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Entrevista exclusiva

Alice Wegmann reflete sobre momento das mulheres: "Ficamos mais fortes"

Engajada e sem medo de dizer o que pensa, atriz que interpreta a vilã da novela das seis sabe que seu papel como atriz vai muito além da ficção 

03/05/2019 - 12h53min


Nathália Carapeços
Nathália Carapeços
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Victor Pollack / Globo
Aos 23 anos, Alice é a vilã da novela "Órfãos da Terra"

Aos 23 anos, Alice Wegmann já entrou para o time de atrizes lembradas por encarar personagens fortes. Sua atuação na série Onde Nascem os Fortes (2018), da Globo, foi exaltada pelos críticos, assim como o ótimo desempenho em Ligações Perigosas (2016). E a sequência de papéis marcantes segue: agora, ela está no ar como a vilã Dalila, na novela Órfãos da Terra

– Ela é fria, calculista, autoritária, faz um mau uso do poder. No fundo, faz de tudo para conquistar o amor de sua vida. Acaba sendo um grande desafio para mim porque o perfil dela é bem diferente do meu dia a dia, do meu caráter, então acho que me coloca em outro lugar mesmo – comenta a atriz.

Claro que a índole de Alice e Dalila está longe de ser semelhante, mas não dá para negar que as duas jovens peitam o mundo e colocam a cara a tapa pelas causas em que acreditam. No bate-papo por telefone com a Revista Donna, Alice transparece uma maturidade que vai muito além de seus vinte e poucos anos. Sua postura a faz ser reconhecida como uma das artistas da nova geração que têm coragem para dizer o que pensam: fala de política, participa de manifestações nas ruas e promove debates por meio de suas postagens nas redes sociais. 

– Temos que exercer nosso papel de cidadão, clamar pelos nossos direitos. Não tenho medo disso, vou pelo que acho certo – afirma.

Quem puxar na memória vai lembrar de Alice dando os primeiros passos na carreira ao estrear na Globo em Malhação, aos 15 anos. A partir daí, emendou um papel no outro e foi conquistando seu espaço na TV. Mas crescer em frente às câmeras não foi tarefa fácil. As pressões sobre o seu corpo e a sua alimentação impactaram Alice, e ela mergulhou em um processo de aprender a amar o próprio corpo, conforme conta:

– Vivemos em uma esfera muito opressora, é um processo de aceitação mesmo. É um trabalho de todos os dias. 

A jornada da atriz para desconstruir padrões reflete o momento vivido pelas mulheres, definido por Alice como "libertador". E ela utiliza sua visibilidade para ecoar debates necessários, como assédio e machismo.

– Acho que a gente se escondeu durante muito tempo – opina.

A visão de mundo da artista também impacta suas escolhas quando o assunto é a moda. Os nortes para a seleção das peças do guarda-roupa se resumem em dois pontos: sustentabilidade e atenção à cadeia produtiva do mundo fashion.

É um momento em que as mulheres estão se colocando mais, falando sobre suas questões e tendo cada vez menos medo de se assumir e assumir quem elas são".

ALICE WEGMANN

– A roupa diz muito sobre quem a gente é, o momento da nossa vida. Qual é o propósito? E os valores da marca? Conversa com meus ideais? – justifica.

Na entrevista abaixo, você conhecerá mais a fundo essa Alice que se preocupa com o exercício da cidadania e quer reverberar discursos sobre igualdade e justiça social. A atriz sabe o tamanho da responsabilidade que tem por influenciar as novas gerações, mas garanto que vai além: ao ler a entrevista, você verá que ela faz mulheres de todas as idades pararem para refletir. Aproveite!

Como foi sua aproximação com a cultura árabe para a imersão de Órfãos da Terra? Se surpreendeu com algumas coisas? Como foi? 

É uma cultura complicada quando pensamos no tratamento dado às mulheres. A gente teve aulas de língua árabe, de história, de dança. Foram dois meses de preparação com pessoas da Síria, do Líbano, que nasceram ali ou que têm muito conhecimento dessa cultura. Foi muito especial. Tenho aprendido cada vez mais, e nada é simples. São questões muito complexas, então não dá para falar superficialmente. Há pautas que coincidem com as das brasileiras também, da relação de poder, da misoginia, do machismo. Isso existe em todas as culturas, temos que enxergar como um todo.  É uma novela muito humana, com relações e sentimentos. Até fala isso na chamada: "Somos todos filhos da mesma terra". Tanto no Ocidente quanto no Oriente, apesar de desabrochar de formas diferentes, tem muita coisa em comum.

