Uma suspeita de superfaturamento na compra de uniformes está deixando 22,9 mil estudantes da rede municipal de ensino de Viamão à espera das peças. A entrega das roupas, com peças para o inverno e o verão, ainda não ocorreu porque o Tribunal de Contas do Estado (TCE) pediu a suspensão da compra antes mesmo do início da aula.
A interrupção do processo ocorreu de forma preventiva, devido a uma auditoria do TCE que verificou a possibilidade de sobrepreço (preço acima do mercado) no fornecimento das roupas pela empresa Nilcatex Têxtil. Para fazer a análise técnica dos valores, os auditores do TCE pegaram como referência os preços pagos pelas prefeituras de Cachoeirinha e Sapucaia do Sul na compra de uniformes. Os números foram comparados com os valores que a prefeitura de Viamão estava disposta a pagar. Por uma jaqueta de tactel, Viamão pagaria R$ 54,14, enquanto Sapucaia desembolsaria R$ 16,48 e Cachoeirinha R$ 19,70, média que é 199% maior - ou três vezes mais.
A prefeitura já prestou os esclarecimentos que, junto com a análise do TCE, foram analisados pelo Ministério Público de Contas (MPC). O órgão propôs que a investigação seja aprofundada. Neste momento, o processo está na mesa do conselheiro Marco Peixoto. Cabe a ele decidir se o MPC deverá detalhar ainda mais a investigação ou se as informações que se têm em mãos já são suficientes para composição do relatório que embasará a análise final da corte. Os membros da corte darão parecer favorável ou não, o que pode gerar multa ao município.
No ano que vem, quem sabe
Como ainda não há previsão de análise da corte, é provável que os estudantes não vejam a cor dos uniformes até o fim do ano. Prevendo que o parecer final do TCE seja desfavorável, o município deve abrir uma nova concorrência.
- Se for negada a continuação desse processo, vamos abrir um novo. Se deixarmos passar outubro, ficaremos com um tempo muito pequeno para fazer o processo. No início de 2015, queremos entregar os uniformes - adianta a secretária de Educação de Viamão, Maria Clarice Oliveira.
Segundo ela, a compra de uniformes pretendia substituir a entrega de material escolar e mochila para atender a uma demanda dos diretores das escolas, que defendiam a importância do traje. A secretária enfatiza que o uso de uniformes é importante para inclusão, identificação e segurança dos alunos.
- Os alunos da rede pública também merecem um material de qualidade, confortável e bonito. Isso contribui para o desejo do aluno de estar na escola, da sua autoestima, reflete na aprendizagem.
Prejuízo poderia chegar a R$ 8 milhões
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o DG obteve o processo. O contrato entre a prefeitura e a Nilcatex poderia chegar a R$ 13,2 milhões em cinco anos. Deste total, R$ 2,3 milhões já haviam sido reservados no orçamento de 2014 do município para pagamento da primeira leva do pedido.
A auditoria aponta que, se a prefeitura adquirisse a quantidade de uniformes prevista no edital e com os preços da Nilcatex, correria o risco de arcar com um prejuízo de R$ 8 milhões, comparando com os preços praticados em Sapucaia e Cachoeirinha.
Por isso, os auditores entendem que o fornecimento de uniformes com preços superiores aos praticados no mercado caracteriza "ofensa aos princípios constitucionais de eficiência e economicidade".
Como foi a análise
Chama a atenção que a prefeitura de Viamão não obteve preços menores, mesmo encomendando quantidades bem superiores ao total adquirido em Sapucaia e Cachoeirinha. O município de Viamão planejava adquirir 465 mil peças, enquanto em Sapucaia foram 192,5 mil e 47.870 em Cachoeirinha. Em função do ganho de escala, a auditoria aponta que seria natural que a prefeitura de Viamão obtivesse preços menores.
