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Como foi a primeira noite de desfiles das escolas da série Ouro do Carnaval de Porto Alegre

Cinco agremiações se apresentaram na passarela do Complexo Cultural do Porto Seco na madrugada deste sábado

24/02/2024 - 14h40min

Atualizada em: 24/02/2024 - 20h51min


Alexandre Rodrigues
Alexandre Rodrigues
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Jonathan Heckler / Agencia RBS
Carnaval de Porto Alegre começou na madrugada deste sábado, no Complexo Cultural do Porto Seco.

 Calor na pista e nas arquibancadas do Complexo Cultural do Porto Seco, que já estavam com lotação máxima no início da madrugada deste sábado (24). Foi assim a primeira noite de desfiles das escolas da série Ouro do Carnaval de Porto Alegre. Pelo segundo ano consecutivo, os ingressos são de graça, mas, desta vez, distribuídos por ordem de chegada. Passaram pelo sambódromo Copacabana, Acadêmicos de Gravataí, Imperatriz Dona Leopoldina, Fidalgos e Aristocratas e Bambas da Orgia. 

 Os desfiles seguem neste sábado (24), a partir das 19h, com quatro escolas da série Prata (Império do Sol, Protegidos de Princesa Isabel, Filhos de Maria, Unidos da Vila Mapa), cinco da série Ouro (Unidos de Vila Isabel, União da Vila do IAPI, Estado Maior da Restinga, Imperadores do Samba e Realeza), além da tribo carnavalesca Os Comanches.   

 A entrada é franca para arquibancadas – a partir do horário de abertura dos portões, às 18h – e conforme a capacidade do espaço. Vale lembrar que, este ano, foram construídos 191 camarotes — 30% a mais do que no ano passado. A venda de ingressos ocorre via plataforma Sympla, com preços que partem de R$ 150 (com taxa, para camarote/bar).   

Confira o que as escolas apresentaram no primeiro dia de desfiles. 

Copacabana 

 Abrindo as apresentações, a Copacabana levou para a Avenida o questionamento: O Negro é da Ralé?! Será?. O enredo foi pensado como uma homenagem, principalmente, à toda comunidade do bairro Bom Jesus, zona leste de Porto Alegre, "que luta todos os dias buscando melhores condições e oportunidades" (como destaca a sinopse da escola). A agremiação foi campeã da série Prata em 2023, subindo para a Ouro em 2024. 

— Foi muito, muito difícil chegar até aqui. Dificuldade de todos os jeitos. Mas conseguimos, nosso povo aguerrido. Viemos mostrar como se faz samba, como se canta samba. Agora é garra, garra e garra — bradou o presidente Ricardo Silveira (Chula), que, inclusive, veio à frente da escola abrindo caminhos com um ramo de arruda.

Segunda porta-estandarte da Copacabana, Camila Rodrigues resumiu a emoção de carregar o pavilhão da escola:

— É uma felicidade pra mim, principalmente como uma mulher trans. Carrego esse pavilhão com muito orgulho. Esse o pavilhão de uma comunidade tão esquecida, que é a nossa Bom Jesus. Passamos por muitas dificuldades e, mesmo assim, estamos aqui com essa escola linda.

Um tripé com cerca de oito metro de altura em formato de elefante, animal que simboliza o poder, foi colocado no meio de uma das alas e chamava bastante atenção. Destaque para a alegoria que trouxe o rosto de várias personalidades negras importantes, como o cantor Emicida, a vereadora Marielle Franco (1979 — 2018), o ator Antonio Pitanga, a atriz Elisa Lucinda, além de um sósia do cantor Michael Jackson (1958 — 2009) — sambando, algo que só o Carnaval proporciona. 

Acadêmicos de Gravataí

 Confetes na passarela comemoraram a passagem da Acadêmicos de Gravataí. Afinal de contas, a escola chegou com um tema para lá de irreverente: A Trupe da Onça Negra Apresenta: no Palco da Fantasia Entra em Cena a Commedia Dell'Art. Forma inicial de teatro profissional originária da Itália ainda na idade média, a Commedia Dell'Art ajudou  a abrir caminhos para a exploração da linguagem cômica.

A era medieval deu as caras logo no carro abre-alas, que chegou de forma imponente com um enorme dragão. A alegoria também apresentava um castelo, acoplado, com integrantes representando o triangulo amoroso vivido pelos clássicos Colombina, Pedrolino e Arlequim em meio aos festejos da realeza. Além do figurino colorido de seus personagens, a Commedia Dell'Art possuía outra característica muito peculiar: o uso de máscaras, que também apareceram em peso ao longo do desfile.

Dois membros da escola cruzaram a Avenida inteira em pernas de pau.

— É um prazer imenso a gente estar desfilando, ainda mais nessa posição aqui. Muito emocionante, uma energia totalmente positiva. Ainda estamos no pique — afirmou Tony Black na dispersão, ainda pulando em cima das pernas de pau.

Quem também estava emocionado na dispersão era o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Carlos dos Anjos e Nathielle Lemos.

