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Corrupção na estatal

Especialistas questionam tese de extorsão utilizada pela defesa dos empreiteiros no escândalo da Petrobras

Dirigentes de construtoras envolvidas em desvio de recursos dizem que eram coagidos a alimentar esquema orquestrado por servidores e políticos, mas autoridades afirmam que papel de vítima não serve para pessoas com grande poder econômico

29/11/2014 - 05h05min

Atualizada em: 29/11/2014 - 05h05min


Adriana Irion
Adriana Irion
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Agência Petrobras / Divulgação

Executivos de grandes empreiteiras obrigados a pagar propina para concretizar negócios com a Petrobras. Essa é a tese de defesa que tem surgido em depoimentos de investigados na Operação Lava-Jato, que apura esquema de corrupção na estatal.

Os empreiteiros tentam demonstrar à Justiça Federal que foram vítimas da organização, mas o argumento gera controvérsia.

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Em despacho datado de 21 de novembro, o juiz federal Sergio Moro escreveu: "Também alguns dos empreiteiros investigados já admitiram o pagamento de propinas milionárias a Alberto Youssef (doleiro) e Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras), alegando, é claro, que teriam sido extorquidos. Tal álibi, se é ou não consistente com os fatos e provas, deve, porém, ser apreciado oportunamente, quando do julgamento de eventual ação penal. Em primeira análise, prima facie, parece questionável, pelas circunstâncias envolvidas."

Alguém pode ser obrigado a pagar propina? Isso o livra de responder por crime? O debate está em alta na Lava-Jato e envolve crimes com definições parecidas: concussão (agente público exige vantagem indevida), corrupção passiva (agente solicita ou recebe vantagem ou aceita promessa de vantagem indevida) e corrupção ativa (alguém oferece ou promete vantagem indevida).

Companhias podem alegar risco de quebra

Um dos depoimentos mais contundentes até agora nessa linha de defesa foi o do diretor da Galvão Engenharia, Erton Medeiros Fonseca. No começo da semana, ele entregou à Polícia Federal (PF) comprovantes do pagamento de R$ 8,8 milhões em propina a uma pessoa que seria emissário da Diretoria de Serviços da Petrobras, área que estava sob o comando de Renato Duque, indicado pelo PT.

Fonseca afirmou ter sofrido pressões que indicavam dois caminhos: pagar e conseguir receber os recursos para tocar a obra ou negar a propina e ficar sem o dinheiro e com o projeto parado.

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Para o advogado criminalista Andrei Schmidt, não há conduta delituosa de quem paga o que o agente público solicitou. Segundo Schmidt, se for demonstrado que o pedido partiu do funcionário público, quem paga não pratica crime algum.

Professor universitário e doutor em Direito Penal, Aury Lopes Junior avalia que o argumento das empreiteiras teria lógica, mas é difícil de ser acolhido. Na opinião dele, as companhias poderiam alegar que adotaram a conduta por não terem alternativas, sob pena de insolvência, já que dependeriam de contratos com organismos públicos.

Procurador diz que é preciso avaliar conluio

Há especialistas que discordam do argumento dos executivos. Para o procurador regional da República Douglas Fischer, "não há como se sustentar a tese de que empresas são vítimas de exigências se as provas indicarem conluio entre corruptos e corruptores".

Avaliação semelhante tem o juiz federal José Paulo Baltazar Junior, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, especialista em combate a crimes financeiros e lavagem de dinheiro.

Ele explica que, para alguém se enquadrar na condição de vítima de concussão, precisa existir uma relação desigual, em que a pessoa tem dificuldades para reagir. Um exemplo: o indivíduo está com um familiar em estado grave no hospital e o médico exige pagamento para atendê-lo.

- Tem de haver o temor da pessoa de sofrer uma consequência e não me parece que isso valha para indivíduos com tamanho poder econômico. O caso é de corrupção - avalia Baltazar.

Mesma linha de raciocínio tem o advogado Fábio Bittencourt da Rosa, desembargador federal aposentado. Ele diz não existir corrupto sem corruptor e que a postura das construtoras não as isenta de responsabilidade. Para ele, só seria possível atenuar ou excluir a culpa de empreiteiras se elas agissem sob coação física ou moral de modo irresistível.

O que está em debate

- Empresários sustentam a tese de que eram obrigados a pagar propina a fim de manter negócios com a Petrobras. Afirmam que ganhavam de forma legítima as licitações, mas que depois não tinham outra forma de garantir a execução do contrato senão alimentar o esquema, do qual seriam vítimas.

- Para especialistas, a tese dos executivos dificilmente será considerada na Lava-Jato, uma vez que estaria demonstrado o esquema de corrupção contínuo em que todas as partes envolvidas se beneficiavam. Os agentes públicos solicitavam os valores para facilitar os negócios dos empreiteiros e, estes, pagavam visando ter ganho ilegal.

* Zero Hora


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