A análise também levou em conta a qualidade dos tecidos usados na confecção dos uniformes nos três municípios. Embora o item agasalho tenha 100% de poliamida, a gramatura do tecido é inferior às usadas na licitação de Sapucaia e Cachoeirinha. Outro item questionado é o modelo de licitação adotado na concorrência. Este foi o único pregão presencial realizado em 2013 em Viamão, enquanto os pregões eletrônicos somaram 74 concorrências.
No pregão presencial as empresas interessadas em participar da concorrência devem ir até a Prefeitura apresentar suas propostas. Para esta licitação três empresas se manifestaram.
Empresa já é investigada
Com sede em Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, a Nilcatex é investigada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal nos estados do Paraná, São Paulo e Roraima. O processo aponta que, no Paraná, a Nilcatex é suspeita de possível formação de cartel e sonegação de impostos na aquisição de produtos importados. Em São Paulo, há suspeita de formação de cartel para fornecimento de uniformes para a rede pública de ensino. Já em Roraima, a empresa estaria sendo acusada de superfaturar valores entre R$ 7 milhões e R$ 14 milhões por meio de contratos fraudados com anuência de servidores públicos para fornecimento de uniformes ao governo do Estado.
A Nilcatex informa que já apresentou, nas instâncias competentes, os esclarecimentos que a situação recomendava. Ressalta que pode afirmar, com segurança, que não ocorreu qualquer irregularidade na ata de registro de preços, para fornecimento de uniformes escolares, que firmou com o município de Viamão.
"Tecido é confortável, durável e não desbota"
A Prefeitura de Viamão pediu ao TCE que a medida de suspensão do contrato e do pagamento seja reconsiderada, permitindo a entrega das 42.982 peças já produzidas. Em relação à suspeita de sobrepreço, a secretária de Educação de Viamão, Maria Clarice Oliveira, ressalta que os valores de referência da licitação foram balizados seguindo os preços de mercado. Em sua avaliação, o tecido que compõe os uniformes é mais confortável, durável e não desbota. Ela compara a qualidade do material contratado com o tecido de moletom que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) usa como base para os casacos.
- Solicitamos a malha colegial, que pra nós é muito superior ao moletom.
A prefeitura, porém, não comparou seus tecidos com os escolhidos pelas prefeituras de Sapucaia e Cachoeirinha que serviram de referência para a auditoria do TCE.
- A gente acabou não fazendo isso porque a gramatura dos tecidos é diferente, dá para ver no edital, ou seja, isso indica que não é o mesmo tecido.
Segundo ela, a prefeitura não tinha conhecimento das investigações em relação a Nilcatex. Ressaltou que a licitação foi feita de modo presencial porque o edital exigia que todas as concorrentes levassem amostras de tecido. Ressalta que não houve nenhum pagamento e nem a entrega de peças às escolas.
Mãe aguarda uniformes para filha
Enquanto o TCE não julgar o processo, os uniformes não serão entregues aos alunos. Até lá, pais e alunos ficam no compasso de espera, sem saber quando poderão contar com as peças.
- No primeiro dia do ano letivo, houve uma reunião e foi posto em pauta se os pais preferiam material escolar ou uniformes. Na hora, todos optaram pelos uniformes, mas até o momento eles não apareceram - conta a auxiliar administrativa Sislaine Martins, 36 anos, mãe de Nicole, aluna do primeiro ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Guerreiro Lima, no Bairro Belo Horizonte.
Nicole e a prima, Erica dos Santos, participaram do desfile de Sete de Setembro, no Centro de Viamão, vestindo calças jeans e camisetas brancas.
- Seria bem mais bonito com uniforme - comentou Nicole.
Além de poupar as roupas da filha, Sislaine acredita que o uniforme oferece mais segurança aos estudantes e iguala uns aos outros.
- Assim não tem frescura de um ir com a roupa melhor que o outro, porque sempre os que vão com roupa melhor. Com uniforme, vão todos iguais, fica um padrão.
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