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Anos de chumbo

Caso Herzog pode ter similar no Estado

Ex-taxista e militante, Ângelo Cardoso da Silva morreu em 1970 no Presídio Central. Versão oficial de suicídio é questionada

06/06/2013 - 07h25min

Atualizada em: 06/06/2013 - 07h25min


Ângelo morreu no Presídio Central

A Comissão da Verdade recebeu documentos encontrados nos arquivos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que poderão derrubar mais uma versão oficial de suicídio cometido por militante de esquerda durante a ditadura (1964-1985).

Segundo reportagem do jornal O Globo, o ex-taxista e militante do grupo M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara) Ângelo Cardoso da Silva morreu em 22 de abril de 1970. Ele foi encontrado enforcado com um lençol no basculante da janela do banheiro de sua cela, cuja altura é de apenas 1,30m do chão, no Presídio Central. A versão oficial diz que se matou, mas fotos inéditas de Ângelo morto apontam para homicídio.

Legista diz que foi estrangulamento

De acordo com a reportagem, em 2011, dois estagiários de História da Ufrgs, Graziane Righi e Davi Santos, localizaram o inquérito da época, com as fotos, numa seleção de papéis que seguiriam para o lixo.

Os pesquisadores aprofundaram-se no caso, apresentado depois na faculdade como "o Herzog gaúcho", pela similaridade das circunstâncias da morte de Ângelo com a do jornalista Vladimir Herzog, que, de acordo com a versão oficial da ditadura, teria se enforcado numa cela do Doi-Codi em São Paulo, em 1975.

Ainda de acordo com O Globo, no trabalho, os dois consultaram o legista Hélio Antonio Rossi de Castro, que concluiu que Ângelo morreu asfixiado, sim, mas não se matou. Morreu estrangulado, e não enforcado.

Sem nós no lençol

Com base nas fotos e na necropsia realizada em 1972, o legista percebeu que não havia nós entre as extremidades do lençol, que seriam necessários para a vítima ter se matado. Para Castro, a morte de Ângelo não decorreu por força da gravidade.

- Apenas uma força externa contínua e adequadamente aplicada sobre ambas as porções do lençol, que estavam entrelaçadas e firmemente apertadas, seria capaz de mantê-las suficientemente comprimidas para que transmitissem tal força de compressão para a constrição do pescoço da vítima e causasse a morte - apontou o laudo de Castro.

Trocando em míudos

O Caso Herzog

Em seu tempo, a morte de Herzog foi considerada um marco na ditadura militar. A história de Vladô fez com que ele se tornasse um dos símbolos da luta pela liberdade política e de expressão no Brasil.

O período

Na época em que Vladimir Herzog foi encontrado morto em sua cela, o Brasil vivia sob a ditadura militar, regime autoritário implantado com um golpe de Estado, em 31 de março de 1964, e que vigorou no país até 15 de março de 1985.

O presidente era o general do Exército Ernesto Geisel, gaúcho de Bento Gonçalves, que havia tomado posse em 1974, prometendo a abertura política (diminuição da censura e maior participação aos civis no governo). Porém, em 1975, a repressão continuava forte.

Um dos principais órgãos da repressão era o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna). Subordinado ao Exército, era destinado a combater "inimigos internos que ameaçariam a segurança nacional".

O militante

Nascido na ex-Iugoslávia e batizado com o nome de Vlado, Herzog foi criado em São Paulo, naturalizou-se brasileiro e adotou o nome Vladimir. Como jornalista, em 1975 assumiu o cargo de diretor de jornalismo da TV Cultura, de São Paulo.

Herzog militava no Partido Comunista Brasileiro (PCB), que estava na clandestinidade. O deputado estadual da Arena (partido de sustentação ao regime) José Maria Marin (atual presidente da CBF), liderou uma campanha para derrubá-lo da TV.

Prisão e morte

Em 24 de outubro de 1975, agentes do II Exército convocaram Vladimir para prestar depoimento sobre as ligações que ele mantinha com o PCB. No dia seguinte, Herzog compareceu ao Doi-Codi. Ele ficou preso com mais dois jornalistas, George Benigno Duque Estrada e Rodolfo Konder.

A partir de sua chegada ao órgão, a história fica obscura. A versão oficial, dada pelo II Exército, diz que Herzog havia confessado sua participação no PCB antes de se suicidar por enforcamento. Porém, Jorge Benigno e Leandro Konder disseram que ele foi assassinado sob torturas.

Antes dos funerais, foram percebidas muitas marcas de tortura pelo corpo de Herzog. Em 1978, o legista Harry Shibata confirmou haver assinado o laudo necroscópico da vítima sem examinar ou sequer ver o corpo.

Somente em 1996, após muitas batalhas judiciais da família e pressão da mídia, a Justiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura e morte de Herzog e concedeu uma indenização a familiares do jornalista.


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