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Quatro anos após decreto de pandemia, ambulatórios de covid longa fecham por falta de pacientes

Profissionais relatam que doença está deixando menos sequelas, mas ainda requer atenção

20/03/2024 - 09h37min


Camila Pessôa
Camila Pessôa
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Quatro anos após o início da pandemia, Porto Alegre não conta mais com ambulatórios e salas apenas para atender pacientes com sequelas da covid-19. Isto não se faz mais necessário, por hoje existirem menos pacientes que precisam do serviço, segundo hospitais. Entre os que ofereciam lugares específicos para este atendimento estão o Hospital São Lucas da PUCRS, o Centro de Saúde IAPI e o Hospital Moinhos de Vento.  A maior parte dos estudos conduzidos sobre o assunto na Capital ainda está em desenvolvimento, mas parte dos profissionais já têm uma ideia melhor sobre o comportamento da covid longa.

Silvandro Marques, 52 anos, começou a sentir os sintomas da infecção por coronavírus em fevereiro de 2021. Ele tinha obesidade e diabetes, portanto era um paciente de risco. Marques teve três paradas cardíacas, precisou ser entubado, ficou três meses em coma e passou dois anos internado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Além da respiração, a doença prejudicou seus rins e seu coração. 

— A covid atacou praticamente tudo — comenta.

Marques é o paciente mais antigo em tratamento por sequelas da doença no HCPA, relata a chefe do Serviço de Fisiatria e Reabilitação do hospital, Simone Zanette. Hoje, três anos após a covid-19 aguda, ele continua sentindo cansaço, perda de memória, desequilíbrio, dor de cabeça, falta de ar e dores nas costas. Marques segue em acompanhamento com fisioterapeuta, cardiologista, endocrinologista e nutricionista.

Os médicos consideram que um paciente tem covid longa quando os sintomas continuam após quatro semanas da alta da versão aguda da doença, explica a médica da Clínica da Família Navegantes Ana Amélia Bones. Segundo ela, a maioria dos pacientes nessa condição tem tosse prolongada, fadiga e problemas de memória. Também podem ocorrer falta de ar, problemas cognitivos, perda de cabelo, comprometimento do equilíbrio, diminuição de massa muscular, ansiedade e depressão. Os sintomas costumam ser mais sérios quando o paciente teve quadros graves da doença, não se vacinou ou já estava frágil por conta de outras condições, especialmente a obesidade e o diabetes. 

A covid longa dura em média entre dois e três meses e até seis meses, mas pacientes muito graves podem ter sequelas duradouras. Além disso, a infecção pode evoluir para uma fibrose pulmonar, doença crônica, lembra a professora da Feevale Cassia Cinara, líder do projeto social da universidade Reabilitação Pulmonar.

Por outro lado, já se sabe que alguns sintomas são majoritariamente transitórios, como parar de sentir o cheiro e gosto, diz o epidemiologista Pedro Hallal. Quando os pacientes voltam ao hospital com esses sintomas após a covid aguda, uma investigação é feita para identificar se o problema se trata de fato de uma covid longa ou de outra condição. 

— Hoje em dia, com a vacina, a gente não tem mais o estado de alerta máximo — diz Ana Amélia — Mas ainda existe a demanda, especialmente para os sintomas respiratórios e a avaliação da perda de memória.

Pesquisa sobre o assunto

Os serviços públicos de atenção primária de Porto Alegre atenderam 468 pacientes com covid-19 desde o início de fevereiro até 18 de março deste ano. Destes, dez relataram sequelas.

Em estudo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) realizado na Unidade Básica de Saúde (UBS) Santa Cecília, 6% dos pacientes que tiveram covid-19 continuaram com os sintomas depois de 90 dias da infecção pelo vírus. A pesquisa analisou prontuários eletrônicos de 662 pacientes da UBS entre março de 2020 a dezembro de 2021. Destes, 86 tiveram sintomas duradouros (49 mulheres e 37 homens, com média de idade de 53,6 anos). 

Há muitos relatos de tosse persistente, perda de memória, brain fog (confusão mental), sintomas de saúde mental e síndrome do pânico.

PEDRO HALLAL

Epidemiologista

— Como nosso número de pacientes atendidos é muito grande, o impacto dos sintomas residuais após a covid gerou uma pressão assistencial extra nos serviços. Além de receber de volta os pacientes crônicos que tinham ficado afastados dos serviços de saúde na pandemia, tivemos que dar conta dos pacientes com covid longa”, disse, em nota, a chefe do Serviço de Assistência Primária à Saúde do HCPA (Unidade Básica de Saúde Santa Cecília), Claunara Mendonça. Por isso diversos hospitais optaram por montar estruturas apenas para esses atendimentos, hoje já encerradas. 

Os pacientes com sequelas relataram 37 sintomas diferentes. Os mais frequentes foram fadiga, falta de ar, tosse, dor de cabeça e ansiedade. As principais comorbidades dos pacientes com covid longa são hipertensão arterial, diabetes tipo 2, obesidade, depressão e ex-tabagismo, segundo o estudo.

Também há outras pesquisas sobre o assunto sendo desenvolvidas no HCPA. Uma delas utiliza um dispositivo similar a um smartwatch para medir sequelas pós-covid. Com a diminuição do número de pacientes com covid longa, a pesquisa precisou ser adaptada para incluir pessoas com síndromes semelhantes, conta a chefe do Serviço de Fisiatria e Reabilitação do HCPA, Simone Zanette.

