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Em Cachoeirinha

Comunidade terapêutica completa quatro anos com bons exemplos

A Reviver é a única do Brasil a ser criada e mantida exclusivamente por uma prefeitura

15/04/2015 - 07h05min

Atualizada em: 15/04/2015 - 07h05min


Jeniffer Gularte
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Félix Zucco / Agencia RBS
Cuidar das plantas ajuda na recuperação de Eriton

Em uma área de 12 hectares no Bairro Distrito Industrial, em Cachoeirinha, nasceu a chance de recomeço para dependentes químicos do município. A Comunidade Terapêutica Reviver, destinada a homens acima de 18 anos, completou quatro anos neste mês com o mérito de ser a única instituição nesse perfil no Brasil criada e mantida exclusivamente por uma prefeitura.

O próximo desafio é conseguir dobrar de 30 para 60 as vagas de atendimento

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, que mantém o projeto Observatório do Crack, criado para atender às demandas municipais sobre o tema, não há conhecimento, no país, de outra instituição nestes moldes. De acordo com a coordenadora do projeto, Mariana Boss Barreto, estas instituições normalmente são mantidas com contrapartidas do Estado, de igrejas ou do governo federal.

Recuperados chegam a 40%

A Reviver oferece nove meses de tratamento gratuito, com equipe de servidores municipais formada por psiquiatra, clínico geral, psicólogo, assistente social e monitores. Consultor de dependência química, monitores e técnico agrícola também dão apoio aos internos.

O tratamento envolve aceitação da doença, resgate da pessoa e ressocialização com a família. O índice de recuperação chega a 40%: dos 140 internados que concluíram o tratamento, 60 que não recuaram ao consumo. Até hoje, 240 pessoas já passaram pelo local.

Como os servidores são do município, os gastos com a manutenção da comunidade são apenas com energia elétrica, água e alimentação. O imóvel foi adquirido pela prefeitura por meio de permuta com uma empresa.

Para dobrar o número de vagas ofertadas, a prefeitura aguarda a liberação de recursos obtidos por meio da Consulta Popular de 2014. São R$ 1,5 milhão para ampliar a casa e comprar equipamentos. A preocupação, porém, é de que as dificuldades financeiras do Estado dificultem e atrasem o repasse.

Contato com a família é treino para o perdão

Na comunidade, o tempo é ocupado com um rodízio de tarefas que envolvem produção de pão, cuidado com pomar, horta e flores, que vão para os canteiros da cidade. Os alimentos são encaminhados ao restaurante popular do município.

De acordo com o prefeito de Cachoeirinha, Vicente Pires, o objetivo é fazer com que o paciente se sinta produtivo.

- No começo, o usuário acha que tem a razão, mas ele precisa se render para as novas ideias. Precisa sentir o gosto de viver uma vida limpa de novo - diz Vicente, que é ex-depende químico, recuperado há 18 anos.

O contato com a família é feito por meio de cartas semanais, um processo que, em muitos casos, envolve retomadas de laços afetivos destruídos pela droga. Também ocorrem visitas mensais de familiares. O objetivo é prepará-los para lidar com o interno.

- A família também adoece junto, então, trabalhamos com o perdão. Há cartas que, no começo, ficam sem respostas, mas, com o tempo, os familiares começam a dar retorno - explica o coordenador da comunidade terapêutica, Celso da Silva.

A descoberta do prazer de lidar com a terra

Para driblar a ansiedade, Eriton Henrique Ribeiro, 24 anos, mexe com a terra, planta flores na estufa e aprende a manejar sementes. Ao mesmo tempo, tenta transformar a própria vida.

Garçom, chegou a morar na rua. Usuário por dez anos, está internado há três meses e já descobre novos prazeres:

- Isso aqui está mudando a minha vida. Lidar com a terra é o que mais gosto. Estou reaprendendo a falar com a família, porque eu estava dentro de casa, mas nem falava com eles. Tu vais perdendo tudo para a droga. Hoje, me sinto mais cidadão.

O técnico agrícola João Paulo Scaramussa, 62 anos, explica que os internos aprendem a transformar lixo orgânico em adubo e levam mudas para plantar em casa.

Bom-dia que significa muito

Mauricio Trindade, 22 anos, acabou na semana passada o tratamento na Reviver. Procurou ajuda após cinco anos de consumo de cocaína e maconha, ser preso por assalto e perder o vínculo com a família. Para ele, aceitar a doença foi o mais difícil:

- O ambiente aqui é maravilhoso, consegui me conhecer de novo. Agora, sei que a vigília é eterna.

O jovem ganhou peso, voltou a recuperar a higiene pessoal e a vaidade. Nas visitas que fez à família, na última fase do tratamento, percebeu que carinho não irá faltar no seu retorno para casa.

- Na primeira visita que fiz, no dia que acordei na casa da minha mãe, dei bom-dia e ela começou a chorar. Ela nunca tinha recebido um bom-dia meu - relata Mauricio.

Quem pode participar

- A Comunidade Terapêutica Reviver é destinada apenas a moradores de Cachoeirinha.
- São atendidos somente homens acima de 18 anos.
- O ingresso inicial se dá via unidades básicas de saúde ou Centros de Referência de Assistência Social (Cras) do município.
- Para ingressar no local é preciso frequentar grupos de mútua ajuda e passar por uma avaliação sociofamiliar e clínica.
- No caso de mulheres e adolescentes, a prefeitura mantém convênio com o município de Montenegro, para onde estes pacientes são encaminhados.

Quatro anos depois, uma sensação de vitória

O construtor Fernando Henrique da Trindade, 37 anos, chegou a gastar R$ 26 mil em um ano para manter o vício.

Há quatro anos limpo, Fernando foi um dos primeiros internos que tiveram êxito no tratamento. Hoje, coordena um dos grupos de autoajuda.

- O fundo do poço foi quando minha filha, então com quatro anos, disse para minha esposa: 'mãe, não briga com meu pai, ele está doente".

Livre das drogas, ele refez a família e voltou a trabalhar.  


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