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Alternativa para famílias deixarem áreas de risco, Aluguel Social é desafio de convencimento à prefeitura de Porto Alegre 

Quatro casas foram destruídas na Travessa São Luís, na Zona Leste, após deslizamento; Demhab faz ação presencial de conscientização e orientação para que moradores saiam do local

06/06/2023 - 21h18min

Atualizada em: 06/06/2023 - 21h23min


Caroline Tidra
Caroline Tidra
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Há um mês, moradores da Travessa São Luís, no Morro da Cruz, em Porto Alegre, viveram instantes de terror. Um deslizamento na encosta do morro causou a queda de uma árvore de grande porte em cima de quatro casas. O ponto é uma das 142 áreas de risco na Capital, conforme o documento elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil (CRMP). No relatório, a São Luís estava classificada como de "alto" risco para desastres naturais. Após o incidente no mês passado, a classificação de risco foi alterada para "muito alto" pela equipe de engenharia do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).

No final de maio, a prefeitura da Capital deu início a uma força-tarefa, envolvendo diversas secretarias, para notificar famílias que vivem na travessa e arredores, a partir da conscientização de que hoje a comunidade vive em uma área com algum tipo de risco, seja hidrológico ou geológico. Na segunda-feira (5), GZH acompanhou uma ação do Demhab na região.  

— Viemos para entrevistar as famílias que estão em situação de extremo risco à vida na Travessa São Luís e também a parte de cima do morro. São 27 famílias, mas teremos certeza do número quando terminarmos o cadastramento. Na primeira abordagem, todas as famílias foram notificadas ou pessoalmente ou por baixo da porta. Hoje (segunda-feira), retornamos para comunicar os ausentes, conscientizando de que não podem permanecer no local, em vista da previsão de chuva e do risco de deslizamentos e desmoronamentos — explica a diretora de Projetos Sociais e Cooperativismo do Demhab, Leonara Tonetto.

Alternativa para essa população, o Aluguel Social é um benefício mensal concedido pela prefeitura para atender famílias que se encontram em áreas de risco devidamente comprovadas, entre outras situações. Atualmente, o valor oferecido pelo programa é de R$ 600 e o contrato pode ser feito com até dois anos de duração, com possibilidade de ser renovado sem prazo ou até o encaminhamento da solução habitacional definitiva. 

— Essas famílias identificadas são orientadas a prosseguir para o atendimento do Aluguel Social até que consigam uma alternativa habitacional definitiva — complementa Leonara.

De porta em porta, as equipes do departamento apresentavam o Aluguel Social e instruíam como oficializar o processo a partir do preenchimento do cadastro e entrega de documentações. Conforme Leonara, a ação também estava verificando o número de famílias resistentes à ideia de sair do local.

À espera do benefício

Uma das casas destruídas pela árvore que caiu na travessa foi a da autônoma Patrícia Castro, 44 anos, moradora do local há 20 anos. Ela estava em casa com a mãe, Edite Castro, 64, que já estava deitada.

— Quando caiu, caiu tudo de uma vez só. A parede caiu em cima das minhas pernas e os vizinhos tiveram que me ajudar. A mãe estava deitada, e a sorte dela é que a árvore caiu do lado da cama. Ela ainda conseguiu sair sozinha — relembra Patrícia, que atualmente mora em uma peça emprestada por parentes.

Dos itens que ela conseguiu salvar, estão a geladeira e o fogão, além de documentos e algumas roupas.

— O resto, quebrou tudo. Olhar tudo perdido, o trabalho de uma vida, é uma tristeza. Recém tinha colocado um telhado novo com empréstimo consignado do Bolsa Família — conta a moradora.  

Ao lado da casa de Patrícia, morava o aposentado Aldo Marteganha, 69 anos, que escapou com vida por pouco. No local, ainda é possível ver a cama do idoso totalmente quebrada embaixo do tronco da árvore e entre escombros do que sobrou. Parte dos galhos foi retirada para facilitar o acesso nas casas. Aldo estava deitado quando, em instantes, viu tudo desabar.