— Estou muito feliz, o desfile foi maravilhoso. Espero muito o título da escola — disse Nathielle.

— Primeiro ano desfilando pela escola, é uma honra. Esperamos que segunda-feira (dia da apuração) a gente saia campeão — afirmou Carlos.

Imperatriz Dona Leopoldina

 O "cabelo black" coroado, os dreadlocks festejados. Assim chegou a Imperatriz Dona Leopoldina como enredo Karité, o Fio do Mundo!, enaltecendo o karité, fruto originário da África Ocidental cujo nome significa "vida". Essa é uma especiaria bastante utilizada em produtos de cabelo, mas, muito além disso, tem sua importância também no empoderamento feminino negro.

— A escola está muito linda, com muita cor e com muito amor — disse a presidente da Imperatriz, Maria Helena Lemos, antes de entrar na passarela.

A mitologia Iorubá conta que, no começo de tudo, o criador que se chama Olorum tinha dado a cada filho uma parte do mundo. Para Ossanha deu a floresta e sua era cuidar das plantas e plantar as sementes. O porongo no qual Olorum ordenou que fossem colocadas a sementes veio representado em forma de tripé na comissão de frente. Hericson Soares, um dos integrantes, ressaltou:

— Para mim, é uma emoção muito grande. Sou da comunidade, eu moro lá há mais de 20 anos. Hoje, na comissão de frente, vim representando Olorum, que foi quem ordenou o plantio. É muito especial também porque sou umbandista.  

Logo atrás, o abre-alas (intitulado O "Senhor do Branco" e a Permissão do Fruto) trazia a árvore do karité dentro do símbolo da escola, a coroa. Na base, o chão verde e marrom da alegoria fazia alusão às Savanas. 

Fidalgos e Aristocratas

 Era por volta das 3h30min quando os tambores da Fidalgos e Aristocratas tocaram no Porto Seco. Com o enredo Quando os Tambores Falam, a escola abordou o instrumento musical presente no nosso dia a dia e que, muitas vezes, tem sua origem e forma de utilização desconhecidas. 

"Carnaval é alegria, é cultura, é identidade, é vibração e emoção, e associar tudo isso ao tambor é totalmente correto", disse a Fidalgos na Avenida. O primeiro setor falou dos tambores bíblicos, dos tambores para os orixás, tambores da cultura egípcia antiga... O terceiro carro trouxe vários tambores com o símbolo da agremiação, representando o Carnaval de 1973, quando foi conquistado o título de campeã com o enredo Carnaval no Gelo — Revista no Asfalto.

Vale ressaltar que a escola trouxe de Parintins reforços para ajudar na confecção das alegorias, conferindo ainda mais preciosismo ao trabalho. Esculturas feitas em isopor, por exemplo, davam a impressão de ser barro. Quem estava radiante com o resultado era a rainha de bateria Natália Martins.

— Os tambores vão falar no Complexo Cultural do Porto Seco. A tricolor da Ipiranga (Avenida de Porto Alegre onde fica a quadra da Fidalgos) está chegando, e vamos fazer um grande espetáculo rumo ao título.

Chamou atenção que Natália estava acompanhada da pequena Rafaela Duarte, oito anos, filha do presidente André Duarte. A garotinha — que já demostra muita maturidade quando o quesito é samba no pé — disse estar animada quanto ao título: 

— Eu acho que a gente vai ganhar!

Bambas da Orgia

 O sol estava quase raiando quando a Bambas da Orgia entrou na Avenida apresentando o enredo Òrànmíyàn, reafirmando o compromisso com o resgate da cultura negra e propondo evocar toda a ancestralidade oriunda de África. O personagem principal leva a conhecer Ilê-Ifé, o berço da tradição Iorubá, região conhecida por reis como Odùduwà e Sàngó. Uma de suas características principais é o corpo simetricamente dividido nas cores preto e branco. O desfile debateu  a questão da pele, refletindo sobre o que está abaixo dela, sua essência, cores, etnias e formas de expressão religiosa.

O som da águia — sempre um dos momentos mais aguardados dos desfiles de Bambas — ecoou pela passarela anunciando a passagem do abre-alas. Já no carro A Profecia do Rei Nupe e a Fundação do Reino de Oyó, foi a serpente que arrebatou o público. Destaque para as fantasias com detalhes remetendo a jogos de búzios, além das estampadas com o simbólico Olho Grego (talismã que afasta a inveja e o mau-olhado). 

Na dispersão, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Robison Jardim e Fabiana Almeida, apreciava o fim do desfile visivelmente emocionado. 

— É um misto de sentimentos, um ano todo trabalhando, a luta que a gente tem pra colocar um Carnaval na avenida. A gente vê que todo mundo abraçou,  a gente conseguiu levantar a arquibancada fazer um belo Carnaval — resumiu Fabiana.

Robison completou:

— O sentimento é de orgulho, garra. Nação azul e branco é isso aí, a escola mais tradicional, tem que respeitar. 

O primeiro dia de desfiles da série Ouro acabou com arquibancadas, camarotes e frisas de pé, exalando animação. 


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