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Ficou o legado

Santiago chora pelas vítimas do acidente na BR-287

Na cidade, não há quem não tenha conhecido ou mesmo convivido com as seis vítimas

17/04/2014 - 21h56min

Atualizada em: 17/04/2014 - 21h56min


No dia em que seis vítimas do acidente de trânsito na BR-287, em São Vicente do Sul, foram enterradas, moradores de Santiago, onde moravam as pessoas, ainda tentavam procurar forças para se recuperar. Na cidade, não há quem não tenha conhecido ou mesmo convivido com Anair Rodrigues de Assis, 74 anos, Catarina Heyna, 52, Jane Teresa Polga, 56, Lice Izabel Uberti Bertazzo, 60, e Vanilse e Luciana Poleto Silveira, 35 e 3, respectivamente.

Todas estavam em um micro-ônibus da prefeitura de Santiago, que colidiu em um caminhão, na manhã de quarta-feira. Além dos seis mortos, 20 pessoas ficaram feridas, entre elas, os motoristas dos dois veículos.

As vítimas buscavam atendimento médico em Faxinal do Soturno. Na esperança de um tratamento para problemas oftalmológicos ou mesmo como companhia, elas perderam a vida no trágico acidente.

Durante os enterros, que ocorreram pela manhã em cinco diferentes cemitérios de Santiago, mais de duas centenas de pessoas acompanharam os cortejos. Uns tentando ainda entender o que tinha acontecido, outros eram amparados por amigos e familiares das vítimas.
- Conhecia todas apenas de vista, mas, mesmo assim, fui até o cemitério para prestar solidariedade. Eles (os familiares das vítimas) têm de saber que a têm o apoio dos moradores - disse Verônica Santos Medina, 64 anos, que esteve no Cemitério Municipal na manhã de ontem, no enterro de Vanilse e Luciana.

Lice, a mãe zeloza de todos



Conhecida de praticamente todos os setores de Santiago, Lice (na foto, à dir.), 60 anos, junto com o marido Zenir Bertazzo, 62, era muito atuante. O casal, que nasceu e se conheceu na cidade, era da patronagem do CTG Coxilha de Ronda e fazia parte da associação de bairros. Mas foi nas escolas em que trabalhou que Lice fez mais amizades. Ela estava aposentada há 6 meses como merendeira da Escola Municipal João Evangelista. Na profissão, trabalhava há cerca de 30 anos e atuou também em outras instituições de ensino da cidade. Lice morreu a caminho de Faxinal do Soturno. Ela viajava para fazer uma cirurgia nos olhos.
- Ela era querida por todos, desde professores e outros funcionários, até alunos - conta uma das filhas dela, Liliane, 36 anos, que mora em Caxias do Sul e chegou na quarta-feira a Santiago para dar o último adeus à mãe.

Liliane trouxe junto os filhos: Angélica, 20 anos, Artur, 5, e Sofia, 1. Foi Lice quem ajudou a criá-los, durante os seus momentos de folga, bem como fez com Vitor, 11 anos, filho do coração que entrou na vida da merendeira aposentada quando ainda era bem pequeno.

Lice também tinha as filhas Catiane, 34 anos, e Cristiane, 31, que está grávida de um menino.
- Minha mãe ia ajudar a cuidar desse neto também, porque era uma mãe exemplar, muito zeloza e cheia de carinho para dar - lembra Liliane.

Mas as delícias da profissão não ficaram resguardadas somente aos alunos das escolas. Lice era uma cozinheira de mão cheia e fazia de tudo um pouco. Bolos, pães bem altos, cucas e chimias eram algumas das especialidades da mãezona, que vivia para fazer o bem aos seus e transmitir os bons sentimentos aos que estavam ao seu redor.

Luciana, a filha amada, planejada e esperada por Vanilse



Em uma casa humilde de madeira, na Rua General Canabarro, Zulmira Silveira, 83 anos, a bisavó da pequena Luciana Poleto Silveira, 3, lembra com saudade da bisneta, que morava com ela. Todas as manhãs, a pequena acordava a bisavó, beijava um santinho que a idosa mantém ao lado da cama e alcançava a bengala para que ela pudesse se levantar.
- Estou me fazendo de forte porque preciso, mas está muito difícil - recorda dona Mira, como é conhecida.

Luciana lutou pela vida. Ela conseguiu resistir à colisão, mas morreu ao dar entrada no Hospital de São Vicente do Sul. A mãe dela, Vanilse (na foto), 35 anos, morreu na hora do acidente.

E a pequena não era a luz da vida só da bisavó. Ela era a única filha de Luciano de Aguiar Silveira (na oto) e foi muito desejada - Vanilse fez tratamentos por oito anos na tentativa de ser mãe. A menina nasceu em Santiago e foi muito amada pela família.

