Porto Alegre
Novo plano da prefeitura não atende às principais queixas da população de rua
Lançamento do Atenção Pop Rua ocorreu um dia depois de seminário em que moradores de rua expuseram reivindicações
Ainda em 2015, a população de rua que cresce a olhos vistos em Porto Alegre poderá contar com mais 300 novas vagas em albergues, repúblicas, hotéis e casas de convivência, 24 profissionais de saúde dedicados exclusivamente ao atendimento de quem mora em vias públicas e 600 refeições diárias disponibilizadas no Restaurante Popular, que deve ser reativado depois de dois anos.
Mas, apesar dos números - que representam um aumento de 27% na rede de atendimento - o programa Atenção Pop Rua, lançado nesta quarta-feira pela prefeitura, não dialoga com as principais reivindicações dessa população na Capital.
- Sabemos que essa população é crescente, e com um perfil diferente: há mais famílias, expulsas de suas comunidades pelo tráfico de drogas. Mas, na prática, o plano não deve mudar muito que já é feito em Porto Alegre há alguns anos - esclareceu, em seu discurso, o prefeito José Fortunati, que não divulgou o orçamento do programa.
A solenidade no Paço Municipal, onde os moradores eram menos de meia dúzia, entre dezenas que assistiam à cerimônia, ocorreu um dia depois de um seminário organizado pela Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal para discutir as reivindicações dessa população. E mostrou que as propostas da prefeitura ainda estão longe dos anseios dos moradores, que somam mais de 1,3 mil, segundo o último levantamento da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), de 2011.
Seminário para discutir a situação da população de rua lotou o plenário Ana Terra
Foto: Tonico Alvares, Divulgação
Durante o evento, que lotou o plenário Ana Terra na terça-feira, muitos deles expuseram problemas a uma mesa composta pelos vereadores Fernanda Melchionna (PSOL), Alberto Kopittke (PT), Sofia Cavedon (PT), por defensores públicos e por representantes das secretarias de Direitos Humanos e Meio Ambiente, do Departamento Municipal de Habitação (Dmhab), da Fasc e da Brigada Militar. As reclamações recaíam sobre os mesmos temas: violência policial, remoções articuladas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) e dificuldades no acesso a programas habitacionais.
- Dizem que a Smam não faz remoções, mas, no mesmo dia que fizemos reunião (com a Cedecondh, meses atrás), na mesma hora, teve uma remoção na Praça da Matriz, onde tiraram documentos e remédios das pessoas - disse um dos participantes do evento.
Após outros relatos de remoções, vários deles questionando a retirada de pertences e documentos, o representante da Smam, Léo Bulling, e o secretário de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio, reconheceram o erro na atuação com os moradores da Matriz. Negaram, porém, terem sido informados previamente da atividade.
- Eu não sabia que teria aquela ação. É preciso informar a maioria da sociedade, que ainda tem uma ideia diferente sobre a população de rua, e que reclama, que as pessoas não estão ali porque querem. A remoção tem que ficar no passado - disse o secretário.
O discurso do titular dos Direitos Humanos contradiz o que defendeu o prefeito José Fortunati na apresentação do novo plano, elaborado por equipes técnicas da Fasc e da Secretaria de Saúde. Depois da cerimônia, que não contou com representantes da Smam e da Brigada Militar - dois dos órgãos com as atuações mais criticadas na Câmara -, Fortunati destacou que a prefeitura trabalha na humanização das abordagens, mas não deve parar com as remoções.
- A Brigada é mais difícil de articular, porque está em outra instância, mas os outros órgãos já estão trabalhando nisso, e as últimas abordagens estão sendo feitas com o acompanhamento dos Direitos Humanos. Mas não vamos permitir que simplesmente os espaços urbanos sejam tomados - disse.
Em relação às políticas habitacionais, que estão entre as prioridades listadas pelo Ministério Público em 2014 - até janeiro deste ano, nenhuma delas havia sido cumprida pela prefeitura -, está prevista uma mudança no formato do Aluguel Social, benefício temporário de R$ 500 mensais para moradia. O programa, que já é utilizado por essa população, terá 50 cotas por mês destinadas exclusivamente a pessoas que querem deixar as ruas.
Os entraves no Aluguel Social também foram pauta no seminário realizado Câmara Municipal. Defensor público federal, Geórgio Endrigo Carneiro da Rosa distribuiu fichas cadastrais durante o evento para ingressar com um requerimento coletivo do benefício.
- Primeiro, nos disseram que o Demhab não tinha vagas, mas o departamento negou. Entendemos que a falta de moradia dificulta o acesso a outras políticas e ao emprego - disse o defensor, que planeja ingressar com uma ação civil pública caso as solicitações não sejam atendidas.
No novo plano, o município se compromete, ainda, a cumprir os 3% de unidades do Minha Casa, Minha Vida que devem ser destinados à população de rua - também listados pelo MP -, mas são barrados, entre outros, por problemas de comunicação entre a Fasc - que recebe as demandas - e o Demhab - para onde elas devem ser encaminhadas.
- Precisamos fortalecer a rede para superar isso. Mas essas questões (comunicacionais) passam. (O novo plano) é uma provocação, inclusive, para articular os trabalhadores das diferentes áreas. Não é de um dia para o outro - justificou o presidente da Fasc, Marcelo Soares.
A Fasc prepara, ainda para este ano, um novo levantamento da população em situação de rua em Porto Alegre. Segundo estimativa da Cedecondh, o número de pessoas vivendo em vias públicas da Capital já estaria em torno de 3 mil.