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Estrutura hospitalar

Quase três anos após início da pandemia, número de leitos de UTI pelo SUS cresceu 34,8% no RS

Em fevereiro de 2020, Estado contava com 933 vagas de terapia intensiva na rede pública; agora, são 1.258

22/02/2023 - 09h59min

Atualizada em: 22/02/2023 - 09h59min


Jhully Costa
Jhully Costa
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Do início às fases mais críticas, a pandemia de covid-19 foi gerando modificações na estrutura hospitalar de todo o Brasil. Passados quase três anos da declaração feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é possível observar o legado que o período de tantos desafios deixou para o setor. No Rio Grande do Sul, o ganho vai além do conhecimento adquirido: entre março de 2020 e 2023, houve aumento de 34,8% no número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ofertados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma permanente. Em fevereiro de 2020, o Estado contava com 933 vagas de terapia intensiva na rede pública; agora, são 1.258.

O Rio Grande do Sul ainda obteve um acréscimo na quantidade de respiradores disponíveis e de profissionais atuando em diferentes instituições de saúde. Especialistas da área consideram o saldo positivo, mas ainda insuficiente para atender toda a demanda das redes pública e privada.  

As 933 vagas de UTI do SUS foram contabilizadas pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) em fevereiro de 2020. A partir de março, com o avanço da pandemia, os hospitais precisaram iniciar a abertura de novos leitos — um processo que foi ainda mais acentuado em março de 2021, quando os números de casos graves, internações e mortes decorrentes de coronavírus bateram recordes. Nessa época, o Estado chegou a ter cerca de 2,5 mil vagas públicas. Hoje, possui 1.258.

Bruno Naundorf, diretor do Departamento de Auditoria do SUS e coordenador do Comitê Científico do RS e do Grupo de Trabalho (GT) Saúde, informa que, no auge da pior onda da pandemia, a rede de saúde pública abriu 1.598 novos leitos, que foram distribuídos entre diferentes regiões do território gaúcho. 

— Foram leitos que conseguimos abrir porque realmente temos uma rede hospitalar robusta, com capacidade para dar conta dessa ampliação, que era necessária para aquele momento da pandemia. Com isso, conseguimos dar a retaguarda necessária — comenta Lisiane Wasem Fagundes, diretora do Departamento de Gestão da Atenção Especializada (DGAE) da SES. 

A partir do avanço da vacinação contra a covid-19, contudo, os casos graves começaram a reduzir e, consequentemente, o número de internações também. Segundo Lisiane, nesse período, os leitos abertos de forma emergencial, que não estavam mais em uso, passaram a ser fechados: 

— São estruturas que têm um custo elevado, com uma alta tecnologia envolvida, e realmente precisam ser utilizadas. Então, teve início o encerramento desses leitos e começamos um movimento para que pudéssemos ficar com leitos ainda em um quantitativo que nos permitisse atender os indicadores que hoje nós temos e que o Ministério da Saúde utiliza, que é de um leito de UTI para cada 10 mil habitantes.  

Da ampliação ao longo dos dois primeiros anos de pandemia, o Estado mantém 325 novos leitos de UTI do SUS, que foram habilitados (ou seja, autorizados a funcionar de forma permanente) pelo Ministério da Saúde, destaca Naundorf. Assim, o número de vagas públicas passa dos 933 no pré-pandemia para os atuais 1.258. No painel de monitoramento atualizado diariamente pela SES, entretanto, o total de leitos é de 1.266 — a diferença se dá em função de oito vagas que seguem abertas, mas não serão habilitadas pelo governo federal. 

De acordo com dados disponibilizados pela SES, 30 municípios gaúchos de diferentes regiões foram beneficiados com estruturas que ficaram de legado. Porto Alegre é a cidade com maior número: são 40 leitos para adultos, divididos igualmente entre o Hospital de Clínicas e o Hospital Vila Nova. Santa Maria, na Região Central, ficou com 30 vagas, sendo quatro pediátricas, distribuídas entre duas instituições de saúde. Já hospitais de Canoas totalizam 20 novas estruturas, e de Pelotas, 18 (veja a relação no mapa abaixo).  

— Hoje, dos 1.266 leitos de UTI SUS que temos no Rio Grande do Sul, cerca de 30% estão em Porto Alegre. Mas houve uma interiorização de leitos em todas as fases de abertura de vagas. E, dos leitos novos que ficaram, grande maioria é no Interior. Então, houve uma mudança bem significativa, uma interiorização bem importante — ressalta Naundorf. 

Aumento positivo, mas ainda insuficiente, dizem especialistas 

O médico Alcides Miranda, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e associado da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), aponta que havia uma carência de leitos de UTI antes da pandemia e que o acréscimo é positivo, mas ainda insuficiente para as necessidades do Estado. Na avaliação do docente, também há um problema na distribuição dessas vagas, que foram divididas principalmente entre as maiores regiões. 

— Se estivessem distribuídos entre todas as regiões, seria melhor. Mas a maior concentração se manteve nas regiões que já tinham mais leitos. Precisava de uma distribuição mais equitativa — avalia. 

Mesmo assim, Miranda destaca a forma como o SUS se apresentou no pior momento da pandemia, avançando em comparação à rede privada e aumentando a oferta. Isso, segundo o professor, ajudou a diminuir a letalidade — número de pessoas que morreram entre as contaminadas pelo vírus — no Rio Grande do Sul.   

— A taxa de mortalidade (número de pessoas que morreram devido à doença entre a população total) do RS em 2021 foi pior do que a do Brasil. Já a taxa de letalidade foi melhor. Na prática, isso significa que esses leitos SUS evitaram muitas mortes no período mais crítico da pandemia — avalia. 

