Embaixo d'água
Chuvas causam situação crítica nas ilhas
O balanço da Defesa Civil estadual é de que mais de 8 mil pessoas estão desabrigadas
O balanço da Defesa Civil estadual divulgado às 14h de ontem apontava que havia triplicado o número de pessoas desabrigadas (que precisam de abrigo do município) e desalojadas (que estão na casa de parentes, vizinhos ou outros imóveis) pelas chuvas no Estado, em relação ao dia anterior: na segunda-feira, eram 7,2 mil ante os 2,3 mil do domingo. Pelo menos uma morte foi registrada. Foi em Montenegro, no Vale do Caí, onde um jovem de 24 anos morreu afogado.
Uma das cidades mais atingidas foi Esteio, onde 702 pessoas ficaram desabrigadas e mais de 3,5 mil foram desalojadas. As cheias também afetaram moradores dos vales do Caí e do Taquari.
Devido à incessante chuva sobre o Estado, o nível do Guaíba tem atingido as maiores marcas do ano desde a tarde de domingo. A elevação das águas coloca a Defesa Civil em alerta com a possibilidade de enchentes nas ilhas no decorrer da semana. E tem mais: setembro, segundo as previsões, deve ser o mês campeão de chuvas no ano.
Salvando móveis e eletrodomésticos
Na região das ilhas, o temor pela quantidade de chuva dos últimos dias perdeu espaço para a preocupação com o vento Sul, que represa as águas. Ontem, o Diário Gaúcho circulou pelas ilhas do Pavão, dos Marinheiros, Pintada e das Flores e constatou que algumas famílias já tomavam providências para tentar salvar os móveis do alagamento.
No início da manhã, assim como vários moradores da Ilha do Pavão, Jonatan Louis, 18 anos, começou a ajudar a mãe a proteger os móveis e eletrodomésticos. Com o Beco A tomado pela água, ele levou o fogão no braço.
- Ainda tem a geladeira e o bujão para levar - contou.
De acordo com a Defesa Civil do Município, até o início da tarde, 19 famílias (mais de 50 pessoas) tinham saído das casas na Ilha do Pavão e abrigadas numa igreja da comunidade e na sede da Pastoral da Criança. Na Ilha das Flores, quatro famílias foram para a casa de parentes.
Marinheiros
Na Ilha Grande dos Marinheiros, passar pela Rua Nossa Senhora Aparecida, no trecho a partir do número 600 não foi tarefa fácil. Teve caminhão que quase ficou pelo caminho. De botas, o estudante Leandro Bejaram, 18 anos, encarou a travessia de bicicleta. O carroceiro Jorge Antônio Neves, 59 anos, passou com seu meio de trabalho:
- Agora, faltou pouco para a água entrar na carroça. A estrada está cheia d'água e, com esse vento Sul, está assustando. Ventou a noite inteira, estamos torcendo para que pare. O pátio tem água pelo joelho - destacou Jorge.
"Deus cuida de nós"
Na Avenida Nossa Senhora da Boa Viagem, na Ilha da Pintada, faltava apenas um degrau para a água do Guaíba tomar a casa da costureira Margarete Jaques Souza, 52 anos. Nos fundos, o alagamento da moradia já havia começado. Num ferro velho, máquinas de lavar roupa, freezer e outros aparelhos boiavam.
Mesmo com a possibilidade de aumento do nível do Guaíba, ela não pensava em deixar a casa com o filho Adair, 17 anos:
- Deus cuida de nós. Tenho medo de sair e, quando voltar, não encontrar mais nada em casa. Tudo o que eu tenho veio de doação, não quero perder - disse Margarete.
Guaíba
Hoje, é esperado que o nível do Guaíba suba ainda mais - a régua marca que o nível já chegava a 2,14m.
PARA AJUDAR
- Doações estão sendo recebidas no Car Ilhas (Rua Capitão Coelho, Praça Salomão Pires de Abraão, s/nº, Ilha da Pintada, fone: 3211-6100). A Fasc também é ponto de recolhimento de doações, mas dispõe de apenas um veículo para atender as regiões.
