Ipiranga sem proteção
Áreas próximas a cruzamentos concentram quedas no Dilúvio
Das 19 vias que cortam os 10 quilômetros da avenida, 16 registraram acidentes em suas imediações
Nos últimos cinco anos e meio, 46 veículos e uma égua saltaram de diferentes trechos da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, e acabaram nas águas poluídas do Arroio Dilúvio. Dos 19 cruzamentos que cortam os 10 quilômetros da via, 16 registraram acidentes em suas imediações.
A Avenida Salvador França foi o cruzamento que registrou o maior número de acidentes - seis. Em segundo lugar, está a região da Ipiranga próximo à Silva Só, com quatro carros caídos. Em seguida, empatadas, estão as vias Múcio Teixeira, Guilherme Alves, Vicente da Fontoura, Lucas de Oliveira e Antonio de Carvalho, com três acidentes cada.
No total, três pessoas morreram. Em um dos casos, a vítima perdeu o controle do carro depois de um mal súbito que possivelmente a matou antes de entrar no Dilúvio.
Confira no mapa os locais dos acidentes nos últimos cinco anos:
No início do mês, o debate foi reaberto depois que um jovem de 23 anos morreu ao cair no arroio na altura da Salvador França.
O especialista em segurança de trânsito Mauri Panitz conta que trata do assunto há tempo e não vê nenhuma solução ser tomada. Ele parte do pressuposto de que, sempre que existir um rio ou um arroio no meio de uma estrada ou um desnível superior a três metros, as normas técnicas estabelecem que deve existir uma barreira de contenção - caso da Avenida Ipiranga.
Relembre outros casos deste ano:
03/04/2014 - Motorista escapa sozinho após carro cair no Dilúvio
14/01/2014 - Táxi cai no Arroio Dilúvio, no bairro Jardim Botânico.
04/01/2014 - Um Corsa caiu dentro do arroio Dilúvio no final da tarde. Ninguém se feriu.
Panitz destaca que a via tem problemas que facilitam a ocorrência de acidentes, como a altura do meio fio - em diversos trechos é de cinco centímetros, quando deveria ter uma altura de 20.
- Deveria existir um estudo para definir qual tipo de sistema de contenção viária, o conjunto de dispositivos que não deixa o carro cair no vão, capaz de reconduzir o veículo ao seu curso. Funcionaria como uma tabela de bilhar, no qual a bola bate e volta - argumenta o especialista.
Ele diz que, embora os guard rails sejam uma opção comum, existem outras opções, como um sistema de malhas de aço ou de cabos de aços tensionados como cercas:
- Para cada tipo de problema, há uma solução. É preciso fazer um estudo, mas parece que falta vida inteligente dentro da prefeitura.
Ao longo da semana, ZH ouviu outros especialistas que também sugeriram soluções para o problema.
Os peritos Clovis Xerxenevsky, que atuou no Instituto Geral de Perícias (IGP), e Walter Kauffmann Neto, da ONG Alerta, concordam que guard-rails evitariam mortes.
O professor de trânsito no curso de Engenharia Civil da Unisinos, João Hermes Junqueira acredita que deve se agir de "maneira mais educativa", pois todo o aparato de segurança é pouco se o motorista age com imprudência.
À ZH, o diretor-presidente da Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari descartou a opção dos guard-rails. O custo total, ele calcula, seria de R$ 7,4 milhões.
- Os acidentes poderiam ser agravados, com os carros voltando para a pista e envolvendo outros veículos, sem falar em risco de ferimentos graves em motociclistas e na necessidade constante de retirada dos equipamentos para a limpeza do arroio - diz.
Panitz discorda do argumento do "bate e volta":
- Se fosse assim, a mureta da BR-116 não deveria existir.
Um exemplo brasileiro
O caso mais lembrado pelo especialistas, é o de Goiânia. A capital de Goiás tem duas avenidas em cujo vão está um córrego - a marginal Botafogo e a marginal Cascavel. Somadas, elas têm 16 quilômetros (considerando os dois sentidos) e todos os trechos são protegidos por guard rails, conforme o diretor de estudos e projetos da prefeitura de Goiânia, Fabrício de Menezes.
- Se estamos falando de um desnível que vai colocar em risco a vida do usuário, nosso pensamento é que tem que ter a defesa. Nós não liberamos pista sem ter a defesa.
O sistema de proteção foi incorporado no projeto de cada uma das vias. E o resultado foi positivo. De acordo com a assessoria de imprensa do Corpo de Bombeiros da cidade, o último acidente fatal foi setembro de 2012 quando uma mulher perdeu o controle do veículo, caiu no córrego da Botafogo e morreu.
Ainda assim, nem tudo é perfeito: na marginal Cascavel o problema não é a imperícia dos motoristas ou a falta de proteção, mas a chuva. Quando chove muito, há alagamentos e os carros, carregados pela água, caem na via localizada no sudoeste da cidade.
*Colaborou Carlos Ismael Moreira