Devagar quase parando
Apenas 11 quilômetros de ciclovias estão em construção nas 20 maiores cidades do RS
Somada, malha cicloviária dos municípios gaúchos mais populosos é de 140 quilômetros, menos de um terço da existente apenas na capital de São Paulo
Se em Porto Alegre a construção de ciclovias anda em marcha lenta, no Estado está praticamente estagnada. Um levantamento feito por ZH junto aos 20 maiores municípios gaúchos (que totalizam quase metade da população estadual) mostra que apenas seis cidades estão ampliando sua malha cicloviária - a soma chega a 11,22 quilômetros de ciclovias em obras. Na média, dois quilômetros por município.
Esse valor representa um crescimento de 8% no total de vias destinadas a bicicletas, que, hoje, estão espalhadas por 140,2 quilômetros. A título de comparação, a extensão da malha cicloviária dos 20 municípios gaúchos mais populosos é menos de um terço da que existe somente na cidade de São Paulo, que conta com 468,7 quilômetros de ciclovias, ciclorrotas e ciclofaixas operacionais de lazer.
Porto Alegre é a penúltima de 20 capitais em extensão de ciclovias
A cidade gaúcha que apresenta maior extensão de ciclovias é Pelotas, com 29 quilômetros - superando a Capital, que tem 25 quilômetros. Lá, não há quilômetro algum em obra.
O que há, nessas duas dezenas de municípios, são promessas a longo prazo. Até o final do ano que vem, quando se encerra os mandatos dos atuais prefeitos, a intenção é construir 198,3 quilômetros de ciclovias. Isso significaria uma média de 10,4 quilômetros por mês, contando desde junho deste ano até dezembro de 2016.
No infográfico abaixo, navegue pelas abas e descubra em que posição cada um dos 20 municípios está de acordo com cada tema:
Doutora em Mobilidade pela Universidade de São Paulo (USP), Maria Ermelina Brosch Malatesta, sem conhecer individualmente a realidade das cidades gaúchas, aponta o que chama de principal problema: a falta de vontade política para investir em mobilidade não motorizada. Mas ela também cita um motivo que, se não está por trás, corrobora para a desvalorização da bicicleta: a atitude passiva da população.
- Para haver vontade política, é necessário também que haja manifestação e pressão da sociedade - sustenta Maria Ermelina.
-O político depende do voto e vai investir em ciclovia se for cobrado para isso. É uma máquina que funciona com engrenagens de vontade.
É o que aconteceu com São Paulo, que, em um ano, construiu mais de 200 quilômetros de ciclovias. Começou com a pressão de cicloativistas, que foi correspondida pelo prefeito Fernando Haddad e, como uma bola de neve, a malha cicloviária se esparrama na maior cidade do país, que também tem a maior frota de carros. Uma pesquisa do Ibope mostrou que a capital paulista registrou aumento de 50% no número de pessoas que utilizam a bicicleta como como meio de transporte diário.
- Por onde começar? É uma pergunta difícil. Tem que conhecer as características da cidade, quem é o usuário em potencial, qual via é a mais adequada, tudo tem que ser estudado. E aí, mãos à obra - propõe Maria Ermelina.
Começar é o que seis dos 20 municípios pesquisados terão de fazer, pois têm zero quilômetro de pista para bikes. Cinco deles estão localizados na Região Metropolitana - Gravataí, Viamão, Alvorada, Cachoeirinha e Sapucaia do Sul. O sexto é Erechim, no Norte.
A Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), responsável pela elaboração de projetos que integrem áreas urbanas de diferentes municípios, garante que uma das prioridades do órgão é captar recursos para investir em mobilidade urbana. Segundo o arquiteto da Metroplan João Salvi, projetos que somam 80 quilômetros de ciclovia já foram enviados para a Caixa, visando a liberação de financiamento via Ministério das Cidades.
- Tenho a sensação de que a mobilidade urbana foi impactada pelos protestos e pelo colapso do trânsito e, agora, o governo federal está investindo e cobrando isso. A expectativa é de que esse horizonte mude - avalia Salvi.
Para o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e prefeito de Tapejara, Seger Menegaz, o principal entrave é financeiro:
- Projetos (de ciclovias) e boas intenções nós temos, mas falta fonte de financiamento. Com os cortes do governo federal e do Estado, ficamos de mãos atadas.
Segundo levantamento da Famurs, a capacidade de investimento das prefeituras gaúchas é, em media, de 6% a 8% do orçamento. É o que sobra descontando os gastos fixos do Executivo, e precisa ser distribuído entre conservação de ruas, troca de lâmpadas e projetos variados.
