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Mobilidade prejudicada

Interdição da ciclovia da Ipiranga desestimula ciclistas na Capital

Ex-usuários da pista exclusiva optam entre andar no meio dos carros, na calçada ou deixar de pedalar

02/01/2024 - 10h18min


Marcelo Gonzatto
Marcelo Gonzatto
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Luana Silva reduziu a frequência das pedaladas devido à deterioração da ciclovia que costumava percorrer

Apesar dos problemas estruturais e de conservação, a ciclovia da Avenida Ipiranga é vista pelos antigos usuários como uma opção muito mais segura do que dividir o asfalto com carros, ônibus e até caminhões. Por isso, a interdição total do percurso anunciada pela prefeitura em 6 de setembro por conta de desmoronamentos vem desestimulando o uso das bikes pela população do entorno.

— O número de ciclistas que aparecem para as nossas pedaladas caiu quase 70% desde o bloqueio da ciclovia. A gente circula pelas ruas em um grupo maior, o que dá mais sensação de segurança. O problema é que muitas pessoas não querem andar sozinhas pela Ipiranga até chegar ao nosso ponto de encontro (próximo à orla). Os carros vêm pra cima, tem motorista que até te xinga — afirma Pereira.

O caso da servidora pública Luana Silva, 31 anos, ajuda a ilustrar como o bloqueio da pista desestimula o uso das bikes na Capital — que vinha experimentando uma onda crescente de adeptos da pedalada nos últimos anos e agora vê um refluxo nesse meio de transporte, considerado menos poluente e mais favorável à saúde.

— No início da pandemia, comecei a correr e a pedalar pela ciclovia da Ipiranga. Houve um boom de ciclistas. Comprei a minha bicicleta porque percebi que teria onde usá-la. Agora, ela está quase em desuso — lamenta Luana.

A servidora ainda pedala pela cidade, mas em menor frequência e sob o dilema de circular entre carros em alta velocidade, dividir as calçadas muitas vezes irregulares com os pedestres e até tentar usar alguns trechos da ciclovia apesar dos bloqueios.

— Houve uma vez em que cheguei diante de um trecho interditado e tive de passar para a pista da Ipiranga, no meio do trânsito, porque não tinha como continuar. O certo seria usar a rua, mas tem muito motorista que passa raspando de propósito. As calçadas são muito irregulares, além da presença dos pedestres. Até já furei o pneu tentando andar na calçada — conta Luana.

Aluno do mestrado em Ciências do Movimento Humano no campus da UFRGS no bairro Jardim Botânico, Rodolfo Brum, 29 anos, usava a ciclovia para se deslocar desde sua casa no bairro Santana até a universidade. Agora, divide espaço com os veículos.

— A melhor saída seria arrumar a ciclovia e reabri-la — defende.

A prefeitura sustenta que vai avaliar análises técnicas do solo e a relação custo-benefício antes de decidir se reativa toda a pista junto à Ipiranga ou busca outra saída. Inicialmente, o prefeito Sebastião Melo informou que o município pretende liberar o percurso das imediações do shopping Praia de Belas até o Hospital Ernesto Dornelles, e decidir posteriormente sobre o trajeto restante.

A principal vantagem de manter a rota atual seria aproveitar o tempo e o recurso de R$ 5,5 milhões já investidos no percurso, mesmo que não seja considerado ideal pelos ciclistas por conta de estreitamentos e obstáculos.

 A construção de um novo trajeto sobre a pista de rolamento, que permitiria um percurso menos tortuoso, por outro lado poderia reduzir o espaço para veículos na avenida e recolocaria os ciclistas diante de um obstáculo já experimentado ao longo dos últimos anos: o tempo necessário para iniciar um novo projeto do zero e terminá-lo.

— O importante é termos uma ciclovia, ou uma ciclofaixa, como em algumas cidades. Nesse caso, o ideal é que fosse como em um corredor de ônibus, com visibilidade — opina o coordenador do clube de ciclismo PedAlegre, Juarez Pereira.

O engenheiro civil e professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernando Dornelles sustenta que o importante é eliminar o quanto antes o compartilhamento das calçadas:

— Quanto a desativar (a ciclovia), é necessário antes avaliar se seria possível tomar uma parte da faixa (da avenida) para criar uma ciclofaixa. O que não tem cabimento é compartilhar o passeio entre ciclistas e pedestres.


A acidentada trajetória da ciclovia

  • A estrutura começou a ser construída em 2011. Seu primeiro trecho, de pouco mais de 400 metros, foi inaugurado no ano seguinte.
  • A expectativa era de concluir os 9,4 quilômetros de pista, entre a Beira-Rio e a Avenida Antônio de Carvalho, até o final de 2012. O prazo não se confirmou.
  • A promessa de conclusão é adiada para o final de 2014. A obra avança até 2,8 quilômetros, mas, com a retomada condicionada à liberação de empreendimentos comerciais, emperra no mês de fevereiro.
  • Após mais de um ano parada, a obra recomeça no primeiro semestre de 2015 com nova promessa de término até o final do ano - prazo também descumprido.
  • Quase três anos após a entrega do último trecho, um novo pedaço de 400 metros entre as vias Silva Só e João Guimarães é iniciado.
  • Em 2019, é iniciada a implantação do último trecho de 1,7 quilômetro da ciclovia. A extensão total é finalizada em 2020.
  • No começo de setembro deste ano, após desmoronamentos em seis pontos, a pista exclusiva é totalmente interditada pela prefeitura.

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