Polícia



Em Porto Alegre

Golpistas não poupam nem mesmo o bom velhinho

Laércio Santos Roca, 79 anos, foi vítima de estelionatários e perdeu R$ 4,3 mil 

03/02/2023 - 11h49min

Atualizada em: 03/02/2023 - 11h50min


Leticia Mendes

Nem mesmo o bom velhinho escapou das trapaças criadas por golpistas. Na semana passada, Laércio Santos Roca, 79 anos, Papai Noel há mais de meio século, foi vítima de estelionatários. Morador da zona sul de Porto Alegre, sempre afetuoso e disposto a ajudar, o aposentado sequer desconfiou quando recebeu uma mensagem que acreditou ser da filha. Por WhatsApp, o golpista, passando-se pela familiar, pedia que o pai depositasse R$ 4,3 mil, para um pagamento. Horas depois, o idoso se deu conta de que havia sido ludibriado e caído num golpe

— Nunca imaginei que cairia num golpe desses — diz o Papai Noel.

Todos os dias, Laércio costuma tomar café da manhã com a filha caçula, que é professora. Naquela quinta-feira, dia 26 de janeiro, não foi diferente. Enquanto conversavam, ela comentou que precisava comprar alguns livros, que custariam cerca de R$ 2 mil. Logo depois, a filha saiu para trabalhar. Às 12h50min, o idoso recebeu no celular uma mensagem: “Oii pai. Salva meu número novo. Vou deixar o antigo para trabalho. Bjs”. O aposentado acreditou que fosse mesmo a filha e armazenou o contato.

Depois disso, o golpista passou a ligar pelo WhatsApp, mas desligava assim que a ligação era atendida. Com isso, conseguiu convencer o aposentado de que o sinal estava ruim e seguiu conversando por mensagens. Às 13h44min, depois que o idoso já estava convicto de que era mesmo a filha, veio o pedido de transferência de R$ 4.367,00, com a promessa “amanhã eu deposito na sua conta”. O golpista então enviou os dados bancários, em nome de uma terceira pessoa.

— Associei que fosse a história dos livros que ela tinha me comentado de manhã e não desconfiei. Minha preocupação era resolver porque ela estava precisando — explica.

Quando leu o pedido, o pai respondeu que não sabia fazer Pix, mas que pediria para a neta. Por meio do aplicativo do banco, a adolescente tentou auxiliar o avô, mas não conseguiu completar a operação. O aposentado então decidiu ir até o banco para fazer a transferência junto ao caixa. O golpista ainda tentou dissuadi-lo da ideia, possivelmente por receio de que a trapaça fosse descoberta. Mas, por fim, concordou e afirmou que aguardaria o comprovante.

— Ele saiu dizendo que tinha que fazer uma transferência para a nossa filha, mas não disse o valor. Se tivesse dito, eu logo ia ver que ela não ia pedir isso. Mas ele não falou valor. Depois sempre a gente fica se questionando — diz a esposa, Maria Antonieta Ramos Roca, 75 anos.

O aposentado pegou uma carona com um dos filhos que estava lhe visitando para ir até o banco. Lá, entregou à atendente o telefone com os dados bancários para a transferência. Até então, ele não desconfiava de nada. Assim que enviou o comprovante por mensagem, recebeu de volta novo pedido: “Se não for pedir muito consegue enviar outra transferência? Amanhã eu deposito na sua conta o valor total das duas”, escreveu o golpista, antes de enviar os dados solicitando mais R$ 6.738,00.

Neste momento, já na porta do banco, de saída, Laércio desconfiou que havia algo errado. Ele sequer mantinha esse valor na conta. Pediu então que a filha lhe ligasse, mas o estelionatário seguiu com as desculpas, alegando que o sinal estava ruim.

— Ali, eu percebi. Meu filho estava me esperando e eu disse pra ele: caí num golpe — recorda.

O estelionatário seguiu insistindo e enviando mensagens até 16h39min, tentando obter mais dinheiro. O idoso retornou ao banco, onde conversou com a gerência, mas não conseguiu fazer o bloqueio do valor. O aposentado também procurou a 6ª Delegacia de Polícia, onde o caso foi registrado e está sob investigação. No local, ouviu de um dos policiais uma frase que vem se repetindo:

— Mas não poupam nem o Papai Noel!

