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Transporte clandestino: rápido, mas perigoso e ilegal

O Diário Gaúcho estreia hoje sua nova seção, DG+, sempre com uma reportagem especial para a leitura no final de semana. Para começar, um raio-x do transporte clandestino entre a Capital e Guaíba

30/08/2014 - 07h31min

Atualizada em: 30/08/2014 - 07h31min


Jeniffer Gularte
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No fim da linha dos ônibus da Expresso Guaíba, na Rua Chaves Barcellos, no Centro da Capital, uma frota de 50 carros disputa passageiros para o percurso Porto Alegre/Guaíba e Porto Alegre/Eldorado do Sul. De um lado da rua, está a parada de ônibus da Guaíba. Do outro, carros usados no transporte ilegal de passageiros. Ali, a regra de trânsito, seja ela qual for, é ignorada todos os dias. Para não perder território, o grupo intimida os veículos que tentam estacionar.

Para os passageiros que surgem com pressa ou cansados no fim do dia, uma rede de transporte clandestino oferece, com preços semelhantes ao do ônibus, uma viagem mais rápida e confortável. Durante três dias da última semana, o DG acompanhou a movimentação de passageiros nos veículos clandestinos da Chaves Barcellos. Na quarta-feira de manhã, a reportagem testou o serviço.

O embarque foi em uma Zafira cinza com placas de Porto Alegre. O veículo seguiu até o Bairro Cohab, em Guaíba. Entre os passageiros, além da repórter, estavam duas mulheres e um jovem. O carro atravessou a ponte pela BR-290 e ingressou em um acesso a Eldorado do Sul, onde parou em um posto para abastecer o carro com gás natural - mais em conta que a gasolina.

Com média de velocidade entre 80km/h e 100km/h, a viagem seguiu pela Estrada do Conde, uma rota alternativa que desvia o veículo do pedágio e do posto da PRF, em Eldorado, na BR-290. Mesmo com a parada no posto, em pouco mais de 20 minutos chegou-se ao destino por R$ 4. Retornamos à Capital com a linha de ônibus Santa Rita, pagando passagem de R$ 4,20. O ônibus saiu da parada em frente à Escola Estadual de Ensino Fundamental Carmem Alice Laviaguerre às 12h8min, com todos os assentos ocupados, e chegou ao terminal, na Chaves Barcellos, às 12h42min.

Ônibus esvaziando

Na Chaves Barcellos, o vaivém de passageiros e veículos não para. São 50 carros - entre Zafira, Siena, Doblô e Pálio - que fazem, em média, oito corridas por dia. Os veículos têm placas de Porto Alegre, Eldorado do Sul, Guaíba e São Paulo. Todos ficam estacionados nas duas quadras entre a Rua Comendador Manoel Pereira e a Avenida Mauá.

Quando não estão no trajeto, os motoristas ajudam a monitorar o ponto. O homem que fiscaliza o grupo cuida da ordem dos motoristas em cada viagem. O DG flagrou diversos passageiros pagando pela corrida ao sair do carro.

O serviço começa de manhã bem cedo. Por volta das 7h20min da sexta-feira, o DG deparou com uma Zafira prata com as portas abertas bem atrás de um ônibus da Guaíba, à espera de passageiros, como se ela própria fosse um veículo de transporte coletivo. Pouco depois, seguimos uma Zafira branca com motorista mais quatro pessoas até Guaíba. Na Estrada do Conde, o veículo passou por uma blitz da fiscalização municipal, sem ser abordado.

À tardinha, a fila de passageiros à espera de um carro na Chaves Barcellos chega a ser maior que a do ônibus. Resultado: coletivos da Guaíba vazios. Em horários de pouco movimento, como às 10h e às 15h, os ônibus com 55 assentos chegam a circular com apenas sete passageiros.
 
O gerente de Operação da Expresso Guaíba, empresa que tem a concessão do serviço desde 1961, Flavio Piccoli, explica que, mesmo que haja horários de maior movimento, não compensa colocar mais ônibus.

- Se o passageiro do clandestino retornar para o transporte comum, aí teremos que rever isso.

Empresa perde 50 mil passageiros por mês

A Expresso Guaíba estima que perde 50 mil passageiros por mês em função do transporte ilegal, uma média de 1,6 mil pessoas que usam o serviço por dia. Essa conta resulta em um prejuízo mensal de R$ 200 mil. Os carros percorrem a linhas Porto Alegre/Eldorado, Porto Alegre/Santa Rita (Guaíba) e Porto Alegre/Colina (Guaíba) que, juntas, têm 390 horários diários na Expresso Guaíba.

