Atendimento à infância
68% dos conselheiros tutelares eleitos em Porto Alegre integram partidos
O Diário Gaúcho traça um perfil dos 50 novos conselheiros eleitos na Capital
Entre os 50 novos conselheiros que tomam posse em janeiro nas dez microrregiões de Porto Alegre, 34 têm fichas em partidos políticos, ou seja, 68% deles. A maior parte é do PDT (14), partido do prefeito, José Fortunati, atualmente licenciado da sigla. Em segundo lugar, está o PT, com dez filiados. Os conselhos tutelares estão vinculados administrativa e financeiramente à prefeitura.
Eles foram escolhidos no início deste mês, numa disputa que envolveu 210 candidatos, e vão receber R$ 5,1 mil por mês para atuar como defensores dos direitos das crianças e adolescentes. O mandato é de quatro anos. Entre os 50, 26 já foram conselheiros e 24 serão pela primeira vez.
Saiba quem são os 50 novos conselheiros tutelares eleitos em Porto Alegre
Em sua maioria, a cara nova do Conselho Tutelar de Porto Alegre é formada por profissionais que já realizam trabalho junto às comunidades onde foram eleitos: há agentes de saúde, profissionais do programa Ação Rua e de ongs que atuam a favor da infância.
Nas últimas duas semanas, o DG conversou com os conselheiros eleitos* e com representantes da área da infância e da juventude, para avaliar a importância desse número significativo. E mais: como isso pode influenciar no trabalho para combater situações de direitos ameaçados ou violados e na fiscalização de entidades que trabalham com a infância.
* Rafael Conceição Barros, da microrregião 7, não quis falar com a reportagem por telefone. E Sergio Luis Mendes Fraga, da micro 6, e Thiago Brozoza, da 2, não atenderam às diversas ligações.
Entenda como é o trabalho de um conselheiro tutelar
Vitrine ou efeito da democracia
O número de conselheiros tutelares com fichas em partidos políticos vem aumentando em Porto Alegre, assim como no Brasil. Luciano Betiate, autor de extensa bibliografia sobre conselhos tutelares e ex-conselheiro no Paraná, destaca:
- Há duas vertentes: pessoas estão mais politizadas e entendem que militar pela infância é importante. Já outros pensam em ser candidato a vereador, veem o conselho como vitrine. Não dá para negar essa mistura da política com o conselho.
Dos 50 conselheiros que começam a trabalhar em 2016 na Capital, 34 têm fichas em partidos políticos. A maior "bancada" é do PDT, com 14 filiados. Em 2004, reportagem semelhante do jornal Zero Hora apontou que, dos 40 conselheiros daquela época, 19 eram filiados - a maioria do PT, com oito, e, em segundo, o PDT (quatro).
O presidente da Associação dos Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares do Estado (Aconturs), Rodrigo Farias, ficou surpreso com o número. Acreditava que fosse ainda maior:
- Faz parte do processo democrático que é a eleição ter vinculação partidária. O que não pode é isto interferir na função de conselheiro, no dia a dia com as crianças.
Apenas um admite interesse
Afirmar que não se mistura ideologia partidária ao trabalho no conselho é discurso comum entre os novos conselheiros.
Dos entrevistados pelo Diário Gaúcho, apenas um admitiu que a atuação pode ser vitrine para uma futura candidatura política, como vereador, por exemplo. Filiado ao PCdoB, Cândido Ivan Ribeiro Acosta, da micro 10, já concorreu em duas eleições à Câmara.
- Tenho interesse em continuar como conselheiro, mas tem que ver como vai ser a conjuntura política no ano que vem - diz Cândido, assessor parlamentar no gabinete da vereadora Jussara Cony.
Já o conselheiro Edson Strogulski, da micro 3 e um dos fundadores do Solidariedade, acredita que quem atua como liderança comunitária durante muito tempo, como ele, acaba se envolvendo com partido político "para ter respaldo". Mas garante que não se beneficiou da filiação, pois arcou com todos os custos da campanha.
Cabos eleitorais
Não é a realidade de todos. Segundo Rodrigo, da Aconturs, partidos investem economicamente na eleição de conselheiros para ter um cabo eleitoral nas comunidades.
Mais possibilidades na campanha
Presidente da comissão eleitoral do último pleito para o conselho tutelar de Porto Alegre, Arnaldo Santos reconhece que muitos com filiação partidária têm possibilidade de investir mais na campanha e vencer a disputa, em consequência, mas argumenta que a avaliação dos requisitos para concorrer ao cargo é rigorosa.
- A responsabilidade pela escolha dos conselheiros é da própria comunidade. Independentemente de partido, o que importa é se aquela pessoa é reconhecida pela atividade que fez lá - avalia.
Repercussão
O promotor de Justiça da Promotoria de Infância e Juventude Júlio Almeida não vê problema no elevado número de conselheiros filiados.
- O problema é quando a pessoa utiliza a máquina partidária na eleição. Mas ser filiado é direito - defende Júlio.
Já o presidente estadual do PDT, o deputado federal Pompeo de Mattos, vê com bons olhos a liderança da sigla entre os conselheiros. Ele diz que o partido atua na orientação técnica dos candidatos, incentivando-os a realizar cursos na área da infância, mas que não coloca dinheiro nas campanhas.
Pompeo destaca que não dá para se "ancorar nos conselheiros para eleger vereadores", mas admite que a atuação deles tem repercussão.