Antônio Kalil, professor titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e diretor médico da Santa Casa de Misericórdia da Capital, concorda que os leitos a mais não atendem toda a demanda das instituições. O principal indicativo disso é que, apesar do aumento, não há vagas sobrando nas UTIs, que voltaram a ser requisitadas como antes da pandemia em função de outras patologias, especialmente casos graves de câncer e de problemas neurológicos e cardiovasculares.  

Para o diretor médico, a situação está relacionada ao represamento de consultas preventivas e ao atraso de tratamentos ocorridos durante as ondas mais fortes da pandemia.  

— Os diagnósticos acabaram sendo feitos muito depois, com quadros mais graves. Isso significa que também serão necessários tratamentos mais invasivos, às vezes com grandes cirurgias que, na maioria dos casos, demandam uma recuperação em UTI. Então, embora tenha tido esse acréscimo de leitos, a sensação é de que isso não refletiu em uma tranquilidade em termos de vagas para todos — diz Kalil. 

Leitos privados de UTI e leitos clínicos 

Ainda que inferior quando comparados à rede pública de saúde, também houve aumento nos leitos privados de UTI. Até abril de 2020, o Estado contava com cerca de 598 vagas desta categoria. Com a ampliação, exatamente um ano depois, chegou a 950 e, atualmente, são 716 — o que representa um acréscimo de 118 estruturas (19,7%) no número pré-pandemia, segundo a pasta.  

Em relação aos leitos clínicos, Naundorf esclarece que o Rio Grande do Sul tem como característica uma forte estrutura hospitalar nesta modalidade. Atualmente, há 13.806 vagas clínicas registradas no Estado, sendo 9.611 públicas e 4.195 privadas. Mais de 6 mil estão disponíveis para pacientes com contaminados pelo coronavírus, mas apenas 139 estavam ocupadas em 20 de fevereiro, por exemplo. 

— Leito clínico nunca foi um problema para o Estado. Em determinados momentos, tivemos que ir adequando os hospitais, transformando espaços de leitos clínicos que eram de outras áreas, como pediatria ou centro cirúrgico, em áreas de isolamento. Chegamos a ter 9 mil leitos clínicos disponíveis para casos de covid-19, mas nunca foi preciso utilizar todos. No pico da pandemia, tivemos cerca de 6 mil ocupados — aponta.  

Mais equipamentos, profissionais de saúde e aprendizados 

A ampliação dos leitos também refletiu no número de equipamentos e profissionais distribuídos pelas instituições de saúde gaúchas. Conforme a Secretaria Estadual de Saúde, os hospitais possuíam 3.286 respiradores até maio de 2020. Hoje, são 4.521 — um incremento definitivo de 37,5%, ou mais de 1,2 mil equipamentos, na rede SUS. 

A pasta não possui, no entanto, uma relação de quantos funcionários foram contratados durante a pandemia ou de quantos permanecem trabalhando nas respectivas empresas.   

Bruno Naundorf explica que 80% da rede de saúde do Rio Grande do Sul é privada (hospitais filantrópicos), por isso, é difícil de afirmar com precisão qual foi o ganho de equipes. Porém, o diretor do Departamento de Auditoria do SUS comenta que todas as instituições que têm UTIs precisam, obrigatoriamente, de no mínimo um médico intensivista para cada 10 leitos. 

Na Santa Casa de Porto Alegre, por exemplo, as vagas abertas especificamente para atendimento de casos de covid-19 já foram fechadas. Mesmo assim, a instituição mantém 70% dos funcionários que contratou no decorrer da pandemia — foram 48 médicos e entre 200 e 300 profissionais técnicos.  

Já a Santa Casa de Pelotas, que teve 10 novos leitos de UTI habilitados durante a pandemia, adicionou cerca de 30 pessoas ao seu quadro de funcionários, para cobrir os quatro turnos de trabalho, afirma Regis Pinto e Silva, diretor administrativo da instituição. Entre eles, enfermeiros, técnicos, médicos, fisioterapeutas e psicólogos, além daqueles que compõem as equipes de apoio, como profissionais de laboratório, de higienização e de lavanderia.  

Em Santa Maria, onde 30 vagas foram habilitadas, também houve um aumento no número de profissionais de todas as áreas. De acordo com Carla Boniatti, coordenadora adjunta da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde, com sede no município da Região Central, as contratações no Hospital Regional, por exemplo, foram decorrentes do crescimento da demanda reprimida e da inclusão de novas especialidades na rotina da instituição.  

Para a coordenadora, apesar de todos os aspectos ruins, a pandemia ensinou uma visão diferente de gestão aos hospitais, já que as instituições de saúde passaram a funcionar como uma engrenagem para o enfrentamento do vírus. Ou seja, trouxe uma união e uma colaboração maior entre todos.  

O professor Antônio Kalil acrescenta que outro grande ganho está relacionado ao tratamento intensivo nas UTIs e que esse período mostrou que é necessário não apenas a estrutura física adequada, como também equipes capacitadas para o serviço. Neste aspecto, acredita que o principal objetivo e também dificuldade é ter pessoas devidamente treinadas em todas as áreas envolvidas no intensivismo. 

— Acho que isso é a chave para termos sucesso no tratamento das pessoas. Mas é claro que, para isso, é preciso ter um investimento nesses treinamentos, porque não temos profissionais capacitados para todos esses leitos de UTI. Notamos que precisamos de mais intensivistas, fisioterapeutas e de toda uma equipe multidisciplinar para atender esses pacientes — finaliza o médico.  


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