Porto Alegre
A solidão como companheira na Ilha Grande dos Marinheiros
Seu Honório Zilles, 88 anos, vive há mais de 40 anos solitário em casa de duas peças na região
Resumo da notícia: Honório Gomes Ziles, 88 anos, escolheu a solidão na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, há mais de quatro décadas. Porém, revela um sonho, embalado na saudade.
Num ritmo diferente do relógio, o pescador aposentado Honório Gomes Ziles, 88 anos, vive sozinho em meio a uma paisagem privilegiada às margens do Delta do Jacuí, distante 10km da entrada da Ilha Grande dos Marinheiros, no Bairro Arquipélago, na Capital.
Solteiro e sem lembrar a data do último contato com um parente, há mais de 40 anos escolheu o isolamento da parte mais distante da ilha para viver em duas peças de madeira construídas por ele. Chupim, Barbudo e Macaco, três cachorros de pelos bem cuidados, são os únicos companheiros:
- Às vezes, passo mais de um dia em silêncio, sem falar com ninguém. A única visita que eu recebia era das moças da enfermagem (da unidade básica de saúde), mas faz tempo que não aparecem.
Rede foi roubada
Sem água potável e energia elétrica, Honório tem uma bateria - carregada na casa de um morador da região - para ouvir um rádio-gravador e ter iluminação à noite.
- Mas não escuto notícia. Na verdade, não ouço nada. Durmo logo que a noite chega. Então, não preciso de luz.
A rotina é simples: acorda às 6h e sorve um chimarrão enquanto observa as primeiras barcas de areia do dia percorrerem o delta. Depois, limpa o galinheiro e alimenta galinhas e cães. À tarde, capina a horta repleta de alface, repolho, cebola, rabanete, abóbora e chuchu.
O pescador, porém, já não apanha peixes como antes, quando cuidava a fase da lua para saber quando teria mais pintados. E, mesmo em área desabitada, foi alvo de ladrões, numa madrugada de junho:
- Minha rede foi roubada. Agora, só uso caniço. Não respeitam nem os velhos.
Sem Natal e Ano-Novo
Ao longo da vida, Honório foi peão de fazenda, pedreiro, pescador. Orgulha-se de "já ter feito de um tudo" e de, na juventude, ter trabalhado em outros Estados. Por não ter paradeiro, nunca casou.
Na única vez do mês que sai de casa, vai ao banco, no Centro, para receber o salário mínimo e fazer compras. No inverno, roupas chegam por meio de doações.
Sobre como são as festas de Natal e Réveillon, é sincero:
- Não lembro a última festa que participei. Só vejo os fogos no céu.
E completa:
- Mas não me arrependo de nada, de ter escolhido a solidão. Sempre fui honesto e trabalhador.
À espera de um contato
Natural da localidade de Rincão dos Potreiros, em São Nicolau, nas Missões, a 562km de Porto Alegre, Honório recorda ter perdido os pais na infância.
- Eu era cabeçudo e bem feinho. Ninguém me queria. Fiquei de mão em mão. Até que um casal me adotou e fiquei surpreso.
Mas é quando lembra dos pais adotivos que os olhos de Honório marejam e a voz engasga. Sente saudade da família que o acolheu. Não os vê há décadas. Certa vez, um irmão o visitou na Ilha e o convidou para retornar a São Nicolau. Na época, não recorda a data, resistiu em sair da Capital. Agora, pensa diferente:
- Daria tudo para rever a minha terra. Mas acho que nem sei mais ir lá. Só queria que alguém da família lesse o jornal e viesse me buscar - confessa, quase murmurando.