Vanilse nasceu em Jaguari. Pedagoga, seu último trabalho foi na Apae de Santiago. Ela era caçula de quatro irmãos e estava levando a filha para fazer exames, pois havia descoberto recentemente uma doença congênita, que poderia afetar a visão da menina.

Jane, apaixonada pelos animais



As tortas de chocolate e merengue ficaram à espera da aniversariante. Jane Teresa Polga (na foto, à dir.) completou 56 anos no dia do acidente que tirou a sua vida. Na quarta-feira à tarde, quando retornasse da consulta que faria em Faxinal do Soturno para trocar o grau dos óculos, iria comemorar a troca de idade com a família e suas duas amigas inseparáveis: Vanilse e Luciana, que também morreram na tragédia. Ela era prima do pai do jogador de futebol Anderson Polga, pentacampeão mundial com a Seleção Brasileira na Copa de 2002. Jane não tinha filhos biológicos, mas Luciele Polga, 20 anos, sempre foi sua filha do coração.
- Jane criou Luciele desde quando ela tinha 6 meses. Ajudou a dar educação e muito amor para a menina - conta Maria Polga, 58 anos, uma das irmãs de Jane.
Maria mora em Porto Alegre. Ela e a irmã se falavam bastante por telefone. Jane raramente ia para a Capital visitá-la porque não gostava da cidade grande. Preferia mesmo era cuidar com capricho da casa e de seus animais de estimação. A cadela Diana e o pequeno cãozinho Be só ficam deitados e com os olhos baixos. Ao contrário da cocota, que não para de grunhir.

Jane e o irmão José Jorge, 56 anos, moravam há mais de 30 anos na mesma casa, que fica nos fundos do Cruzeiro Esporte Clube. Juntos, eram responsáveis por cuidar do espaço, que recebe jogos de futebol e treinos.

Catarina, a companheira




Rosas, onze horas e cravos eram algumas das espécies de flores cultivadas por Catarina Heyna, 52 anos. No jardim em frente à casa onde morava com Paulo Fortes, 51 anos, em Santiago, o capricho pode ser visto em cada cantinho.
- Os botões de uma rosa floresceram ontem. Levei e coloquei em cima do caixão dela - conta Paulo sobre a sua companheira de 10 anos.

Mesmo juntos há bastante tempo, os dois nunca tinham viajado juntos. A primeira vez foi na quarta-feira, lado a lado, quando seguiam para Faxinal do Soturno em busca de uma consulta oftalmológica. Paulo bateu a cabeça, o ombro e a lombar. Catarina morreu na hora. A dona de casa é definida por Paulo como uma verdadeira boa companhia.

Catarina tinha um filho, Gonçalo, 28 anos. Ele, os três irmãos e mais os familiares de Paulo costumavam se reunir em volta da churrasqueira da casa dos dois nos finais de semana. Ao lado, as flores cultivadas por Catarina davam cor às confraternizações, que recebiam também os pratos doces e salgados preparados carinhosamente por ela. Tudo devidamente registrado em fotos feitas pelo companheiro:
- É um grande vazio porque a gente se amava muito. Vai ser difícil, mas só o tempo vai fazer essa dor passar.


O vazio na casa de Anair
Quando Maria Neli, 43 anos, e Vera Lúcia Rodrigues de Assis, 38, saíram na noite de quarta-feira para o velório da mãe, a pequena cadelinha Menina ficou uivando até amanhecer. Sua dona Anair, 74 anos, não mais voltaria para que a mascote pudesse se aconchegar nos seus pés. Menina foi presente das duas filhas de Anair.
- Ela estava na rua, magrinha, perdida. Levamos para a mãe perto do Ano Novo e dissemos: 'Mãe, vem pegar a tua nova filha'. As duas se afeiçoaram de uma maneira que é difícil de acreditar - lembra Neli.

Há 40 dias, a família, que conta com mais três irmãos, enfrentou a morte do pai, Tubino dos Santos Assis, 84 anos. Ele e Anair moraram durante anos na localidade de Pinheiro Bonito, em São Francisco de Assis. Mas devido às complicações com a saúde de ambos, há pouco mais de dois anos, eles acharam por bem morar em Santiago, onde teriam atendimento com mais facilidade.

Neli estava ao lado de Anair na hora do acidente. A consulta delas em Faxinal estava marcada há um mês. A filha apenas machucou um dos ombros e teve lesões leves no rosto por conta dos cacos de vidro. A primeira coisa que viu quando o ônibus parou foi o corpo inerte da mãe.
- Vai fazer muita falta quando chegar no pátio de casa e não mais encontrá-la cortando madeira para o fogão à lenha ou cuidando da horta nos fundos de casa. São imagens, misturadas com a do acidente, que nunca vão sair da minha cabeça - relata Neli.


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