Porto Alegre



Almanaque

Um longo romance: a Feira do Livro, da primeira à 60ª edição

História da Feira do Livro acompanha as transformações pelas quais passaram a Praça da Alfândega e as mudanças nos hábitos e comportamentos do público leitor ao longo dessas seis décadas

31/10/2014 - 05h06min

Atualizada em: 31/10/2014 - 05h06min


Léo Guerreiro / Revista do Globo
Foto da segunda edição da Feira do Livro em Porto Alegre

Em 1955, o jornalista Say Marques, então diretor-secretário do Diário de Notícias, voltou do Rio de Janeiro com uma ideia: insuflar os amigos livreiros a repetir a façanha de livrarias cariocas, que realizaram uma feira a céu aberto. O evento porto-alegrense começou com apenas 14 bancas, contra as 40 do Rio.

A adesão de novos participantes, no entanto, foi rápida. Em 1959, o número de participantes já havia duplicado e, em 10 anos, ultrapassava a marca de 50. Seis décadas depois, o evento hoje conta com 127 estandes.

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A maior parte das bancas permanece quase igual às do primeiro evento: quiosques de metal ou madeira com aberturas que, dobradas, tornam-se vitrines. O que mudou foi o alcance dos telhados, que se tornaram maiores na medida em que a associação entre Feira e chuva se popularizava. O teto das bancas só pôde encolher a partir de 1994, quando a Praça passou a ganhar cobertura.

Confira o antes e depois da Feira na Praça da Alfândega:

Preço subiu, desconto caiu

Se a população brasileira lia menos na década de 1950, não era por conta do preço dos livros. Segundo o volume A Feira do Livro de Porto Alegre (1994), de Paulo Bentancur, era possível comprar, em 1955, até 57 títulos com um salário mínimo. Hoje, o mínimo daria para pouco mais de 20 livros de preço médio. Mesmo que os volumes fossem mais acessíveis à época, uma das principais medidas dos realizadores foi estipular 20% de desconto como padrão, valor que se manteve como obrigatoriedade até 1999 - hoje, o mínimo exigido é de 10%.

O maior obstáculo para angariar leitores nos anos 1950 era o analfabetismo. O Brasil contava com 52 milhões de habitantes, entre eles 19 milhões que não sabiam ler nem escrever. No Rio Grande do Sul, registrava-se um dos menores percentuais do país: 34,7% da população privada da leitura e escrita. Hoje, esse índice caiu para 4,5%.

Quando o Centro era glamouroso

A Porto Alegre da primeira Feira do Livro contava cerca de 400 mil habitantes, menos de um terço da população atual. No Centro, coração do comércio e da vida social, o endereço mais nobre era a Rua dos Andradas, pela qual mulheres de tailleur e homens de terno e chapéu desfilavam aos fins de tarde diante das vitrines de lojas, cinemas, bares e cafés.

Ponto de encontro e antessala das quadras mais disputadas da Andradas, a Praça da Alfândega foi escolhida como o endereço para a Feira. Tanto a Andradas quanto a Sete de Setembro ainda recebiam tráfego de veículos, mas os livreiros nem pensavam em estender suas bancas por essas ruas: os 14 estandes cabiam em torno do monumento do General Osório. Só em 1979 as praças do outro lado da Sete de Setembro foram anexadas à Alfândega, e o leito da rua, transformado em calçadão. A Praça também sofreu modificações e restauro entre 2009 e 2012.

Na estreia, nada de bar

Apesar de tradicional, o bar da Feira só foi instalado em 1984, para marcar a 30ª edição do evento, gerando controvérsias. O editor Maurício Rosenblatt, que participou da organização da primeira edição, era contra. Para ele e outros intelectuais, o bar poderia mudar o perfil da Feira e do próprio público.

No livro A Feira do Livro de Porto Alegre, o jornalista Ney Gastal aponta que Rosenblatt "morreu antes de verem confirmados seus piores temores (...). As pessoas deixaram de marcar encontros na Feira e passaram a combinar pontes no bar da Feira". Com o tempo, o espaço virou praça de alimentação.

De orador a patrono

As primeiras Feiras não tinham patrono, mas um orador oficial, responsável pelo discurso de abertura de cada edição. O primeiro deles foi o então secretário de Estado da Educação e Cultura, Liberato Salzano Vieira da Cunha. O escritor Erico Verissimo e o professor Álvaro Magalhães, editor de um dos primeiros dicionários produzidos no Brasil, também ocuparam o posto. Apenas em 1965 a instituição de um patrono foi adotada, como homenagem póstuma - o primeiro foi o intelectual Alcides Maya (1878 - 1944). Em 1984, a Feira passou a escolher homenageados vivos, concedendo a honraria ao editor Maurício Rosenblatt (1906 - 1988). O patrono deste ano é Airton Ortiz, conhecido por seus livros de viagem.

O hábito da leitura

Em 1956, a Revista do Globo cita homens que "pararam, olharam e coçaram o queixo" diante das bancas da segunda edição da Feira. O livro era pouco acessível, e as livrarias, revestidas de uma sisudez que fazia a maior parte dos homens visitá-las "uma vez por ano, obrigados, com uma listinha na mão: é para o filho na escola", como escreveu à época Henrique Bertaso, diretor-presidente da Livraria e Editora Globo.

Ainda hoje, o gosto pela leitura precisa ganhar mais espaço: pesquisa de 2012 mostra que apenas 24% dos brasileiros cultivam o hábito de ler.

Mais vendidos

O hit da Feira de 1955 veio de outro planeta. O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, foi o mais vendido. Apesar de a Câmara não fazer mais levantamento dos mais vendidos, com o intuito de não influenciar os visitantes, a aposta dos livreiros neste ano são títulos como Pra Onde Ela Foi, continuação do best-seller Se Eu Ficar, de Gayle Forman.

2014

A 60ª Feira do Livro da Capital ficará aberta todos os dias, de 31 de outubro até 16 de novembro, com visitação das 9h30min às 21h (Área Infantil e Juvenil) e das 12h30min às 21h (Área Internacional e demais espaços). A entrada é franca.


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