- As doações podem ser encaminhadas direto ao destino. Caso não seja possível, a Fasc (Av. Ipiranga, 310, fone: 3289-4933 ou 9380-5414, com Marcelo Scott) recebe e encaminha, conforme disponibilidade.
Marrequinhas causam transtornos
Uma montanha verde tomava conta ontem do que deveria ser o leito do início do Arroio Dilúvio, na Vila dos Herdeiros, no Bairro Agronomia, em Porto Alegre. Junto com a água, toneladas de plantas aquáticas (chamadas de macrófitas e popularmente conhecidas como marrequinhas) desciam da represa da Lomba do Sabão e se aglomeravam no canal, impedindo os moradores de cruzarem o arroio.
De um lado do que deveria ser o Dilúvio, o guarda aposentado Manoel de Souza, 66 anos, tentava enxergar a casa lilás da família, na outra margem do canal. A visão, porém, foi impedida por montes de plantas aquáticas que, no trecho em frente à casa de Manoel, ultrapassavam os 5m de altura.
- O arroio aqui tem 3m de profundidade. Se juntarmos tudo o que está acima do leito, dá uns oito metros - calculou Manoel.
O pontilhão de madeira por onde o guarda e a família cruzavam foi levado pelas plantas, assim como outro mais adiante. Outra ponte precisou ser retirada para permitir a passagem das marrequinhas.
Biólogo sugere fazer adubo
Especialista em ecologia aquática, o biólogo e professor da Puc Nelson Ferreira Fontoura explica que as macrófitas se proliferam absorvendo nutrientes da água, a partir da decomposição de matéria orgânica.
- No caso da represa da Lomba do Sabão, provavelmente os nutrientes chegam a partir dos esgotos clandestinos que desembocam dentro da própria represa. Aí, a proliferação destas plantas é ainda maior. O melhor seria retirá-las deste espelho, secá-las e moê-las para fazer adubo do material - completa o professor.
Moradores alertaram Dep
O alerta para a proliferação das marrequinhas no leito da represa já vinha sendo dado pelos próprios moradores.
- No mês passado, alertamos o Dmae e o Dep sobre os problemas que elas poderiam causar - afirmou o presidente da Ação Social Comunitária Vila dos Herdeiros, Jorge Leandro da Silva.
Por meio da assessoria de imprensa, o Dmae informou que o Dep responderia pela retirada das plantas do local. Ontem à noite, o Dep se reuniria com outras secretarias para decidir como será feita a limpeza.
Desalojados na região
Os estragos provocados pela enchente de setembro do ano passado ainda nem foram recuperados e, mais uma vez, Esteio sofre com as chuvas. Com mais de 3,5 mil pessoas desalojadas, o município declarou situação de emergência.
A população de bairros como o São Sebastião acompanha com tristeza a água tomar conta das moradias. As ruas se trasformaram em rios e, no lugar de carros, os barcos surgem como alternativa de transporte.
Desde sábado, quando a água os obrigou a sair de casa, os moradores carregam o pouco que conseguem salvar e uma dúvida: até quando isso vai continuar?
Solidariedade dos vizinhos
De pés descalços enfrentando a água fria e contando com a solidariedade da vizinhança, o casal Maria Elisabete e Antônio Pereira Gomes, ambos de 58 anos, lamentou as perdas provocadas pela chuva. Mais uma vez.
- A água estava no meu joelho. Tinha entrado em casa no ano passado e nos outros também. Eu já fiz os móveis da cozinha suspensos por causa disso, e mesmo assim não adiantou - desabafou Maria.
Eles foram se abrigar na casa de um dos filhos. Muitos outros moradores, que não têm para onde ir, foram acolhidos em espaços como o salão da Igreja São Sebastião.
Alagamentos em Gravataí
Foi de uma hora para outra que, na tarde de domingo, a água começou a subir na Rua Amapá, no Passo dos Ferreiros, em Gravataí. Não que isso seja novidade. Moradores como a aposentada Geny Azevedo Farias, 70 anos, que vivem na região há mais de duas décadas, infelizmente já estão acostumados a essa realidade.
