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Meritocracia está fora dos planos de candidatos ao Piratini

Concorrentes a governador evitam se comprometer com o sistema que prevê pagamento de salários extras a professor em troca da melhora de resultados na sala de aula

22/09/2014 - 06h01min

Atualizada em: 22/09/2014 - 06h01min


Professores cujos alunos demonstram ter aprendido a lição devem ser premiados pelo bom resultado em sala de aula? Nos últimos anos, essa pergunta tem pautado discussões de acadêmicos, gestores públicos, políticos e sindicalistas sem que um consenso seja estabelecido.

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Alguns Estados que adotaram a meritocracia já exibem melhores resultados no ensino. No Rio Grande do Sul, o sistema de pagamento de salários extras em reconhecimento ao desempenho do professor em atingir metas preestabelecidas é tema de debates desde o governo Yeda Crusius (PSDB) e sofre forte resistência do Cpers. Diante da polêmica, nenhum dos principais candidatos ao Palácio Piratini se compromete abertamente com a proposta.

Para melhorar a qualidade do ensino, o senhor vai implantar sistema de premiação dos professores a partir do desempenho de alunos e escolas? Se sim, como?

Ana Amélia Lemos (PP)
O que está em estudo pelos nossos técnicos é a implantação de programa de avaliação e reconhecimento das escolas, respeitando as peculiaridades locais e regionais e com parâmetros a serem definidos. Nossa proposta prevê valorização dos professores, com formação continuada e acesso a tecnologias, atualização da grade curricular e investimento nas escolas.

Edison Estivalete (PRTB)
Não é necessário implantar premiação para que professores e alunos façam o que precisam fazer. O professor bem remunerado ministrará aulas de qualidade, e o aluno buscará o ensino que lhe servirá para sua vida adulta e profissional. Melhorar a qualidade do ensino significa pagar um salário digno ao professor e reformar as escolas.

Humberto Carvalho (PCB)
Os sistemas de avaliação usados são ditados pelos países desenvolvidos e pelo Banco Mundial como critério para a concessão de créditos para o país e o Estado. Essas avaliações são referenciadas nos interesses das classes dominantes e privilegiam a formação de mão de obra dócil e adestrada, sem apontar para a emancipação de estudantes e trabalhadores.

José Ivo Sartori (PMDB)
Ainda não está em cogitação. Se for consenso e desejo da comunidade escolar, é possível. A educação pública no RS enfrenta graves problemas. O recorrente conflito entre governo e líderes sindicais precisa ser superado pela criação de novo ambiente na educação: os debates e posições, naturais e legítimos, precisam se expressar em um clima de cooperação, construção e respeito aos direitos e competências de todos.

Roberto Robaina (PSOL)
De forma alguma. O critério de premiação não é outra coisa senão uma forma de justificar os crescentes desinvestimentos em educação pública, gratuita e de qualidade, criando uma justificativa para o fato de que esses recursos são menores do que o necessário. Assim, cria-se a premiação para justificar que a maior parte das instituições não receberá investimento algum.

Tarso Genro (PT)
Não. Nossa política de valorização dos professores, funcionários e escolas, mostrou-se a mais correta. Premiar, especificamente, escolas ou professores é desconsiderar as realidades distintas em cada região do Estado e as diferenças existentes inclusive dentro de alguns municípios.

Vieira da Cunha (PDT)
Implementaremos o sistema de premiação de acordo com os critérios apontados pelo Fórum Estadual de Educação, que, neste momento, discute como adequar o plano estadual ao Plano Nacional de Educação (PNE). O PNE aponta para o reconhecimento do profissional da educação e da escola onde os indicadores de aprendizagem apresentarem crescimento.

Governo pernambucano comemora, sindicalista rejeita

Em Pernambuco, o bônus por desempenho instituído em 2008 é considerado pelo governo como uma das iniciativas que ajudaram o Estado a dar um salto de 12 posições no ranking nacional do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador que foca nos resultados de português e matemática.

