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Pescaria em meio ao lodo

Na Zona Leste, moradores pescam no Dilúvio com as mãos

Moradores das imediações do Arroio Dilúvio, na Vila dos Herdeiros, capturam com as mãos diversos tipos de peixe nas águas poluídas do local. Resultado da coleta vai parar no prato

24/04/2014 - 10h32min

Atualizada em: 24/04/2014 - 10h32min


Leonardo Rodrigues (D), 15 anos, pesca peixe com as mãos na nascente do Arroio Dilúvio, na Vila dos Herdeiros, bairro Agronomia

Em silêncio, crianças e adolescentes mergulham lentamente as mãos nas águas escuras do Arroio Dilúvio, na Vila dos Herdeiros, no Bairro Agronomia, em Porto Alegre. Parecem procurar algo nas correntes que envolvem lodo e o esgoto proveniente das casas da comunidade. E estão. São diferentes tipos de peixes que descem da represa da Lomba do Sabão, hoje uma área de 75 hectares que se tornou destino final de dejetos e do lixo jogado irregularmente. 

A cena, registrada pela reportagem do Diário Gaúcho na terça-feira desta semana, surpreende quem está de passagem pelo local, mas é comum entre adultos e crianças que vivem na região. É o que confirma o desempregado Tupã Carlos Aguiar, 35 anos, um dos especialistas em pescar com as mãos traíras, carás, lambaris e joaninhas nas águas turvas do Dilúvio.

- Depois que chove, a gente espera uns 20 dias até a água baixar. Os peixes se criam na represa e,quando descem, se prendem nas pedras ou nas partes com menos água. Aí, é só se posicionar e esperar por eles. Mas tem que ter calma - explica.

Tupã ensinou a técnica aos filhos Leonardo, 15 anos, e Douglas, 12 anos. Junto com outros guris da mesma idade, eles trocam o futebol pela pesca de maneira rústica no período inverso ao da escola.

- A gente se reúne e vê quem consegue pegar o peixe maior. Ficamos horas dentro da água, esperando o melhor peixe - conta Leonardo, mostrando a traíra pescada um dia antes e que seria o almoço da família na terça.

"Morre no óleo quente"

Ana Paula Rodrigues, 36 anos, mãe dos guris e mulher de Tupã, é quem ajuda os três a temperar os pescados. Ela não vê problemas em se alimentar de peixes criados em águas misturadas ao esgoto cloacal, mas afirma que só belisca o que é trazido pelo marido e os filhos.

- Temperamos bem com alho e fritamos. Não gosto de peixe, mas eles comem tudo. Nunca tiveram uma dor de barriga - garante.

- Se tiver algum bichinho no peixe, morre no óleo quente - acredita Tupã, aos risos.

Risco é a água suja

Ao saber da aventura dos moradores da Vila dos Herdeiros, o diretor-geral do Dmae, Flávio Presser, surpreendeu-se. Ele reconhece que a represa se tornou um grande esgoto a céu aberto.

- Se há peixe naquelas águas, é porque ainda tem oxigênio suficiente para eles - comentou.

Mas o gastroenterologista do Hospital Conceição, Ângelo Zambam de Mattos, alerta para os problemas aos quais os pescadores improvisados estão expostos.

- O maior risco que estas pessoas estão correndo é com a exposição à água suja. Elas podem contrair hepatite A, ter diarreias e outras infecções a longo prazo - afirma.

Com relação ao peixe pescado no Dilúvio, apesar de não aconselhar comê-lo, Ângelo diz que o alimento bem cozido e assado elimina os parasitas e germes que podem causar problemas toxicoalimentares, confirmando a crença do desempregado Tupã.


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