Notícias



História consumida pelo tempo

Litoral de Tavares tem "vilas fantasmas"

Mar, dunas e a criação de uma reserva ecológica foram responsáveis pelo fim das comunidades

17/02/2015 - 10h57min

Atualizada em: 17/02/2015 - 10h57min


Mateus Bruxel / Agencia RBS

Parte da história de Tavares, cidade litorânea a 230km de Porto Alegre, vem sendo consumida pelo mar e pelas dunas. Lentamente, quatro vilarejos abandonados entre os anos de 1990 e 2000 estão sumindo do mapa. Precárias condições de acesso, o avanço das dunas e do mar e a criação do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, em 1986, levaram as comunidades para outras regiões.
Na
Vila Barra da Lagoa, morada de mais de 200 famílias na década de 1970, restam apenas os escombros da escola municipal. Em Balneário Paiva, o menor deles, nada restou das 24 casas contabilizadas em 1993 num levantamento do Ibama, em parceria com a Furg. A 2km dali, no Balneário de Lagamarzinho, onde havia pelo menos 250 casas, duas ruas foram engolidas pelo avanço do mar. Na debandada mais recente, sobrou até para o Balneário de Talha-Mar, que abrigou  180 famílias. Com o auxílio de ex-moradores e frequentadores destas comunidades, o Diário Gaúcho percorreu as "vilas fantasmas" de Tavares. 



Imensidão nas dunas


A mais isolada das vilas fantasmas está distante 33km do Centro de Tavares. Fundada por pescadores há pelo menos cinco décadas, a Vila da Barra da Lagoa fica às margens da Lagoa do Peixe e tem como único som local o gorjear das aves migratórias. Longe 2km do mar, ela só é alcançada caminhando pela praia ou, em determinadas épocas do ano, cruzando a Lagoa nos períodos que o nível do espelho d'água está abaixo dos 60cm de altura.
Barra jamais teve energia elétrica ou saneamento básico. Foi a criação da reserva ecológica, porém, que fez os moradores desistirem de viver entre a lagoa e o mar. Por se tratar de uma área de preservação ambiental, o desenvolvimento do vilarejo ficou comprometido.
- As pessoas foram indo mais adiante, em direção ao Farol Mostardas - conta o funcionário público Gilberto de Araújo, 48 anos, que passou a adolescência jogando com os amigos no campo de futebol da Vila.
Hoje, o gramado que acolheu o campeonato praiano até 1987 foi engolido pela areia, assim como a pousada, o restaurante e a maior parte das casas de madeira e de alvenaria. Sem visitar a Vila há dois anos, Gilberto espantou-se ao ver que a imensidão de dunas fez desaparecer o vilarejo. Menos de dez casas de madeira, desabitadas, seguem margeando a lagoa. Entre elas, a isolada escola municipal Presidente Costa e Silva, que até o início dos anos 2000, atendeu alunos do 1º ao 4º anos.
- Se a natureza quer, não passa nada. É ela quem determina! - acredita Gilberto.


Emoção no reencontro

Os olhos do motorista Francisco Machado, 57 anos, marejaram ao avistar a antiga casa de um amigo e a casuarina plantada por ele no início da década de 1980 no Balneário Lagamarzinho, extinto em 2007. Há seis anos, ele não visitava o vilarejo onde veraneou desde a infância. 
- Nossa casa e as outras das duas primeiras ruas foram destruídas pelas ressacas e o avanço do mar. Ficou só a árvore - conta.
Segundo Francisco, a maior parte das dezenas de casas de Lagamarzinho era de alvenaria. Entre elas, a do amigo José Severino, já falecido, onde restaram as paredes e um registro sobre a tampa de concreto da rede de esgoto improvisada. Nela, é possível ler os nomes dos dois construtores civis que a ergueram, Joel e João, e a data de finalização da obra. Joel é falecido.
Ex-veranistas do balneário desde a infância, as primas Andrea Barbosa, 44 anos, e Érida da Silva, 47 anos, veranearam em Lagamarzinho até o fim em 2002. 
- Íamos de carreta de boi, por dentro da lagoa. Levávamos latas com todos os tipos de biscoito e ficávamos na praia de janeiro a março - recorda Andrea.
Com a proximidade das dunas e o estreitamento da faixa de areia, apenas pescadores locais visitam o que ainda resta de escombros. Por todos os lados, o que se vê são as dunas, a lagoa à distância e o mar, cada vez mais próximo dos vestígios. 
- Lagamarzinho é o que fica entre a lagoa e o mar, o inho entrou por ter sido um lugar querido por todos - justifica Francisco.



