adaptados são precários, muitas vezes estão com os mecanismos estragados, e nós dependemos do transporte público — afirma Ana, que é mãe solo e mantém a família com o dinheiro do Benefício de Prestação Continuada concedido a Matheus e a Laura, sua outra filha, que também tem mielomeningocele.

Tanto para estudantes de baixa renda como para aqueles com deficiência, a UFRGS oferece uma série de auxílios. Entre eles, está o custeio de parte das despesas com transporte, material escolar, a oferta de atendimento em saúde gratuito e de alimentação a baixo custo nos restaurantes universitários. O Núcleo de Inclusão e Acessibilidade (Incluir) da universidade também dispõe de serviços como a adaptação de materiais e pessoas que oferecem o apoio para deslocamentos de cadeirantes.


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