- Eu fui para a casa da minha filha e na casa dela também entrou água. Antes, não era tão forte. Onde tirar um móvel do lugar, desmancha. Tem de fechar a casa e sair - conforma-se.
Vizinha dela, a balconista Solange Silveira, 35 anos, relata que conseguiu salvar apenas algumas roupas e documentos. De resto, foi perda total.
- Depois, a gente tem de voltar e tirar a sujeira de dentro de casa - desabafa.
Voltou para salvar a cachorra
Com mais de 1m de água dentro de casa, o operador de ponte Luiz Fernando Vargas, 44 anos, ainda teve coragem de enfrentar a noite de domingo para segunda na Rua Cabriúva, depois que os filhos já tinham saído.
Na manhã de ontem, ele decidiu procurar a cachorra Tuca. Ao encontrá-la, pegou uma sacola com roupas e encarou a água gelada, deixando para trás a moradia alagada.
- Roupeiro, no ano passado foi um, agora foi outro. Uns 80% dos móveis eu perdi. Todo ano é isso, e cada vez é pior - relata.
Bairros e vilas atingidas
Conforme a Defesa Civil de Esteio, as regiões mais atingidas, localizadas na parte Sul da cidade, são Três Marias, Primavera (Jardim das Figueiras, Travessa Jorge Souza de Moraes, Barreiras), Planalto (Vila Boqueirão, Vila Campina e Travessa Bom Fim), Olímpica, Esperança, São José, Liberdade (Vila Navegantes e Vila Nova), Morada I e Morada II, Condomínio Vitória Régia, São Sebastião (Vila Ezequiel, Bom Jesus, Rua Cel. Theodomiro Porto da Fonseca, Vila Rica e adjacentes) e Centro.
O Projeto de Renaturalização do Arroio Sapucaia é uma das medidas para reduzir os problemas com as enchentes. A avenida Beira-Arroio atuará como dique de contenção contra cheias. Famílias que moram às margens do arroio vão se mudar para 142 novas casas.
Cristiano levou Solange nas costas
Depois de passar toda a noite de domingo para segunda ilhados em cima da cama, o casal de aposentados Solange Vieira, 50 anos, João Antônio da Rosa Ribeiro, 45 anos, a filha Kauany, nove anos, e a cachorrinha Beyoncé contaram com o auxílio de familiares para conseguir sair de casa.
O sobrinho do casal, o motorista Cristiano de Jesus Vieira, 34 anos, carregou a tia e a prima nas costas, enfrentando a água geladíssima em nome da solidariedade.
- Eu estava de cama, com pontada, dor nas costas, na cabeça e febre. Tô apavorada. Perdi o quarto novinho da minha filha, recém estamos terminando de pagar - lamenta Solange.
Com água acima do joelho dentro de casa, a família conseguiu salvar alguns móveis, eletrodomésticos e roupas. Mas após mais de duas décadas enfrentando o mesmo problema no Residencial Village, no Bairro São Sebastião, é a dúvida o que atormenta os moradores.
- Tenho até medo de voltar para casa, dá vontade de largar tudo - desabafa Solange.
Em Cachoeirinha, rotina
Na Vila Olaria, em Cachoeirinha, o aumento do nível do Rio Gravataí já faz parte da rotina dos moradores sempre que chove demais. Por enquanto, a maioria das famílias está optando por permanecer nas casas, que são mais altas para vencer os alagamentos. Nessa situação o meio de transporte é o barco, utilizado com desenvoltura até pelos mais novos, como Thalia Luana da Silva, 12 anos.
- É só para a enchente mesmo - relata Thalia.