— Escapei porque tinha que escapar. Quando fui me levantar, dei de cara com um monte de galhos, tudo escuro. Mas vocês não fazem ideia do que foi. É uma benção ter saído vivo — diz o idoso, que morou na casa por 18 anos.

Ele morava com o irmão na residência, e os dois conseguiram sair do local com auxílio dos vizinhos que usaram lanternas de celulares. Atualmente, moram em uma casa próxima, que foi cedida pela filha de Aldo.

Patrícia e Aldo aguardam o Aluguel Social para virar a página em outro lar.

Incerteza e recusa

Maria Eduarda Pereira da Cruz, 21 anos, mora ao lado do conjunto de casas atingidas. Ela não estava quando a árvore tombou. A estrutura da residência onde vive de aluguel com o namorado também foi atingida na parte dos fundos, mas sem tanta gravidade como foi nas dos vizinhos. A jovem, que mora na travessa há mais de um ano, demonstra interesse pelo Aluguel Social e admite que, antes do incidente, já queria sair do local:

— Não tem como ficar aqui, não adianta arriscar. A gente já estava tentado ver outro lugar, mas é difícil conseguir uma casa onde os donos aceitem cachorro. Mas vou tentar.

Apesar de demonstrar entendimento sobre os riscos, o mestre de obras Jureni Figueiredo Rodrigues, 53, prefere permanecer na residência construída por ele há 16 anos. No pátio, Jureni cria um cavalo. Ele foi um dos moradores abordados durante a ação da prefeitura na segunda-feira.

— Peguei o contato (do setor do Aluguel Social) só por pegar. No aluguel, posso sair prejudicado tendo que arcar com outros custos que aqui não tenho. É meu — diz o morador.

Sensibilização sobre perigo

No novo mapeamento e reclassificação da São Luís, a equipe do Demhab contabilizou 63 imóveis. Conforme o engenheiro civil do departamento, Rodrigo Fabiano Montemezzo, do total das casas na região, entre 27 e 30 delas estão em mais alto risco no espaço, e são nessas que as equipes abordam os moradores.

— A CPRM classificou essa área como alto risco, mas não estava entre as prioridades (grupo com maior risco). Quando a árvore caiu, ela deslocou uma parte do talude e aumentou muito mais o risco, ainda mais das casas que estão na beirada — explica o engenheiro.

Vamos seguir neste trabalho de convencimento das famílias sobre a necessidade de sair daquela área. Temos uma previsão de cem milímetros de chuva por um período de sete a oito dias, que não é uma chuva intensa, mas constante, o que pode colocar as pessoas em uma situação maior de risco.

ANDRÉ MACHADO

Secretário municipal de Habitação e Regulação Fundiária

De acordo com o secretário municipal de Habitação e Regulação Fundiária (SMHARF), André Machado, oferecer o Aluguel Social para as famílias da São Luís é o primeiro movimento do Demhab na direção de proteger as vidas dos moradores.

— Vamos seguir neste trabalho de convencimento das famílias sobre a necessidade de sair daquela área. Temos uma previsão de cem milímetros de chuva por um período de sete a oito dias, que não é uma chuva intensa, mas constante, o que pode colocar as pessoas em uma situação maior de risco. Então, pensando nisso, estamos agindo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) para eventuais necessidades de moradias — comenta Machado.

Segundo o secretário, a orientação para os moradores é sair do local e, em caso de o morador não conseguir a casa para alugar e obter o Aluguel Social, ele tenha a alternativa de uma solução provisória encaminhada pela SMDS.

Além da conscientização do risco, a equipe elabora ideias sobre a reutilização do espaço para outros fins comunitários.

— Na área impactada é preciso fazer uma intervenção urbana para que a comunidade não venha reocupar, que é de muito alto risco. A tendência é de que as pessoas retornem. Por isso, estamos trabalhando com a comunidade para pensar numa área de lazer, como uma horta, para eles utilizarem esse espaço. Teremos o apoio de parceiros e universidades para montar esse espaço — completa a engenheira ambiental e sanitária Patrícia Antunes Russo, da Equipe de Gestão e Educação Ambiental do Demhab.  


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