Também há um estudo nacional sobre o assunto, o Epicovid-19. Na segunda-feira (11), ele começou a fase de coleta de dados, com entrevistas domiciliares. A pesquisa acompanha 33,2 mil pessoas que tiveram                                                                                                                                                                                              covid-19 em todo o Brasil, e tem o objetivo de entender os efeitos da covid longa, diz o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador do estudo. 

— A gente está estudando todos os impactos da covid-19 na vida das pessoas e das famílias. Há muitos relatos de tosse persistente, perda de memória, brain fog (confusão mental), sintomas de saúde mental e síndrome do pânico — relata o coordendador. 

Já o pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da Feevale, Fernando Spilki, diz que mesmo com a redução de casos tem sido possível trabalhar na pesquisa sobre a covid longa na universidade.

— Nosso projeto tinha um tempo determinado de acompanhamento, mas temos um conjunto razoável de pessoas que acompanhamos com sequelas das primeiras ondas, alguns com reinfecções, então tem sido possível trabalhar, sim — conta.

A médica da Clínica da Família Navegantes Ana Amélia Bones destaca que hoje é mais difícil ter dados precisos sobre essas questões, uma vez que os sintomas são amplos e a covid-19 não é mais uma doença de notificação obrigatória. 

— Alguns estudos dizem que os sintomas tendem a se manter, mas não se tem uma ideia de quanto vai durar, o que a gente sabe é que a doença aguda se transformou em um problema crônico nesses pacientes — diz a professora da Feevale Cassia Cinara, líder do projeto social da universidade, Reabilitação Pulmonar.

Salas fechadas

O Hospital Moinhos de Vento tinha uma sala de reabilitação exclusiva para pessoas com sequelas da covid-19. O local atendia pacientes que tiveram a forma moderada da doença e que ainda tinham sintomas como, por exemplo, fraqueza muscular e dificuldade respiratória. Há cerca de dois anos, a sala passou a atender pessoas com doenças pulmonares em geral, mas segue atendendo eventuais casos de  sequelas da covid-19, diz o supervisor de fisioterapia do hospital, Ricardo Wickert.

Alguns estudos dizem que os sintomas tendem a se manter, mas não se tem uma ideia de quanto vai durar, o que a gente sabe é que a doença aguda se transformou em um problema crônico nesses pacientes

CASSIA CINARA

Professora da Feevale, líder do projeto social Reabilitação Pulmonar

Outro serviço que deixou de funcionar foi a Rede de Apoio e Reabilitação Pós-covid-19, da universidade Feevale. Iniciada em 2021, a rede fazia parte do projeto social Reabilitação Pulmonar. Todos os pacientes que estavam em reabilitação por sequelas da covid-19 receberam alta. As pessoas ficaram em média de três a quatro meses, conta a professora da Feevale e líder do projeto, Cassia Cinara.

Por outro lado, o Hospital Mãe de Deus ainda tem uma equipe especializada no tratamento das sequelas, o Serviço de Recuperação Pós-covid. Mas a chefe da equipe, Helen Valentim, diz que o número de acompanhamentos para esses casos reduziu e os tipos de sequelas mudaram. O serviço realizou, em média, 40 consultas ambulatoriais por mês neste ano. 

Hoje, o sintoma mais relatado após a fase aguda da doença é a fadiga. O hospital coleta dados para pesquisas sobre o assunto, que ainda estão em finalização. O número reduzido de pacientes com sequelas causa uma maior dificuldade para essa coleta, mas Helen assegura que as pesquisas não foram interrompidas. Elas seguem, mas com menos dados.

— Lá no início foi bem mais fácil, quando diminuem muito os casos a amostra não fica precisa, diminui a facilidade — afirma a médica.

O Serviço de Fisiatria e Reabilitação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre hoje dispõe de quatro consultas com médico fisiatra por semana para atendimentos pós-covid. Mas a procura atual pela agenda é de um paciente a cada dois meses, diz a chefe do serviço, Simone Zanette. Há também os encaminhamentos internos (entre os ambulatórios do HCPA) e os pós-alta (após internação covid), que atualmente podem ser para dois pacientes por semana.

O hospital atende em torno de dez pacientes com covid longa por semana, a maioria com sequelas antigas e que fazem algum tratamento no serviço (como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoterapia) ou procedimentos (acupuntura e neuromodulação). De acordo com Simone, alguns estão com sequelas há três anos ou mais.

— Nossos pacientes são os que internaram em UTI e permaneceram em ventilação mecânica por muito tempo, permanecem com quadro de fadiga pós-sarcopenia (perda muscular, com fraqueza) e com lesões nervosas (lesões de nervos das pernas-tornozelos, que dificultam a caminhada; ou das mãos, que dificultam as atividades da vida diária). Também temos pacientes que iniciaram com um quadro de dor difusa, tipo fibromialgia, geralmente associados a problemas emocionais, como depressão e ansiedade — diz a médica.

Os pacientes mais frequentes são aqueles com comorbidades quando estavam internados pela infecção, principalmente obesidade e diabetes. Para o epidemiologista Pedro Hallal, é uma tendência que os locais exclusivos para o tratamento da doença desapareçam e esses atendimento sejam absorvidos pelos serviços gerais. Porém, ele considera que para algumas sequelas (especialmente de saúde mental), as instituições devem repensar sua atenção.


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