Papai Noel há 56 anos

O dinheiro levado pelos golpistas é fruto do trabalho que Laércio mantém como Papai Noel. Foi no primeiro Natal do filho mais velho que ele decidiu se transformar no bom velhinho. Naquela época, o então vendedor de carros ainda precisava tingir a barba de branco — algo que 56 anos depois não necessita mais.

— Agora estou tentando vender trenós — diverte-se.

Ao longo dessas cinco décadas, o idoso coleciona incontáveis histórias, muitas alegres, outras tantas comoventes. Guarda em álbuns os recortes de imagens, reportagens e calendários registrados nesse período. Num ritmo intenso de trabalho, o Papai Noel chega a emagrecer seis quilos no período em que atende shoppings, escolas, empresas, casas geriátricas e lares de famílias. Desdobra-se para conseguir cumprir a agenda concorrida. 

No ano passado, o trabalho iniciou cedo, ainda em 8 de outubro, passou pelo dia 25, e foi até o dia 27 de dezembro. Na noite de Natal, no entanto, Laércio faz questão de estar com a família. Por vezes, precisa correr para chegar minutos antes da meia-noite, mas não se permite faltar.

— Ele gosta muito, mas é cansativo, a roupa é quente, de manga comprida, no verão. Às vezes chega cinco minutos antes, mas chega — conta dona Antonieta.

Além dos locais para onde é contratado, o Papai Noel não deixa de atender outras entidades, como hospitais, onde realiza visitas voluntárias. Na sua casa, na Zona Sul, também mantém sempre guardado algum presente, caso apareça alguma criança. E elas sempre aparecem. Ao longo desses anos, já participou de muitas boas ações, ajudando a atender cartinhas com pedidos escritos ao Papai Noel. 

— São 56 anos, são muitas histórias — diz, enquanto conta algumas delas, com os olhos brilhando. 

Mesmo ao falar sobre os golpistas, o simpático Papai Noel, que se esforça para ficar sério e esconder o sorriso cativante, não consegue permanecer irritado.

— Fiquei revoltado, claro, mas não bravo. Vamos tentar recuperar esse valor, ir à luta — conforma-se. 

Acostumado a distribuir presentes, afeto e conselhos, aproveita para deixar um recado aos outros idosos, que possam vir a ser vítima de alguma tentativa de golpe.

— Hoje em dia, vamos ouvir mais os jovens. Se eu tivesse ouvido a minha filha, tivesse me preocupado um pouco mais, contado para outras pessoas que eu iria fazer esse depósito, com certeza eles me alertariam. Vamos ficar atentos e espertos nisso aí. O velhinho está dando o recado — conclui, sem perder o humor.

Dicas para não cair em golpes

  • Certifique-se de que a pessoa com quem você está conversando, por WhatsApp, por exemplo, é ela mesma. Para isso, uma dica é telefonar para a pessoa.
  • Desconfie de ligações de desconhecidos e nunca repasse informações pessoais.
  • Não envie dados pessoais ou cópias de documentos para desconhecidos.
  • Golpistas, em geral, oferecem vantagens para atrair a vítima e têm pressa para obter lucro. Fique atento a isso.
  • Se estiver acertando qualquer tipo de aluguel, seja por temporada ou permanente, visite o imóvel antes de fechar o negócio.
  • Na hora de comprar algo pela internet, desconfie se o site só aceitar pagamento por boleto ou transferência, se tiver falhas ou erros na página e se o único contato for por WhatsApp.
  • Desconfie de publicações na internet que ofereçam serviços e bens por um valor abaixo do preço de mercado.
  • Não adquira produtos pela internet sem antes se certificar de quem está vendendo. Mesmo que seja um perfil conhecido, só efetue o pagamento após conversar diretamente com a pessoa.
  • No momento do pagamento, seja por Pix ou transferência, confira se o nome do destinatário é o mesmo de quem está adquirindo o produto.
  • Não repasse códigos recebidos no celular, por exemplo. Essa é uma das principais estratégias usadas para hackear contas no WhatsApp e no Instagram.
  • Durante a venda de algum item, só entregue o produto após o dinheiro entrar na conta ou receber o valor. Não confie em comprovantes de transferência porque eles podem ser falsificados.
  • Se tiver um familiar idoso, oriente a pessoa sobre os golpes mais comuns e como se prevenir.
  • Caso seja vítima, registre a ocorrência. É possível utilizar a Delegacia Online. Reúna todas as informações que podem servir como provas, como dados bancários, conversas por mensagens e fotografias

Fonte: Polícia Civil do RS


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