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Escândalo da Petrobras

"Não consigo ver o fim da operação", diz coordenador da força-tarefa da Lava-Jato

Delegado da PF, Igor Romário de Paula, que lidera investigação, afirma que foram encontrados indícios de corrupção também no Dnit, na diretoria de Óleo e Gás da estatal e no setor elétrico

31/03/2015 - 04h05min

Atualizada em: 31/03/2015 - 04h05min


Carlos Rollsing
Carlos Rollsing
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Carlos Rollsing / Agencia RBS
Igor Romário de Paula, delegado da PF, coordena equipe com oito delegados, oito escrivães, quatro peritos e 21 agentes

Trabalhando cerca de 12 horas por dia, incluindo expedientes aos finais de semana e feriados, nove delegados, oito escrivães, quatro peritos e 21 agentes integram a equipe da Polícia Federal na Operação Lava-Jato, que investiga desvios milionários em contratos da Petrobras com empreiteiras. Coordenador da força-tarefa, o delegado Igor Romário de Paula recebeu ZH nesta segunda-feira no seu gabinete, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, e assegurou, durante entrevista de 33 minutos, que as delações premiadas, instrumento que vive em fogo cruzado entre apoiadores e críticos, serão ampliadas para além das atuais 14.

Enquanto trabalham para concluir cerca de 130 inquéritos, os delegados vislumbram a ampliação do horizonte da apuração. Como há o diagnóstico de que as maiores empreiteiras do país operam sistematicamente com métodos de superfaturamento de contratos e pagamento de propinas, os investigadores encontraram indícios de que as empresas implantaram o mesmo esquema em outras áreas em que venceram licitações milionárias, como o
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a diretoria de Óleo e Gás da Petrobras e o setor elétrico brasileiro. O rastro pode se estender de forma a atingir obras estaduais e municipais. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

A Operação Lava-Jato começou com investigações sobre lavagem de dinheiro e até tráfico de drogas. Quando que a Petrobras virou o centro da apuração?
Quando a operação foi deflagrada, se tratava de quatro operadores (doleiros) muito importantes, de muita capacidade financeira, com clientes em todas áreas. O Carlos Habib (Chater, já condenado a cinco anos e seis meses de prisão por tráfico de drogas), de Brasília, tinha dezenas de clientes, lavava dinheiro sujo de qualquer origem. O Raul (Henrique Sour, ainda réu) e a Nelma (Kodama, já condenada a 18 anos de prisão por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção ativa) atendiam mais clientes em São Paulo, sendo que a Nelma se concentrava em movimentar dinheiro para o Exterior para empresas. Já o (Alberto) Youssef tem a característica de estar vinculado a grandes clientes e também a agentes públicos. Que a investigação ia caminhar para grandes estatais e agentes públicos, a gente já sabia. Só que a gente não sabia que seria tão rápido. Onde foi o salto que deu rapidez ao processo de ingresso na Petrobras? Foram as relações entre Youssef e Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento da estatal) que levaram a esse caminho. A gente identificou que o Youssef transacionava muito dinheiro em favor do Paulo Roberto em empresas dele (de Youssef, algumas de fachada) que eram decorrentes de contratos da Petrobras. Esse ponto foi o que jogou a investigação de cabeça na Petrobras.

No momento, qual o foco da força-tarefa?
Tem muito material ainda para ser apreendido. O foco é trabalhar nos contratos que foram firmados na Petrobras, mas também nos contratos firmados pelas empreiteiras investigadas. E temos um lado importante, que é produzir o máximo de provas para que as ações penais sejam bem instruídas. Não adianta ter esse trabalho todo se chegar lá e o juiz não tiver recursos suficientes para a eventual condenação. E temos uma série de pontas que ficaram para trás e que estão sendo instauradas.

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A investigação vai chegar onde?
Acredito que deve caminhar para outras esferas. Infelizmente o que se viu é que essa é a forma de contratar dessas empreiteiras, com superfaturamento, com desvio de parcela para pagamento de propina de agentes das estatais e até de agentes públicos. Parece ser uma rotina. Se isso for confirmado, essas empresas têm contratos na área de energia, de infraestrutura. Têm empresas dessas construindo estaleiros para o Ministério da Defesa. Em todas as áreas de grandes obras no Brasil, temos um núcleo reduzido de 23 a 26 empresas que vão atuar. Não tem empresa fora desse núcleo capaz de grandes contratações. Eu não consigo ver o fim da operação. Tem muita coisa pra ser explorada. A Polícia tem de encarar essa investigação como uma espécie de investigação permanente.
 
