Engrenagem da solidariedade
O haitiano que virou voluntário após devolver roupas levadas por engano
Como retribuição pelo gesto, voluntário do Tesourinha se ofereceu para conseguir um emprego para o imigrante
Jean Claude Milien, 30 anos, parecia não entender muito bem o porquê de tanta comoção. Na manhã da última quarta-feira, o haitiano pegou um ônibus, em Gravataí, rumo ao Ginásio Tesourinha, em Porto Alegre, para fazer o que considerava ser nada mais do que sua obrigação: entregar duas calças, novinhas em folha, ao seu dono.
- O que é meu, é meu. O que não é, devolvo - dizia ele, já em frente ao ginásio.
Óbvia para Jean, a atitude surpreendeu Roni Ferrari, 61 anos, voluntário no recebimento de doações aos desabrigados das cheias na Capital. As calças eram dele. Por engano, acabaram indo com o imigrante, entre as sacolas com alimentos e roupas que recebeu após pedir ajuda, no dia anterior. Agora, esse par de calças pode trazer a Jean aquilo que não pediu - mas que na verdade é o que mais precisa.
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O jovem chegou ao Brasil há dois anos. Trabalhou em uma indústria em Sapucaia do Sul, mas está desde agosto desempregado. Ele mora com a mulher, a também haitiana Detie, 28 anos, em uma casa simples, pela qual pagam R$ 400 de aluguel. Deixou pai, mãe, irmão e as duas filhas no Haiti - uma de seis anos, a outra, de três - e veio para Porto Alegre com um objetivo claro: ganhar dinheiro para mandar para quem deixou na terra natal.
Na manhã de quarta, Jean mal tinha como comprar pão, mas acabou ficando sem café da manhã. Gastou o dinheiro da refeição em passagens de ida e volta para devolver o que não era seu. O gesto sensibilizou Ferrari.
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- Vamos arrumar uma vaga de trabalho. A honestidade está em falta hoje em dia, e isso é o mínimo que posso fazer por uma pessoa com caráter - retribuiu o voluntário.
O encontro entre Jean e Ferrari ainda não teve o desfecho que merece - o emprego não foi encontrado. Mas desde o início a relação se mostra forte: logo após devolver as calças, o haitiano já puxava carrinhos com doações para as arquibancadas do Tesourinha, exatamente como Ferrari.
Os dois são personagens de uma engrenagem de solidariedade que sensibiliza aqueles que perderam tudo. Abrigada no ginásio durante 18 dias, Solange da Silveira, 41 anos, acredita que gestos assim se perpetuam. A dona de casa saiu do abrigo temporário para retornar à residência na Ilha Grande dos Marinheiros com uma convicção: o que vai, volta.
- Como é bom ver que, em meio a tudo o que está acontecendo, ainda tem gente de bom coração por aí. Com a solidariedade que têm, eles ainda vão receber muita ajuda - agradeceu a moradora da Ilha Grande dos Marinheiros.
#EuAjudo - COMO DOAR
- São necessários alimentos, garrafas de água, produtos de higiene (xampu, desodorante, escova de dente, absorventes e fraldas geriátricas), produtos de limpeza (sabão em pó, esponjas e panos), lonas e velas.
- Esses materiais podem ser entregues no Ginásio Tesourinha (Avenida Erico Verissimo, s/nº), das 8h às 22h, ou no Gabinete de Defesa Civil (Rua Dr. Campos Velho, 426 ), das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira.
- Doações para a reconstrução das casas (móveis, telhas, lonas e madeira) devem ser entregues na sede do Demhab (Av. Princesa Isabel, 1115), das 8h às 20h, de segunda-feira a sábado (no sábado, a entrega deve ser feita pela entrada lateral, na guarita da Rua Conde D'Eu) ou no Shopping Praia de Belas (Avenida Praia de Belas, 1181, Porto Alegre), que está recebendo doações em um espaço no lado sul do andar térreo.