Você afirmou em uma entrevista que "só quer fazer personagens com propósito, que mudem alguma coisa nas pessoas". O que mudou depois da série Onde Nascem os Fortes?

Paulo Belote / Globo
Alice Wegmann vive Dalila, a vilã de "Órfãos da Terra"

Tem uma frase que vem ecoando muito na minha cabeça nos últimos meses, do Gilberto Gil: "O tempo é uma seta para frente".  A Maria de Onde Nascem os Fortes foi realmente um marco na minha carreira. Mas fazer uma novela das seis, uma personagem como a Dalila, não é, jamais, dar um passo atrás. Com tudo que aprendi vou seguindo. Dalila é uma personagem forte que está me desafiando em muitos sentidos.  Estou bem feliz de fazer parte disso.

Você fala abertamente sobre feminismo e da importância de nos apoiarmos como mulheres. Como você avalia o momento das mulheres? 

É um momento em que as mulheres estão se colocando mais, falando sobre suas questões e tendo cada vez menos medo de se assumir e assumir quem elas são. Nos escondemos e tivemos muitas inseguranças durante muito tempo. Quando começamos a compartilhar essas inseguranças umas com as outras ficou mais leve, mais fácil. Ao mesmo tempo, ficamos mais fortes para enfrentar todas essas questões e as pessoas que nos oprimiam de alguma forma. É um momento libertador em todos os sentidos e ainda tem muita coisa para mudar, um longo percurso pela frente. São tempos muito necessários.

Victor Pollack / Globo
"É muito bonito quando a mulher se reconhece livre", diz Alice sobre o momento feminino e a luta das mulheres por direitos

Como você define a importância desses grandes movimentos que ganharam repercussão nos últimos tempos, como o Me Too? São frutos desse novo momento das mulheres? 

Enquanto a gente tem voz, soa como se aumentássemos o volume das coisas que acontecem ao nosso redor. Na verdade, não é só porque acontece no nosso meio (artístico), acontece em tudo quanto é lugar e a gente ajuda a ampliar a voz de todas essas pessoas. Não é somente dentro de uma empresa, é no transporte público, é num banco. Estamos apenas espelhando o que vemos no dia a dia com todas as mulheres. Desde aquela primeira hashtag, #MeuPrimeiroAssédio, há uns quatro, cinco anos, temos ganhado cada vez mais força. Apesar de serem muitas as batalhas em um campo minado, também serviram como espaço para colocarmos cada vez mais essas questões que acontecem com a gente.

Desde as eleições no ano passado, vivemos um momento político conturbado. Você não parece ter medo de se posicionar. Já sofreu alguma represália, seja de colegas ou até de fãs? Repensou suas manifestações em algum momento ou só teve certeza de que deveria seguir usando seu espaço para o debate político?

Toda vez que nos posicionamos, alguém vai discordar. É tudo bem. Vivemos em uma democracia, em um país em que, felizmente, ainda podemos escolher nosso presidente. Acho saudável alimentar debates e discussões. O que não acho saudável é ir ao Instagram de alguém para destilar ódio. Tenho muito respeito pela população LGBTQI+, pelos negros, pelas mulheres, por todas as minorias. E me dói muito ver as pessoas reprimindo esses grupos. Quando vejo algum tipo de autoritarismo, ou um governante se colocando contra essas pessoas, não tenho medo de me colocar contra esse tipo de governo. Assim como todos os cidadãos, eu tenho voz e posso usá-la pelas causas em que acredito. Por exemplo, em uma das manifestações das mulheres, eu fui. A rua é um espaço público e a gente precisa ocupá-la. Existe o ativismo das redes sociais, mas a gente precisa ir além. Temos que exercer nosso papel de cidadão, clamar pelos nossos direitos.  Não tenho medo disso, vou pelo que acho certo.

