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Afeto e trabalho

Lei dos Domésticos deve tornar mais profissional a relação entre patrão e empregado

Sancionada em junho, maioria dos novos direitos assegurados passam a valer, de forma integral, a partir do dia 29

05/09/2015 - 10h03min

Atualizada em: 05/09/2015 - 10h03min


Mateus Bruxel / Agencia RBS
Marizete (centro) hoje ajuda na criação dos filhos de Desirée (em pé), depois de ter sido doméstica na casa dos pais da atual patroa

Até há pouco sem cobertura trabalhista, a situação dos trabalhadores domésticos vem sofrendo mudanças nos últimos anos. A principal foi a regulamentação da chamada PEC das Domésticas, sancionada em 1º de junho pela presidente Dilma Rousseff. Como a maioria das mudanças tem prazo de 120 dias para vigorar (a contar da data da sanção), os novos direitos assegurados aos domésticos - que também representam novas obrigações para os empregadores - passam a valer, de forma integral, a partir do dia 29.

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Se antes ajudar na criação dos filhos era uma tarefa habitual da doméstica, em uma relação que Maria da Graça Marchina, da PUCSP, define como "uma promiscuidade entre o trabalho e o afeto", a tendência é de que, agora, os laços fiquem mais formais.

- As trabalhadoras vão ter mais poder de barganha, e esse aspecto mais emocional tende a diminuir. É claro que não é simples. Uma vez que você se insere em um círculo familiar, é impossível ficar indiferente ao que ocorre dentro dele - diz o sociólogo Jefferson Freitas, que estudou o cotidiano do trabalhador doméstico em sua dissertação de mestrado.

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A ternura que se estabelece entre uma criança e alguém que cuida dela diariamente (quando os patrões saem para trabalhar, é a doméstica quem lida com comida, banho e brincadeira) é comum a várias gerações de trabalhadoras.

- Em busca de uma vida melhor, muitas mulheres deixavam, e ainda deixam, os filhos no Interior, aos cuidados de outra pessoa. Então, o afeto "físico" que não conseguem direcionar aos seus próprios filhos é transferido para o da patroa. Normal se apegar - revela a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira.

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A nova lei, para ela, é uma garantia de que o trabalhador doméstico, ao exigir seus direitos, não seja acusado pelo patrão de ingratidão - como costuma ocorrer hoje nas relações trabalhistas alinhadas apenas pela confiança.

- Quando as pessoas trabalham fora, as domésticas são os olhos delas dentro de casa. Não dar valor a isso as frustra, as faz perder a estima, a identidade, principalmente quando já estão mais velhas e precisam se aposentar - salienta a advogada Beatriz Vasconcelos, que trabalhou com a categoria junto à ONG Themis Gênero e Justiça e à Entidade das Nações Unidas para Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres.

O receio do desemprego

De acordo com Renato de Oliveira, sociólogo e professor da Univates, não é só o trabalhador doméstico que pode ser prejudicado nesta relação desarranjada, até então, pela ausência da lei. Ao passo que o empregador cobra fidelidade, também o trabalhador pode se utilizar desta relação de submissão para, na hora de buscar a solução de conflito, "dar o troco", acionando a Justiça:

- É um atraso social que parte do pressuposto de que o trabalhador é um sujeito incapaz, que precisa da tutela do Estado, e, por outro lado, que o empregador é um escravocrata em potencial.

Um dos medos que acometem a categoria a partir da validade da nova legislação é o do desemprego. O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, afirma que, sim, tem havido demissões, mas, proporcionalmente, aumentado o número de empregados com carteira assinada, hoje correspondente a apenas um terço dessas relações de trabalho:

- Na nossa avaliação, é preferível ter 2 milhões de pessoas com carteira assinada do que 4 milhões sem direito nenhum.

Avelino, autor do livro O Futuro do Emprego Doméstico no Brasil, aponta que, em 10 anos, o serviço no país vai se equiparar ao que ocorre na Europa e nos EUA: a mão de obra vai escassear, a procura será maior que a oferta e os custos para manter o trabalhador doméstico aumentarão.

- Em um país desenvolvido, ter doméstica cinco dias por semana é privilégio da classe média alta ou da classe alta - afirma.

Com a lei, considerada por Avelino justa, o serviço doméstico deve perder, pelo menos um pouco, os ares de subemprego. O presidente do instituto deixa o alerta:

- Não é porque o trabalhador doméstico tem direitos que ele vai deixar de ser confiável.

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