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Rio Grande do Sul

Nova lei prevê prioridade para investigar casos de desaparecimento

Lei que obriga o Estado a criar estrutura própria para investigação de desaparecimentos foi publicada. Realidade estrutural precária, porém, mostra que isso está distante

17/02/2015 - 11h07min

Atualizada em: 17/02/2015 - 11h07min


Divulgação / Polícia Civil
Agentes escavaram terreno na busca por Eliane

- Nossa aflição é constante. Cada vez que encontram um corpo na Zona Sul, o coração dispara.

A frase de Elizete Souza Gonçalves, 31 anos, narra o drama que a família vive desde dezembro de 2013, quando a irmã dela, Eliane de Souza Gonçalves, 36 anos, desapareceu do Bairro Restinga. Mas o sentimento cabe a quase duas mil famílias de Porto Alegre que, desde o ano passado, vivem mesmo drama.

- Lutamos contra o esquecimento, contra a má vontade e contra toda uma burocracia - desabafa.

Ao menos no papel, Elizete pode renovar as esperanças. Foi sancionada pelo governador, no dia 22 de janeiro, a lei que estabelece a política estadual sobre desaparecidos. Entre as medidas previstas no projeto do ex-deputado Aldacir Oliboni (PT), estão a necessidade de estrutura específica na Polícia Civil para investigar casos e, ainda, a criação de cadastro único, com acesso público às informações.

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- São casos que exigem urgência e dedicação exclusiva, porque lidamos com dramas de famílias muitas vezes mais graves do que em casos de homicídios. Nas buscas pela Eliane, já mobilizamos cães farejadores e escavações - aponta a titular da 5ª DHPP, delegada Jeiselaure Souza.

Em maio do ano passado, o companheiro de Eliane prestou depoimento na Delegacia da Mulher.

- Foi só isso, não mexeram mais no caso. Disseram que ela foi embora porque quis - conta Elizete.

Eliane foi vista pela última vez em 17 de dezembro de 2013, após discussão com o companheiro. Ele alegou que ela foi embora. Eliane nunca fez contato com os dois filhos anteriores a essa relação.

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Em outubro de 2014, a 5ª DHPP assumiu o caso. A delegada Jeiselaure admite a atual estrutura precária da polícia. Por decreto, cabe a essa delegacia - uma das seis de homicídios da Capital - a investigação de todos os casos de sumidos de Porto Alegre, exceto de crianças e adolescentes.


Polícia ainda não planejou nova estrutura

Em média, a cada dia, três agentes da 5ª DHPP apuram três novos casos de desaparecidos e um de homicídio consumado ou tentado. A demanda só se acumula. No ano passado, foram 1.891 ocorrências de desaparecimentos na cidade. Este ano, já são mais de 200. A delegacia conta com 12 agentes na investigação, divididos em quatro equipes. E só há duas semanas um agente foi determinado à delegacia para registrar as ocorrências de desaparecidos e fazer o primeiro filtro.

- Filtrar o que chega é fundamental. Em grande parte dos casos, as pessoas voltam para casa em até dois dias, e a população não tem a cultura de registrar quando a pessoa é encontrada - diz a delegada.

O diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, admite que a publicação da lei pegou o departamento de surpresa. Segundo ele, o assunto só começará a ser discutido com a Chefia de Polícia no final desse mês:

- Hoje, não vejo sinalização sobre a criação de uma delegacia especializada em desaparecidos. Não seria o ideal, por exemplo, fazer isso retirando agentes dedicados aos homicídios.

Para ele, é possível que o departamento, em um primeiro momento, crie uma seção de investigação.

- Tudo na polícia sempre funcionou gradualmente assim. Primeiro, as delegacias das áreas investigavam homicídios e tráfico, depois, foram criadas as delegacias especializadas. Creio que é uma tendência - diz o diretor.

Segundo a assessoria da Secretaria de Segurança Pública (SSP), caberá ao Comitê Estadual Sobre Pessoas Desaparecidas - previsto, mas ainda não criado - regulamentar a lei. Por isso, qualquer ação concreta só será definida a partir de decisões desse grupo. Ainda assim, a Divisão de Projetos de Prevenção à Violência e à Criminalidade da SSP discute o tema.