Apesar de o governo pernambucano comemorar a realização, o sindicalista Heleno Araújo Filho, membro da Confederação Nacional do Trabalhadores em Educação (CNTE), aponta deformidades: como nenhum professor quer ficar sem o dinheiro a mais, é comum docentes de outras disciplinas cederem espaço de aula para reforço de português e matemática, enfraquecendo o restante do conteúdo.

- São políticas que escondem a realidade da instituição e não indicam melhoria da qualidade. Estimulam a aprovação sem que se cumpra com a pluralidade do ensino. É um crime contra a juventude, contra a educação e contra os trabalhadores - afirma Araújo.

Professor da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Guilherme Scorzafave coordena uma pesquisa para avaliar o programa de bonificação do magistério de São Paulo e diz que o modelo pode ser produtivo para a educação:

- Ao premiar os que mais se esforçam e alcançam os objetivos, passa o recado aos professores de que vale a pena preparar uma boa aula, pois serão recompensados.

É uma forma de garantir que as aulas tenham qualidade.

14º salário foi rejeitado no RS

Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Goiás também apostam na meritocracia. No Rio Grande do Sul, o governo Tarso Genro (PT) adotou em 2012 uma forma de promoção que leva em conta o mérito do professor, mas não avalia metas. No final de 2013, o Estado anunciou a promoção de 8,3 mil professores e especialistas em educação, metade por antiguidade e metade por merecimento.

Em 2009, Yeda tentou, sem sucesso, introduzir o 14º salário a professores que atingissem metas. Enfrentou a reação do Cpers e da oposição petista na Assembleia Legislativa. A atual presidente do Cpers, Helenir Oliveira, destaca que a entidade participa do debate sobre a meritocracia e mantém a posição:

- Divide a categoria e é uma forma de driblar o plano de carreira. Além disso, nosso entendimento é de que os investimentos devem ser direcionados às escolas que têm pior desempenho, porque é ali que há necessidade.

Para a presidente do Conselho Estadual de Educação, Cecília Farias, a meritocracia não deve ser atrelada ao desempenho do aluno:

- O professor precisa ser valorizado pelos cursos que faz, pelo tempo de dedicação à escola, esse é o mérito dele.

Em debate

O mérito é um princípio norteador das relações sociais em sociedades modernas. É um sistema de hierarquização que considera o desempenho individual como critério para estabelecer a posição de cada um na comunidade. Competência e realizações da pessoa determinam o espaço que ela vai conquistar.

Esse parâmetro aparece em diversas situações cotidianas. No vestibular, quem tem a melhor nota, fruto de estudo, conquista a vaga. A ideia é estabelecer um princípio universal, que sirva para avaliar qualquer indivíduo. Como as sociedades são desiguais, o critério é alvo de críticas, uma vez que nem todas as pessoas têm as mesmas condições para competir de igual para igual.

É por isso que são criadas formas de beneficiar grupos que enfrentam desvantagens sociais. Um dos modelos mais difundidos é o das cotas, que garantem espaço para negros.

No setor público, o mérito começou a ser instituído em alguns países europeus e nos Estados Unidos no século 19 e fez parte de uma revolução na gestão do Estado: a administração burocrática substituía o modelo patrimonialista das monarquias, no qual o patrimônio público e o privado eram tratados como propriedade do rei.

O concurso foi o método instituído para selecionar os servidores a partir da capacidade profissional. Antes, os funcionários eram escolhidos pela majestade, com base em laços familiares, afetivos ou políticos. Ninguém questiona o concurso como modelo justo de distinguir os melhores candidatos a uma vaga, mas o desenvolvimento de instrumentos meritocráticos mais atuais ainda é controverso.

Diferentes esferas do poder público brasileiro têm experimentado novas formas de melhorar a qualidade dos serviços. Um dos modelos consiste na premiação de servidores de acordo com sua capacidade de atingir metas acordadas previamente. Professores e policiais recebem salários extras quando alcançam os objetivos.

A ideia da bonificação é recompensar quem se esforça para educar as crianças ou reduzir a criminalidade, como nos exemplos acima. No conjunto, as ações individuais resultariam em melhoria coletiva.