Silêncio e escuridão

Construído sobre as dunas costeiras por pescadores vindos das outras praias abandonadas, o Balneário de Talha-Mar já nasceu, no final dos anos de 1990, condenado ao fim rápido. Com a força do vento, as casas começaram a ser soterradas em menos de cinco anos. O caso mais grave ocorreu na principal via de acesso à praia. Era por ali que o mar entrava em períodos de ressaca, abrindo valas com mais de um metro de profundidade. Até hoje, mesmo em épocas sem chuva, há poças nas vias abertas pelos antigos moradores.
Localizado a 18km da BR-101, no fim da trilha que liga à Praia do Farol, única ainda habitada, o balneário é o que mais parece uma vila fantasma. O silêncio entre as casas de madeira, que parecem ter sido abandonadas às pressas, só é quebrado pelo som vindo do mar. 
- Só quem viveu aqui sabe a beleza que esta praia tem - garante o pescador Danilo de Souza, 62 anos, ex-morador e hoje vivendo no Centro de Tavares.
Para Talha-Mar não desaparecer, cerca de dez pescadores ainda percorrem as antigas casas durante o dia, pois não há energia elétrica na região. Danilo está entre o que insistem em continuar habitando o espaço, hoje pertencente à reserva ecológica. Na carroça, ele carrega um isopor com gelo para manter frescos os peixes pescados na costa.
Quando encontrou a reportagem do Diário Gaúcho, Danilo limpava uma corvina recém retirada do mar e que serviria de "boia", como ele diz, para o almoço.
- Sei que não posso mexer na minha casa porque está dentro da reserva. Só que não consigo me desfazer daquilo que construí. Por isso, visito todos os dias - diz.



As distâncias

l Barra da Lagoa do Peixe até o Balneário Paiva - 6km
l Paiva até Lagamarzinho - 2km
l Lagamarzinho até Talha-mar - 5,5km
l Talha-Mar até Centro de Tavares - 20km
l Talha-Mar até Praia do Farol Mostardas - 5km




História de abandono
l A Vila Barra da Lagoa e os balneários Paiva e Lagamarzinho foram construídos antes da criação do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, em 1986.
l Como careciam de qualquer infraestrutura, os moradores optaram por abandonar as áreas, já que a partir da criação da reserva seria impossível a chegada da energia elétrica, do saneamento básico e de estradas.
l Parte destes moradores fundou Talha-Mar, o balneário mais próximo da área central de Tavares, a 20km. Porém, ele ainda estava no espaço do parque delimitado pelo Ibama.
l A alternativa das famílias, então, foi transferir-se para a Praia do Farol, distante 5km, em direção à Mostardas. Ela está fora do perímetro da unidade de conservação. Hoje, cerca de 150 famílias oriundas dos vilarejos fantasmas vivem na Praia do Farol.
l O Parque Nacional da Lagoa do Peixe ocupa 34 mil hectares de Tavares repletos de banhados, matas nativas, dunas, lagoas e praias. Pelo menos 180 espécies de aves vindas dos hemisférios Norte e Sul visitam a região todos os anos.


Para visitar
l O recomendável é ir de carro, e com tração nas quatro rodas. Boa parte dos caminhos que levam às vilas desertas é feito pela areia, costeando o mar, ou por dentro da Lagoa em períodos de baixa da água.
l O hotel Parque da Lagoa, localizado no Centro de Tavares, oferece passeios pela região com guia turístico. Informações pelos telefones (51) 3674-1333 e (51) 9989-5250.

  Escola abandonada na Vila Barra da Lagoa
Foto: Mateus Bruxel

  Abandono em Balneário Talha-Mar
Foto: Mateus Bruxel

  Pescador não consegue deixar Balneário Talha-Mar
Foto: Mateus Bruxel

 
Foto: Mateus Bruxel

 
Foto: Mateus Bruxel


MAIS SOBRE

Últimas Notícias