Sem investigação, resta o esquecimento

A investigação de desaparecimentos de crianças e adolescentes no Deca é exemplar. Há uma equipe exclusiva para esse tipo de caso. A partir desse grupo, foram criadas campanhas de divulgação com cartazes de imagens de crianças em ônibus intermunicipais. Pela nova legislação, a divulgação do cadastro de desaparecidos ao público em geral é uma obrigação.

Segundo o Deca, só em 2013, foram 1.123 menores desaparecidos. Quando o ano acabou, 234 seguiam sumidos. Mas a abrangência do órgão, que atua basicamente em Porto Alegre, ainda é limitada. E quem fica fora desse espectro, acaba caindo no escaninho das delegacias já atoladas da Região Metropolitana. Ou no esquecimento mesmo.

Como é a investigação de pessoas desaparecidas

-> O registro pode ser feito em qualquer delegacia. Em Porto Alegre e em outras cidades que têm as delegacias especializadas em homicídios, as apurações são feitas por esses órgãos. Nos casos de crianças e adolescentes, cabe ao Deca.
-> Não há equipes exclusivas, exceto no Deca. Diante da alta demanda, boa parte dos casos não evolui.
-> O site da Polícia Civil mostrando ao público imagens de pessoas desaparecidas é bastante defasado. Constam na página apenas 20 menores e 72 adultos. A maior parte das divulgações de desaparecimentos são feitas por ONGs ou outros órgãos públicos sem uma estratégia única.
-> Não há cultura de registro quando pessoas são localizadas. Assim, a estatística pouco confiável.


Como a lei prevê a investigação de pessoas desaparecidas

-> A criação de um cadastro único de pessoas desaparecidas no Estado. Contaria com um banco de dados de livre acesso pela internet (fotos e características físicas das pessoas, local e data do desaparecimento, além de contatos atualizados dos familiares) e estatísticas atualizadas.
-> No momento em que um desaparecimento é registrado, o nome é incluído no cadastro e o alerta é emitido a todas unidades policiais.
-> Criação de delegacias ou serviços especializados em desaparecimentos, investindo no aparelhamento e inteligência. Familiares poderão ter acesso a todas as etapas da investigação.
-> Determina responsabilização às autoridades ou agentes públicos por omissão se as buscas a pessoas desaparecidas forem interrompidas. Corpos ou restos mortais não podem ser sepultados como indigentes sem antes se fazer o cruzamento de dados no cadastro único, com coleta de DNA.
-> Desenvolver campanhas sobre os cuidados necessários para a prevenção da ocorrência de desaparecimentos, assim como mecanismos que ajudem a sociedade a elucidar esses casos.
-> Quando alguém é localizado sem a participação dos órgãos de segurança pública, o responsável tem a obrigação de registrar a sua localização.
-> Entre 2003 e 2012, 66,4 mil pessoas desapareceram no Estado. A estimativa é de que 2,3 mil casos seguem sem elucidação.


Dicas importantes

-> Para registrar o desaparecimento, não é necessário ter foto do desaparecido.
-> Não é preciso esperar 24 horas para registrar a ocorrência.
-> Os casos podem ser registrados em qualquer delegacia.
-> O Diário Gaúcho divulga casos de desaparecidos. Basta trazer à redação do jornal (Avenida Ipiranga, 1075) a ocorrência policial do desaparecimento e uma foto da pessoa procurada.


Faltou gente, como sempre

As investigações de desaparecimentos deveriam ter recebido nova atenção com a criação do Departamento de Homicídios em janeiro de 2013. Mas faltou pessoal. A intenção era manter duas equipes dedicadas a filtrar, entre casos não solucionados até o final de 2012, quem ainda estava desaparecido. Mas os planos mudaram.
Desde o ano passado, os casos passivos e atuais de desaparecimentos da Capital estão à cargo dos 12 agentes de investigação da 5ª DHPP. Cabe a essa delegacia também, juntamente com a 6ª DHPP, apurar casos de homicídios com inquéritos ainda abertos até o fim de 2012.


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