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Na ponta dos dedos

Barbeiro de Porto Alegre pinta quadros sem usar pincéis

Cinquentenária barbearia do Bairro Navegantes abriga mais de 200 quadros

10/06/2015 - 06h03min

Atualizada em: 10/06/2015 - 06h03min


Tadeu Vilani / Agencia RBS

É dentro de uma cinquentenária barbearia do Bairro Navegantes, na Zona Norte de Porto Alegre, que os dedos ágeis de Dante Dalpian Machado, 74 anos, transformam pedaços velhos de laminado em obras de arte. Há três anos, por acaso, o barbeiro descobriu-se pintor de quadros. Hoje, tem mais de 200 deles guardados na saleta de 9 metros quadrados onde mora e atende os clientes.

Nas primeiras tentativas de inspiração, usou o batom vermelho de uma amiga para rabiscar os azulejos da própria barbearia. Os dedos e as unhas serviram para finalizar o trabalho. Por três meses, Dante os protegeu até secar a pintura. Hoje, eles fazem parte da decoração do ambiente.

- Não tive inspiração, simplesmente aconteceu. Fiquei cinco meses pintando com batom nos azulejos. Um dia, usei tinta. Depois, decidi tentar nos laminados que eu achava na rua. Nunca mais parei - conta.

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Garantindo jamais ter feito algum curso de pintura ou entrado numa galeria de arte, Dante usa cores primárias - amarelo, vermelho e azul. Nenhum quadro fica igual ao outro. Nenhum tem nome.

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O favorito dele fica em destaque na sala. No quadro, está o rosto daquela que considera o grande amor de sua vida: Aline, uma ex-namorada que foi embora para o Interior. O barbeiro chora ao recordar a história e revela ter sido esta a última pintura feita, há quatro meses.

Como em um transe, surgem os traços

Dante pinta na solidão, sempre pelas manhãs. Confessa ter dificuldades para produzir na presença de outras pessoas. A concentração é tanta que, se estiver pintando, não vê ninguém. É como se Dante ficasse em transe quando está produzindo. Desafiado pela reportagem do Diário Gaúcho a pintar na frente das câmeras, relutou por medo de não conseguir.

Porém, quando já se despedia da equipe, pegou um resto de laminado e tintas. E calou-se. Apenas os dedos da mão direita movimentavam-se para cima e para baixo. As unhas riscavam os traços em linhas retas. Na mão esquerda, um pedaço de pano deu os retoques necessários.

Em 15 minutos, surgiu a imagem do que parecia ser uma floresta ao anoitecer. Só então, Dante voltou a falar:

- Foi a primeira vez que pintei na frente de outras pessoas. Acho que meu dom é meio divino.

Viúvo há quatro anos, o barbeiro vive sozinho no estabelecimento aberto pelo pai. Os quadros do artista ainda desconhecido estão espalhados pelas paredes e guardados até embaixo da cama.

Fazer uma exposição na Usina do Gasômetro é o maior desejo do barbeiro. Mesmo faltando apoio e divulgação, lhe restam os sonhos em ajudar necessitados:

- Meu desejo é que, quando eu morrer, alguém cuide dos meus quadros, os venda e dê a renda para um asilo.

A barbearia de Dante fica na Rua Arabutã, 84, Bairro Navegantes, em Porto Alegre. Fone: (51) 9342-3313




*Diário Gaúcho


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