- Nesse cenário, que deve ficar ainda pior neste ano, a inovação, a modernidade está ficando para trás - conclui Menegaz.
Bagé é, proporcionalmente, a cidade com mais ciclovia por habitante
Prefeitura de Bagé transformou linha férrea desativada em ciclovia
Foto: Renan Camarg/Divulgação
Com 121,5 mil habitantes, Bagé é a 17ª maior cidade do Estado. No entanto, quando se divide os quilômetros construídos de ciclovias pelo número de moradores, o município da Campanha sobe para o primeiro lugar, com uma média de 17,3 quilômetros para cada 100 mil habitantes. Bem à frente da segunda colocada, Guaíba, com média de 10,1 km/100 mil habitantes, e da terceira, Pelotas, com 8,4 km/100 mil habitantes. Porto Alegre aparece na ponta de baixo do ranking. Com 1,7 km/100 mil habitantes, a Capital é a terceira pior por colocada entre as cidades com ciclovia.
Segundo o secretário de Transportes de Bagé, Paulo Thomas, o investimento em vias exclusivas para ciclistas não é novo no município - vem de cerca de 15 a 20 anos -, mas tem sido uma preocupação cada vez maior.
- É claro que precisamos lidar com as condições locais, mas estamos sempre de olho no que outros países estão fazendo, e o uso de bicicletas é uma tendência mundial. Por isso, pensamos, em cada nova rua ou revitalização de via, em como poderíamos adaptar uma ciclovia - afirma Thomas.
A malha cicloviária de Bagé é dividida em quatro eixos e, por enquanto, está mais presente em bairros afastados do Centro. Já estão em obras 1,7 quilômetro, e outros 2,5 quilômetros devem ser entregues até o final do mandato (2016), interligando as ciclovias existentes e prolongando-as até o Centro. Todas com recursos municipais, provenientes do estacionamento rotativo e de multas.
Uma das iniciativas mais interessantes do município é que uma linha férrea desativada virou ciclovia, com cerca de dois quilômetros de extensão. Trata-se do aproveitamento do espaço público.
- A antiga administração retirou os trilhos e, aproveitando o trajeto plano, apenas asfaltou e sinalizou. Era um caminho que estava pronto e que foi reaproveitado - explica o secretário.
Um trabalho paralelo que vem sendo desenvolvido pela prefeitura é a conscientização da população sobre o espaço exclusivo para ciclistas. Por "falta de costume", segundo Thomas, muitas pessoas aproveitam o local plano e seguro para fazer caminhadas e até andar a cavalo - o que, em Bagé, é bastante comum.
Com zero quilômetro de ciclovia, Alvorada ainda prioriza asfaltamento
Alvorada não tem nenhum km de ciclovia e nem previsão de ter
Foto: Lauro Alves
Sem ciclovia, sem obra, sem projeto, sem Plano de Mobilidade Urbana. Essa é atual situação de Alvorada, na Região Metropolitana, 11º município gaúcho em número de habitantes, com um total de 205,6 mil moradores. A principal justificativa apontada pela prefeitura é que a prioridade local é a pavimentação de ruas.
- É evidente que gostaríamos de ter ciclovia, mas a nossa situação é diferente da dos vizinhos. Precisamos investir em infraestrutura que as outras cidades já têm antes de pensar em ciclovia - justifica Charles Scholl, secretário adjunto geral de governo.
Conforme ele, Alvorada tem uma malha viária com cerca de 600 quilômetros. Porém, somente 25% têm algum tipo de pavimentação.
Assim, por enquanto, o assunto ciclovia não ultrapassa a fronteira dos debates. Atualmente, está em discussão no Conselho da Cidade, que reúne prefeitura e representantes da sociedade. Um dos principais objetivos é encontrar fontes de investimento - já que a prefeitura não tem condições.
- Por termos PIB baixo, temos um orçamento municipal menor. E como a população é mais pobre, depende mais de serviços públicos, o que acaba consumindo com o orçamento. Não temos recurso para fazer pavimentação, por exemplo. Então todos os projetos buscam recurso externo, a gente entra com contrapartida - explica Scholl.
O PIB de Alvorada supera em quase R$ 30 milhões o de Bagé - que é a cidade gaúcha, proporcionalmente ao numero de habitantes, com mais ciclovias. No entanto, conforme Scholl, o PIB per capita de Alvorada é muito mais baixo: R$ 8.599, contra R$ 14.252 de Bagé. Os moradores "dependem mais do município" e "não sobra verba para investir".
ZERO HORA