- Eles saem na frente do ônibus, vão trancando com um ou dois carros na frente e atrasam nossos ônibus, cortam a frente, enquanto outro carro vai na frente para pegar os passageiros. Já teve motoristas ameaçados, eles mostram armas - relata Flavio.
Na sexta de manhã, por volta das 7h30min, o DG flagrou um bate-boca entre o motorista de um carro e o motorista de ônibus. O condutor do carro, chegou a descer do veículo - usando chinelos de dedo - para insultar o motorista de ônibus, que não estava conseguindo sair da via.

Depoimento de usuária

"Aqui no bairro nós temos só uma linha de ônibus, que é de hora em hora. Uso três vezes por semana (o transporte clandestino) e é tranquilo. No ônibus, tu vais em pé, porque é lotado. No carro, vai três pessoas atrás, uma na frente e um motorista, todos com cinto de segurança. Aqui no bairro, a maioria utiliza, vale a pena. Pago R$ 3,50 e escolho pela rapidez. Eu não uso ônibus, é raro. Com os carros, tu pagas a mesma passagem que a do ônibus, mas vem pela Castelo e não pega tranqueira pela Farrapos. Acho que tinha que ser legalizado, tipo uma cooperativa. Diante dos olhos de alguns é marginalizado, mas, na verdade, favorece todos aqui."

Usuária do transporte clandestino desde o final de 2011, moradora do Bairro Sans Souci, em Eldorado do Sul.

Tempo, a principal vantagem

A procura crescente pelos carros se justifica. Enquanto ônibus saem lotados em horários de pico, no carro os passageiros vão sentados e sempre chegam antes.  
- Se uma viagem nossa demora entre 40, 50 minutos, eles fazem em 15. Mas o que o passageiro quer, segurança ou agilidade?

No tempo em que o ônibus faz uma viagem, os carros fazem duas. Saem direto pela Avenida Castelo Branco em direção à ponte do Guaíba, sem precisar parar nem percorrer itinerário. Isso, sem falar que o carro para no ponto que o passageiro preferir durante o trajeto.

Há relatos de que o transporte clandestino entre Porto Alegre e Guaíba se intensificou na década de 1990. Em dezembro de 2008, o DG fez uma reportagem denunciando o esquema. De lá pra cá, nada mudou.

O desafio de fiscalizar

Responsável por coibir o transporte ilegal, a Metroplan afirma que só consegue efetivar a fiscalização quando monta operações em conjunto com a Brigada Militar, a EPTC e a PRF. A própria Metroplan, sozinha, não teria fôlego para ficar de olho nos carros. Hoje, a fundação conta com 42 fiscais para 69 municípios de abrangência.
 
Segundo o diretor de transportes da Metroplan, Jacson Lopes, perde-se de 2 mil a 3 mil passageiros por dia para o transporte ilegal em Guaíba e Eldorado do Sul.

- Não tem segurança nenhuma, não se sabe de quem é o carro, se o motorista tem carteira, se está com pneu careca. Mesmo assim, a população aceita essa oferta.

Mesmo que houvesse interesse em legalizar o serviço, a legislação, segundo Jacson, não permite que este tipo de transporte seja feito por carro. Em Guaíba, o diretor de Transportes da Prefeitura, Cristiano Machado, afirma que houve operações para combater a prática no ano passado, mas admite que há dificuldade em flagrar o delito. O presidente da EPTC, Vanderlei Capelari, afirma que é feita fiscalização regular na Rua Chaves Barcellos.

Por que é difícil flagrá-los

O chefe substituto do núcleo de policiamento e fiscalização da 2ª delegacia da PRF, com sede em Eldorado do Sul, Felipe Barth, explica que não ocorrem mais operações pois a Metroplan não solicita. Denúncias podem ser feitas pelo 191, porém, não é fácil flagrar o delito.

- Se a Metroplan não está nos pontos de partida para verificar quem são as pessoas, não tem como comprovar (ao flagrar o carro na estrada), pois se um automóvel tem quatro passageiros, eles dizem que são amigos, que estão de carona.

Cestas básicas

Ao ser flagrado fazendo transporte ilegal, o motorista recebe multa, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, de R$ 86. Se for pego dentro da cidade, o município poderá, também, aplicar sua multa. Conduzir o veículo é considerado crime. Além da multa, o motorista é levado para a delegacia onde assina um termo circunstanciado e, depois, é liberado. O termo é encaminhado ao juiz. Este é considerado um crime de menor potencial ofensivo, onde normalmente se oferece a pena de serviço comunitário ou compra de cesta básica.

Os perigos da viagem clandestina

- Não há como saber se o carro foi revisado e está em boas condições.
- Não há como saber se o motorista está com a CNH em dia.
- Em caso de acidente, o passageiro não terá direito a seguro, como no ônibus.
- O motorista de ônibus é treinado para fazer o transporte de passageiros.
- Enquanto o ônibus tem um limite de velocidade a seguir, os carros podem andar na velocidade que preferirem, colocando em risco a segurança dos passageiros.

 


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