Esse tipo de ferramenta tem sido alvo de crítica. Os que se opõem dizem que nem todos professores têm as mesmas condições para ensinar: muitos trabalham em escolas precárias da periferia, enquanto outros têm mais recursos em colégios bem estruturados e modernos. Há quem diga que o excesso do mérito como princípio pode gerar distorções e competição desenfreada.

Modelos espalhados pelo Brasil

Minas Gerais
O acordo de resultados foi estendido para a educação em 2007. Em paralelo, o governo implantou sistemas anuais de avaliação de desempenho dos alunos. As metas de cada escola são estabelecidas no começo de cada ano, conforme a realidade de cada instituição. Os diretores validam o plano de metas. No final do ano, toda a comunidade escolar é premiada proporcionalmente ao alcance da meta. Por exemplo, se a escola atingiu 85% da meta estabelecida, cada funcionário receberá um bônus equivalente a 85% do seu salário.

São Paulo
Desde 2008, tem política de valorização por mérito a todos os funcionários das escolas que alcançaram metas. Os objetivos são estabelecidos de acordo o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp). Se atingida a meta, o bônus é de 2,4 salários. Caso seja superada, o limite é de 2,9 salários. Se não atingida, é calculado o avanço da escola. Por exemplo: se avançou 50% da meta, o bônus é de 1,2 salário. A partir de 2014, o cálculo do extra também leva em conta o nível socioeconômico dos alunos e indicadores de aprovação, reprovação e abandono.

Pernambuco
O Bônus de Desempenho Educacional (BDE) é proporcional ao cumprimento total ou parcial das metas para o Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (Idepe), que é um instrumento de avaliação da qualidade das escolas estaduais semelhante ao Ideb. São contempladas as escolas que cumpriram 50% dos objetivos. As metas são diferentes para cada escola conforme o desempenho anterior. O valor é proporcional ao cumprimento das metas, podendo chegar a 100% da remuneração.

Rio Grande do Sul
Por ano, são disponibilizadas até 3 mil vagas para promoções de professores, divididas entre aumento por tempo de serviço e merecimento. Ao ser contemplado, o servidor recebe aumento de 10% incorporado ao salário. Os servidores podem concorrer a cada três anos, sempre somando 10%, por, no máximo, cinco vezes ao longo da carreira. A pontuação por mérito é baseada em 30% de frequência e assiduidade e 70% em diversos pontos, como participação em cursos de formação e atualização, projetos pedagógicos documentados dentro da escola e a publicações de artigos.

Minas teve melhora no Ideb

Um dos pioneiros na implantação da meritocracia na educação, Minas Gerais assumiu o primeiro lugar entre as escolas estaduais nas séries iniciais e nas finais do Ensino Fundamental na última avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Se comparado a 2005, ano em que se iniciou a série histórica do Ideb, a nota de Minas nas séries iniciais cresceu 26%, passando de 4,9 para 6,2, e 30% nas séries finais, passando de 3,6 para 4,7.

- Não tenho dúvida de que o acordo de resultados, que culmina no prêmio por produtividade, é a explicação para o Estado ter alcançado o primeiro lugar no Ideb - diz a secretária de Educação de Minas Gerais, Ana Lucia Gazzola.

Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Bernardete Gatti considera limitador pautar as políticas educacionais apenas pelo desempenho cognitivo, deixando de lado processos de socialização e formação cidadã:

- Efeitos de mudança nas estruturas de carreira e desempenho escolar são duas variáveis que você não pode ligar diretamente. Há fatores intervenientes nessa relação que precisariam ser considerados - diz Bernardete.

O Rio Grande do Sul teve aumento semelhante a Minas nas séries iniciais: cerca de 30%, subindo da sexta para a quinta posição. Nas séries finais, a educação gaúcha está em sétimo no Ideb 2013, perdeu três posições em relação a 2005, embora a nota tenha subido de 3,5 para 3,9. No Ensino Médio, o RS se manteve em segundo lugar no período.


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