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Caso Bernardo

Pai de Bernardo era antipático ao Conselho Tutelar e descumpriu ordem, aponta órgão

Médico Leandro Boldrini deveria levar menino a atendimento psicológico, mas ficou mais de seis meses sem aparecer para as consultas

20/04/2014 - 22h33min

Atualizada em: 20/04/2014 - 22h33min


Em reunião, conselheiros tutelares apresentaram documentos sobre acompanhamento do menino

O Conselho Tutelar de Três Passos tentou, a partir de setembro de 2013, resolver o que acreditava ser um problema de carência afetiva que sofria o menino Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, no convívio com o pai - o médico Leandro Boldrini, 38 anos - e a madrasta, Graciele Ugulini, 32 anos. No dia 9 de setembro, uma assistente social foi ao consultório do cirurgião Boldrini e ouviu dele que o filho seria criado "do seu jeito", que o menino tinha tudo que queria e que jamais iria mandá-lo para atendimento psicológico na rede municipal.

Leandro Boldrini se comprometeu, na ocasião, a encaminhar o garoto - que apresentava problemas de comportamento na escola e mudanças bruscas de temperamento, preocupando a direção do Colégio Ipiranga - a uma terapia com equipe particular. Denúncias de abandono forçaram a família a tomar uma atitude. Em novembro, o médico declarou ao Conselho Tutelar que havia contratado os profissionais para atender o filho, mas o que se viu, na prática, é que Bernardo perambulava pela cidade com remédios controlados dentro da mochila, sem qualquer acompanhamento.

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Os relatos foram todos repassados pelo Conselho Tutelar ao Ministério Público. O órgão afirma desconhecer suspeitas de agressões físicas, como a tentativa de asfixia feita pela madrasta em 2012 e confirmada no depoimento da assistente social Edelvania Wirganovicz à Polícia Civil. Conforme o presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares do Rio Grande do Sul, Rodrigo Farias dos Reis, o médico era omisso e "totalmente negligente":

- Ele não cumpriu as determinações do Conselho Tutelar, está tudo documentado, e cometeu um crime de desobediência, como prevê o artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O pai sempre foi antipático à nossa ação. Não faltou advertência da nossa parte.

De acordo com um ofício do Conselho Tutelar de Três Passos, mesmo após as promessas de Leandro Boldrini de cuidar melhor do garoto, Bernardo foi encontrado "muito debilitado, abatido, desnutrido, quase que abandonado. Passa a maior parte do tempo nas casas de outras pessoas e o pai nem liga para saber onde está, não se faz presente em nenhum momento."

A situação chegou ao ponto de Bernardo procurar o Ministério Público em janeiro para relatar a situação que vivia, mesmo sem mencionar os maus tratos físicos. Em uma ocasião, ele teria levado uma surra de vassoura da madrasta, como disse a ex-babá dele, Elaine Rauber. No final do mês, a promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira ingressou com ação na Justiça pedindo que a guarda provisória fosse dada para a avó materna, Jussara Uglione, em Santa Maria.

- O MP fez a sua parte "daquele jeito". Não fomos chamados para as audiências, éramos parte interessada, testemunha de acusação, e não fomos chamados - pondera Rodrigo Farias dos Reis.

O juiz entendeu por marcar uma audiência com Leandro Boldrini, que ocorreu no começo de fevereiro. Durante a conversa, o pai admitiu falhas, disse que trabalhava demais e pediu uma chance de reaproximação com o filho. Bernardo também aceitou: "vamos tentar", disse na ocasião o menino. Em 14 de abril, ele foi encontrado morto às margens de um rio em Frederico Westphalen. O médico, a madrasta e a assistente social estão presos por suspeita de cometer o assassinato.

Nenhuma família teve coragem de assumir a guarda

Para o conselheiro tutelar Nestor Weschenfelder, 59 anos, a morte de Bernardo seria evitada se alguma família de Três Passos resolvesse comprar uma briga na cidade e lutasse na Justiça pela guarda do garoto. O próprio órgão se dispôs a intermediar a mudança de guarda, mas só ouviu "não", segundo ele:

- A família Petry (uma das que Bernardo disse que gostaria de viver) foi bem categórica e disse não, que não tinha condições, que tinha problemas de saúde, e que o melhor lugar do menino era na casa do pai e da madrasta, porque ali tinha uma família. Nenhuma pessoa daqui e de outra cidade chegou até nós e se prontificou a pegar a guarda dele.

Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugolini, 32 anos, para comprar uma TV.

De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia. Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.

Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.

Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini - que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município -, a madrasta e uma terceira pessoa, identificada como Edelvania Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo. O casal aparentava uma vida dupla, segundo relatos de amigos e vizinhos.

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