Qual a importância de não deixar o machismo e o racismo, por exemplo, passarem despercebidos?

Felizmente, estamos nos conscientizando cada vez mais. Confesso que, antigamente, era uma pessoa empática, mas não entendia os níveis de opressão e o que essas pessoas realmente passavam. Hoje olho com muito mais cuidado. Penso mais o que  vou postar. Será que pode ferir alguém? Durante muito tempo a gente falou, impôs o nosso lugar. Agora é tempo de ouvir e aprender.

Apesar de falar sobre temas importantes em suas redes sociais, dá para dizer que você é discreta quando o assunto é vida pessoal.  Foi a maneira que você escolheu de lidar com a fama? É uma forma de manter seus relacionamentos e amizades fora dos holofotes também?

Coloco ali o que tenho vontade. Não é que eu seja uma pessoa distante, mas tenho o meu Instagram voltado para o que quero, o que acho que convém. Sou uma pessoa transparente e acho que não tem nada mesmo que eu queira esconder. Gosto de ter um diálogo aberto com meus fãs. Só acho que tem coisas que não precisam ser tão enfatizadas. Então mantenho a discrição em alguns aspectos e outros eu bato um pouco mais na tecla.

Você é ligada em moda, fez parceria com a Louis Vuitton, tem consultoria de stylist. Como define sua relação com a moda? É mais uma maneira de enfatizar seus valores?

Acho que a moda é uma forma de a gente se expressar. A roupa diz muito sobre quem a gente é, o momento da nossa vida. Temos que estar cada vez mais conscientes do que estamos usando. E vem muito da gente pensar cada vez mais de onde vem essa roupa, quem produz. Não é algo que mude de um dia para o outro, sei que é difícil desmontar um armário inteiro e construir de novo em dois dias. Mas, na hora de fazer as escolhas, precisamos fazer com consciência. Questionar-se: "Se eu comprar uma blusa nesse lugar, para quem estou pagando? Será que as pessoas que fizeram essa blusa, estão sendo bem pagas?". Na moda, é importante saber de onde aquela peça vem. Tenho pensado muito sobre moda consciente e sobre moda com propósito, com valores. A Louis Vuitton tem o (designer) Virgil Abloh, um dos principais responsáveis por essa mudança na marca. Apesar de ele ser (estilista) do masculino, foi uma pessoa que revolucionou a grife. Ele e o Nicolas Ghesquière, diretor criativo da marca. O Virgil fala muito sobre diversidade, pela história de vida dele, e assim me aproximou muito da marca também. Eles têm ideais que conversam muito com os meus. Temos que pensar nisso também. O que tem verdade? O que podemos relacionar com a nossa essência? 

Por estar na TV desde a adolescência e, principalmente, por ser mulher, você já sentiu na pele as pressões e cobranças sociais sobre seu corpo? Como é sua relação hoje com sua imagem?

É um trabalho diário, certamente. Mas tenho me sentido cada vez mais confortável e feliz com o meu próprio corpo do jeito que ele é. Fico muito feliz que outras pessoas estejam no mesmo processo que eu. Desde que me entendo por gente, vivemos em uma esfera muito opressora. Vi muitas meninas adoecerem por conta disso e eu fui uma delas. É um processo de aceitação mesmo. Como a questão do armário, não é (algo que acontece) do dia para a noite, você vai desconstruindo. Agora estou lendo um livro muito interessante, O Mito da Beleza, da Naomi Wolf, que tem me ajudado a entender tanta coisa. Sobre como vemos nossos corpos, como classificamos o que é bonito e como a gente "deve" ser ou não. É interessante repensar sobre isso e, com certeza, lendo esse livro, eu daria muitos conselhos para a Alice de antigamente. Acho que todas as mulheres deveriam ler esse livro.

Foi difícil passar da adolescência para a fase adulta em frente às câmeras? Como você busca ser exemplo para as meninas nessa área?

O principal conselho é: "Não tenha medo de quem você é e não tenha vergonha de quem você é". Todas nós temos as nossas particularidades. Somos mulheres autênticas que têm que exercer essa autenticidade. É muito bonito quando a mulher se vê livre e se reconhece livre, faz suas próprias escolhas e se aceita do jeito que ela é.



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