Caos na saúde
Faltam médicos para a criançada na Região Metropolitana
Escassez de pediatras é prejuízo nos postos de saúde dos municípios
Um cartaz colado na porta do pronto atendimento 24 horas de Cachoeirinha, no Bairro Fátima, expõe um problema crônico no município, que vem sendo enfrentado há mais de um ano: a escassez de pediatras. Faltam 11 para completar o quadro ideal, de 17 profissionais. Situação pior só em Gravataí, onde o déficit é de 19.
O Diário Gaúcho contatou outros municípios da Região Metropolitana e identificou 37 desfalques em pediatria em postos de atendimento do Sus em cinco cidades. Em Sapucaia do Sul e Canoas, uma particularidade: prefeituras contam com clínicos gerais em vagas de pediatras em algumas unidades, especialmente na Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Em Porto Alegre, há 55 unidades básicas de saúde e 99 pediatras. Na rede de pronto atendimento são cem. Os números da Capital são considerados satisfatórios pela Secretaria da Saúde.
A falta que o pediatra faz
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Eduardo Vaz, a criação do programa Saúde da Família, que privilegia a figura do generalista, contribuiu para a diminuição da procura pela pediatria. Baixos salários, más condições de trabalho e a necessidade de outras especialidades completam o quadro negativo que durou até 2005.
Desde então, o cenário foi se alterando. Concurso e melhor remuneração poderiam solucionar a carência, diz Eduardo:
- A pediatria atende uma fase da vida (de zero a 19 anos) que é a mais importante. Boa parte das doenças crônicas não transmissíveis (diabetes e pressão alta, por exemplo) começam na infância.
Ele salienta que, com generalista, se perde a chance de acompanhar problemas específicos (no teste da orelhinha, se o diagnóstico não for feito antes de seis meses de vida, a criança terá atraso cognitivo, na fala).
Diretora de comunicação da Sociedade de Pediatria do RS, Lúcia Diehl da Silva avalia que campanhas de valorização vem mudando o cenário. Mas ainda sem reflexo no Sus.
Cenário de contrastes
- Conforme a Pesquisa Demografia Médica no Brasil (2013), a pediatria é a especialidade que mais tem médicos no Rio Grande do Sul: 2.458.
- No Brasil, há 379 mil médicos. Destes, 51% com especialização. Entre eles, 11,23% são pediatras.
- Por ano, concluem especialização em pediatria cerca de 1,5 mil pediatras no país.
- A média de idade é de 40 anos e 75% são mulheres.
- Por conta da desvalorização, pediatras foram procurando outras áreas.
A peregrinação de Eva e Otávio
Na noite de 12 de setembro, a doméstica Eva Regina Pedroso, 38 anos, procurou o pronto atendimento 24 horas do Bairro Fátima para levar o filho Otávio Henrique, de quatro meses e meio, e encontrou a mensagem informando que não havia médico pediatra no local.
- Quando eu estava grávida de três meses já estava faltando pediatra - lembra Eva, do Bairro Nova União, que ainda não possui unidade de saúde.
No dia seguinte, a doméstica retornou ao pronto atendimento e novamente constatou que não havia pediatra.
- Ele estava com tosse, fiquei com medo que estivesse com pontada. No final de semana, cansei de esperar e levei ele no Conceição. Eu já precisei de pediatra no 24 horas para o meu outro filho (dez anos) e não tinha - diz a mãe.
Secretário de Saúde de Cachoeirinha, João Augusto Tardeti reconhece a falta de pediatras na unidade de pronto atendimento e a dificuldade para preenchimento das escalas de trabalho.
- Grande parte dos profissionais não quer trabalhar sozinho (alegam sobrecarga). Temos dias em que há dois pediatras e outros não tem nenhum. Estamos tentando convencê-los a trabalharem sozinhos. Não há demanda para dois pediatras ao mesmo tempo - esclarece.
Causas do desinteresse
No mês passado, uma empresa foi contratada para fornecer profissionais. No entanto, ainda há 11 vagas. Segundo João Augusto, entre as causas do desinteresse estão a falta de equipamentos (para exames, por exemplo, necessários para o diagnóstico), difícil acesso e estrutura:
- É um grande problema. Queremos incentivar para volte a ter equilíbrio de mercado.
Conforme o secretário, o salário da área médica para uma jornada de 8 horas semanais é de R$ 2,4 mil. Ele cita a falta de médicos também nas ESF (clínico e pediatra). O município ainda não foi contatado pelo programa Mais Médicos.
Situação na Região Metropolitana
Cidades com falta:
Gravataí
- Faltam 19 pediatras e 20 médicos de família. Um concurso está previsto para 2014.
- Dispõe de 33 pediatras atendendo nas UBSs, serviços especializados e no 24h. Outros 22 médicos de saúde da família realizam o atendimento pediátrico nas unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Cachoeirinha
- Faltam 11 pediatras.
- Neste ano, foram cinco editais, mas não houve interessados. Até o final deste ano, deve ser aberto concurso para a área. O município conta com seis profissionais.
Alvorada
- Faltam quatro pediatras.
- Na rede, há 12 pediatras, mas um está em licença desde 2012 para tratamento de saúde e outro é médico regulador do município. Na ativa, estão dez.
Esteio
- Falta um pediatra (UBS Ezequiel).
- Nos demais postos, há atendimento em turnos e dias específicos. Há casos em que médicos comunitários atendem pediatria também. Desde o desligamento da pediatra na UBS Ezequiel, as outras unidades estão orientadas a atender crianças daquela região.
- A contratação de mais pediatras dependerá de concurso público realizado pela prefeitura (a previsão é que o edital seja lançado até o final do ano). Havia três vagas abertas por RPA (pagamento autônomo) pela Fundação de Saúde Pública São Camilo, mas não houve interessados.
Viamão
- Faltam dois pediatras.
- A secretaria cita a insuficiência de pediatras para o pronto-atendimento durante a semana, no diurno. Os pacientes são atendidos por clínicos ou médicos de família.
- Há 16 UBSs (algumas com ESF) e 19 pediatras.
Cidades que optam por generalistas
Canoas
- O município optou pela ESF considerando o pediatra um especialista de referência aos médicos de saúde da família.
- Há 26 UBSs e 13 pediatras. O serviço pediátrico existe só nas unidades que não são ESF.
Sapucaia do Sul
- Os postos têm equipes de ESF que fazem o primeiro atendimento das crianças, encaminhando para médicos especialistas quando necessário. O atendimento ocorre na Unidade Central de Especialidades (UCE), no Postão e no Hospital Getúlio Vargas.