É possível afirmar que a investigação caminha rumo ao setor elétrico?
Pelas informações que chegam, é inevitável caminhar para o setor elétrico. E quando eu digo setor elétrico, falo desde construção de usinas, hidrelétricas, térmicas, enfim. A gente vai ter de acabar investigando todo o lugar em que essas empresas estiverem presentes. Tem um detalhe: o avanço das investigações para outras áreas vai se confirmar se for detectado esse modelo de contratação no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), por exemplo. Na construção de viadutos, pontes, enfim. Aí vamos sair de uma esfera exclusivamente federal. Temos uma série de obras que essas empresas contrataram com Estados e mesmo municípios. Isso vai gerar dificuldade na investigação. Aí, já foge da atribuição da PF (Polícia Federal) e do MPF (Ministério Público Federal). Essas investigações provavelmente vão ser objeto de desmembramento para os Estados. Mas, mesmo na área de infraestrutura, a grande parcela é de obras federais pelo Dnit. Estradas, rodovias, contornos, são obras que tiveram as contratações vencidas por essas mesmas empresas. É possível que haja também o mesmo modelo de contratação.

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O que há sobre Dnit?
Há uma suspeita pela repetição das empresas. Se já há os indícios de que isso se repetiu no setor elétrico, reforça a nossa suspeita de que isso ocorreu em todos os setores de contratação delas. É uma característica: quando vai contratar com o serviço público, contrata com superfaturamento para que não só a empresa saia ganhando mais do que seria razoável no contrato, mas também para que ela possa pagar agentes públicos e funcionários de grandes estatais.

O que dá para dizer sobre o Dnit é que, em algum momento, a operação vai investigar?
Sim, é possível.

Existe uma disputa de versões entre os que acham que as empreiteiras armaram todo o esquema, e os que creem que o setor público exigiu propina. Quem está certo?
As duas versões estão corretas. As empresas se uniram e formaram um cartel para dividir o mercado e ter um faturamento maior do que seria uma contratação lícita e correta? Sim. Agora elas também sofreram assédio de funcionários das estatais. Se não houvesse a contribuição, não seriam contratadas. Mas defender a tese de que as empresas foram extorquidas, não é verdadeiro. Temos uma conjunção de interesses. Falaríamos de extorsão se elas não tivessem o grande benefício que tiveram. Quando o contrato era firmado, além do direcionamento entre as empresas, já era embutido nas contratações os valores usados para pagar os agentes públicos e também para aumentar o rendimento das empresas. Não tem vítima nesse processo inteiro, todos ganharam de alguma forma. Quem perdeu foi o Estado.

Dentro da Petrobras, além do setor de Comunicação, há outras áreas que poderão ser averiguadas?
Sim. O problema é que a Petrobras fecha milhares de contratos anualmente . Temos de trabalhar com prioridades. O foco, até agora, foi em três diretorias (Abastecimento, Serviços e Internacional). Provavelmente, vamos ter de expandir para todas as diretorias e todas as grandes contratações da empresa. A área de Comunicação Social é de orçamento alto e surgiram indícios preliminares. Temos ainda a diretoria de Óleo e Gás. Se o modelo de contratação funcionou dessa forma (cartelizada) nas outras três diretorias, é provável que seja assim também nessa quarta (Óleo e Gás). Mas isso a investigação vai ter de mostrar. 

As delações premiadas feitas na Lava-Jato estão no meio de um debate entre apoiadores e críticos. Como avalia?
As delações têm um papel muito importante, embora se questione o valor delas. Tirando raras exceções, todos os depoimentos são corroborados por material apresentado pelo delator ou já constante na investigação: planilhas, contratos, documentos extraídos de e-mails, arquivos em nuvem, tratativas para pagamento e recebimento, transferências bancárias, abertura de contas, uso de cadastro de laranjas. Uma série de documentos. A delação era pouco difundida antes e foi explorada ao máximo agora. Estamos em 14 delações. Até em função de a operação ser bem fundamentada, com material probatório forte, os próprios investigados veem como alternativa de tentar minimizar a pena. A tendência é de que tenhamos mais.

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A delação do Ricardo Pessoa, presidente da UTC, seria relevante pelo papel dele na organização?
Sim. Ele era o chamado presidente do clube das empreiteiras. Mas até agora não temos nada de concreto. Ele falou com a gente, teve algumas tratativas com o MPF, mas a negociação está muito difícil. Não está avançando e já se desenrola por alguns meses.


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