Polícia



Sistema Prisional

Histórias de dor e esperança no Presídio Central, em Porto Alegre

27/11/2014 - 07h02min

Atualizada em: 27/11/2014 - 07h02min


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Mateus Bruxel / Agencia RBS

 Nos dias de visitação no Presídio Central, mães, filhas, mulheres e companheiras enfrentam noites na fila de ingresso. Assumem o sustento da família e do próprio preso, peregrinam por varas criminais. Mas não desistem. São o elo entre o preso e o mundo lá de fora. E, nas visitas, levam o produto mais precioso: esperança.
No segundo dia da série Mulheres do Central, o DG conta histórias de algumas dessas "guerreiras".



As primeiras chegam por volta das 22h ainda do dia anterior e dividem colchões e cobertores sobre a calçada da frente do presídio. Outras visitantes vão chegando durante o resto da noite e na madrugada. A maioria vem da periferia de Porto Alegre ou de cidades vizinhas. E não importa a temperatura. Tampouco se está chovendo. Chegar cedo tem lá suas vantagens:

- Quanto antes a gente entra, mais tempo a gente fica com eles - explica uma jovem de 19 anos, cujo companheiro está preso provisoriamente por tráfico de drogas.

Em determinado momento, uma enorme fila de mulheres portando sacolas acompanha o muro. Os homens, em número bem menor, formam outra. Uma terceira é composta por visitantes sem sacolas. Na frente de todos, as chamadas prioridades: grávidas, idosos, pessoas com problemas de saúde e as que receberam fichas (as 300 primeiras a saírem recebem senhas que as dispensam da fila na visita seguinte).

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Na dificuldade de memorizarem os nomes umas das outras, as mulheres criam apelidos baseados em características físicas. Então, são baixinhas, grandonas, alemoas, negrinhas, cabeludas, gordas e gordinhas, entre outras, conversando na fila enquanto a entrada não é autorizada. Muitas usam chinelos e meias:

- Facilita na hora da revista - explica uma delas, referindo-se ao tempo em que perdem quando calçam tênis ou sapatos. Às 7h30min, finalmente, a fila anda.

No interior do presídio, após enfrentarem o processo de revistas, as mulheres seguem para os pavilhões. No caminho, constatam um dos mais rígidos códigos do cárcere: para os presos, "a visita é sagrada". Traduzindo: tem de ser respeitada. E, na prisão, um simples olhar significa falta de respeito. Por isso, quando uma visitante alheia passa, um preso grita: "visita no corredor". É o comando para todos abaixarem a cabeça ou virarem-se de costas. Os "chocadores" podem sofrer agressões físicas ou outro castigo grave. 

Na luta pelos familiares

Na fila de entrada ou nos corredores do Presídio Central, cruzam-se não só as visitantes, como as histórias de cada uma, que têm muito em comum. Débora, 24 anos, passou a frequentar o presídio, inicialmente duas vezes por semana, há dois anos, quando, de uma hora para outra, viu sua vida dar uma grande guinada e de forma negativa. Tinha um bom emprego, morava em casa própria e "dormia tranquila", como ela mesma contou. Isso, até seu pai matar uma pessoa. Pelo homicídio, ele foi condenado a 12 anos de prisão.

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Para pagar as despesas com a defesa do pai e ajudá-lo a se manter na prisão, Débora vendeu a casa que tinha no Bairro Lami e hoje mora de aluguel no Bairro Ponta Grossa. Deixou de ser atendente em uma empresa reconhecida no mercado e passou a trabalhar como diarista. Desta forma, estabelece sua própria carga de trabalho e folga nos dias em que visita o pai no Presídio Central.

- Só eu que corro por ele. Minha madrasta proibiu meus irmãos de virem aqui e ela própria não vem. Então, ele só tem a mim. Não vou abandoná-lo nunca - garante.
Já a faxineira Lúcia, 50 anos, se desdobra. Gradativamente, seus três filhos, de 29, 24 e 22 anos, foram se envolvendo com tráfico de drogas. Os três acabaram presos: dois no Central e um na Penitenciária Modulada de Charqueadas. No mínimo, ela passou a dedicar três dias por semana a visitas. Aos domingos, passando a manhã no Central e a tarde em Charqueadas. Sem contar o trabalho como faxineira e a criação de um neta. Fora isso, ainda tem os gastos com deslocamentos. Só a passagem para Charqueadas, em média, custa R$ 10.
- Mas são meus filhos e vou lutar por eles até a morte - garante. 

Mãe pede pela vida do filho

Em uma prisão com quase 4 mil apenados ou presos provisórios, como o Presídio
Central, não são raros os casos graves de saúde. Consequentemente, tornam-se comuns, também, os apelos de clemência feitos por familiares.
- Se o senhor não pode, só Deus pode. Mas eu sei que o senhor pode - disse uma mãe ao juiz Sidinei Brzuska, no posto da Vara de Execuções Criminais do Central.
A mulher se referia ao filho de 26 anos que, ao longo da vida, já havia passado por 16 cirurgias cardíacas. Um dia antes de ela procurar o magistrado, o rapaz, condenado por assalto, havia sido levado desacordado a um hospital.
A mãe, que temia que o filho morresse no presídio, clamava por um indulto humanitário. Não conseguiu o perdão, mas obteve uma solução próxima disso: o filho irá cumprir a pena em prisão domiciliar.  


Dramas são ouvidos na VEC

Juiz Sidinei Brzuska (sentado) atende no posto da VEC dentro do Central

Dois dias por mês, o juiz Sidinei Brzuska monta um posto avançado da Vara de Execuções Criminais (Vec) no Central, para atender a familiares de presos que não têm tempo ou dinheiro para ir até o Fórum Central. No local, se cruzam histórias e pedidos de mães, filhas, irmãs e companheiras de apenados.
É o caso de Ângela,
31 anos. A saúde do marido detento, juntamente com a gravidez e os dois filhos, direciona a vida dela. Ele cumpre pena por assalto, mas, de um acidente que sofreu quando era motoboy, resultou uma infecção hospitalar na perna direita.
Não foi tratado no presídio e, agora, recebeu um laudo de amputação do membro. Para melhor acompanhar o problema, Ângela passou a cursar Técnico em Enfermagem e procurou o auxílio do juiz.
Há casos dramáticos, como o de uma mãe que, sofrendo com um câncer, implorou para ser substituída pela nora, no cadastro de visitas. Porém, a mulher do filho já havia sido flagrada duas vezes tentando entrar com chips de celulares na prisão. Mas o juiz mandou um recado para que ela o procurasse na Vec.
- É preciso ver essa situação. Ela pode ter agido forçada por uma facção - diz.
A cogitação do magistrado evidencia uma situação perversa pela qual passam algumas visitantes. Coagidas por organizações criminosas, que ameaçam a integridade de seus familiares presos, elas acabam levando, ou tentando levar, drogas, armas, celulares ou outros acessórios
para dentro da prisão.

A presidente Dilma Rousseff  foi visitante no Central

Nada menos do que a mulher mais poderosa do país na atualidade já foi visitante no Presídio Central. A presidente Dilma Rousseff, no início dos anos 70, nos anos mais difíceis da ditadura militar, visitou seu então companheiro e hoje ex-marido, Carlos Araújo, na Ilha Presídio, no Guaíba, e no Presídio Central.

Carlos Araújo era um dos presos políticos que cumpriam pena no Estado. Dilma visitava-o com frequência, levando jornais e livros políticos, disfarçados de romances.

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