Como ajudar (Gravataí)
Além de colchões, cobertores e alimentos, a maior necessidade é de roupas para crianças de todas as idades. As doações podem ser feitas na sede da Secretaria Municipal da Família, Cidadania e Assistência Social (Rua Ismael Alves, 220, em frente ao Cartório Raupp, Centro, das 9h às 18h), ou no saguão do prédio da Prefeitura (Avenida José Loureiro da Silva, 1.350, Centro), a qualquer hora do dia. Informações: 3432-3120.
Como ajudar (Esteio)
Os desabrigados ainda precisam, principalmente, de materiais de higiene. As doações podem ser entregues no prédio da Prefeitura (Rua Eng. Hener de Souza Nunes, 150, acesso pelo estacionamento na Rua Maurício Cardoso), na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação. Informações: 3433-8157 e 3433-8141.
Chuvarada afetou a rotina dos gaúchos
O Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, onde está sendo realizada a Expointer, ficou debaixo d'água, prejudicando a realização do evento.
Na Zona Sul da Capital, o Guaíba alcançou o calçadão que o margeia. No Interior do Estado, estradas foram bloqueadas devido a quedas de barreiras e erosões. E ainda teve uma morte em Montenegro.
Tudo em consequência dos níveis de precipitação que, em quatro dias, foram superiores ao esperado para o mês inteiro.
Afogamento na enchente
Jeferson Boos, 24 anos, morreu afogado ao tentar escapar da enchente em Montenegro, no Vale do Caí. Conforme João Antônio Moreira, coordenador da Defesa Civil da cidade, o jovem estaria saindo de casa, no Bairro Industrial, quando teria tropeçado, batido a cabeça e se afogado na enchente, que atingiu 1m de altura no local.
O jovem foi resgatado pelo irmão, enquanto a família chamava o Samu, que chegou ao local poucos minutos depois. Jeferson foi levado ao hospital ainda com vida, mas não resistiu e morreu, deixando um filho de três anos.
Animais e máquinas recolhidos
A chuva e os alagamentos atingiram em cheio a Expointer, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. O setor de máquinas foi o mais prejudicado. A água tomou conta do espaço e muitos expositores tiveram que correr para salvar equipamentos.
A grande final do Freio de Ouro, realizada no final de semana, escapou ilesa, mas a chuva incessante que caiu desde o primeiro dia da feira provocou a alteração das datas em outras provas do cavalo crioulo previstas para o evento.
A prova de morfologia, programada para ontem e hoje, foi reagendada para amanhã e sexta-feira.
A Movimiento la Rienda, outra prova prevista para o domingo, foi cancelada da programação da Expointer. De acordo com a Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC), a competição ocorrerá em setembro, em Porto Alegre.
Rodovias danificadas
Cinco rodovias estaduais ficaram totalmente bloqueadas por conta de quedas de barreiras e erosões no asfalto.
Um dos trechos mais prejudicados fica na ERS-020, entre Gravataí e o Distrito de Morungava.
Com as chuvas, um buraco se formou sob o asfalto impossibilitando a passagem dos veículos nos dois sentidos da rodovia.
Guaíba agitado
Por volta dos 8h de ontem, a régua eletrônica do Sistema Metroclima, da prefeitura da Capital, que mede o nível do Guaíba apontava 2,18m. O normal é entre 0,80m e 1,40m.
Se o quadro já é de atenção, a situação deve se agravar nos próximos dias. No decorrer da semana chegará ao Delta do Jacuí a grande vazão dos rios alimentadores do Guaíba: Jacuí, Taquari, Sinos, Caí e Gravataí.
Com isso, o Guaíba pode atingir valores acima de 2,2m a 2,3m junto ao Centro de Porto Alegre, mas não deve trazer prejuízos para a área urbana da cidade. Ontem, na praia de Ipanema, na Zona Sul, foram registradas ondas altas.
Outros Bloqueios
- ERS-124: nos dois sentidos, no Km 7, em São Sebastião do Caí.
- ERS-242: no Km 3, em Santo Antônio da Patrulha.
- ERS-129: em dois trechos, na região de Colinas e em Bom Retiro do Sul, entre os kms 1 e 12.
- ERS-130: no Km 32, em Mariante.