Caminho do Bem
Desempregado dedica os finais de semana para escolinha de futebol em campo de terra no Morro da Cruz
Conheça a história do gari desempregado Marco Adair Lopes Pereira, o Shaolyn, que há 13 anos criou projeto social para tirar meninos das ruas
É no espaço de terra encravado numa extinta pedreira, no alto do Morro da Cruz, em Porto Alegre, que o aparador de grama desempregado Marcos Adair Lopes Pereira, 35 anos, conhecido como Shaolyn, planta esperança. Mesmo sem conhecimento técnico sobre futebol, há 13 anos ele assumiu a responsabilidade de ampliar os horizontes da gurizada da Vila Agreste.
Aos sábados e domingos, Shaolyn treina mais de 50 meninos e meninas que vislumbram um futuro melhor a partir da prática esportiva. Em meio ao esgoto à céu aberto e ao lixo jogado irregularmente nos extremos do antigo campinho da Lixa, ele motiva crianças e adolescentes a chutarem as dificuldades para longe e a acreditarem que os sonhos podem se tornar realidade quando o foco é o bem.
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Em 2014, cansado de ver o campinho pelado, como costuma dizer, o técnico de futebol forjado na vida pegou restos de mudas de grama e, com a ajuda dos guris, as plantou. A grama vingou em alguns pontos e está se espalhando pela terra vermelha.
Neste ano, pela primeira vez, o Esperança, time mirim de Shaolyn, disputou o campeonato municipal. Mesmo sem uniforme próprio - faltam condições financeiras de gravar o brasão e os nomes dos meninos nas roupas doadas - a turma chegou às quartas de final. Mais um estímulo para seguirem.
As próprias dificuldades enfrentadas - como a falta de um emprego fixo há quase um semestre e o campo de futebol em condições precárias - não desestimulam Shaolyn. Pelo contrário, a vontade de seguir é expressa nos olhos marejados quando fala orgulhoso sobre a evolução dos meninos no futebol e na vida.
Em vídeo, conheça o projeto
Responsabilidade
"Onde ver o Shaolyn tem futebol, é o que costumam dizer na vila. Comecei com 17 meninos, há 13 anos. Resolvi treiná-los para não deixá-los parados na vila, correndo risco e vendo coisa errada. Mas ganhou uma proporção maior. Foram chegando cada vez mais guris e as mães acreditando no meu trabalho. Então, aquilo criou uma 'responsa' para mim. Os guris estão com outra índole, e respeitam muito mais. Os próprios pais comentam comigo e pedem para eu conversar com eles, pois tenho mais paciência."
Lição
"Não adianta ter só talento, tem que ter garra também. Tem uns que não são bons, mas são dedicados e guerreiros. Chegam no horário. Tenho muita esperança nos guris daqui mesmo. E eu dou esta esperança para eles, de que podem ser o que eles quiserem. Ele têm que focar e querer. Estou aqui para apoiar eles, em qualquer sonho deles. Me sinto muito satisfeito e feliz. Mesmo que ninguém se torne profissional no futel, vão sair daqui com uma lição de vida. Também vão querer fazer alguma coisa pelo próximo."
Dificuldade e sonho
"Aqui é difícil. Tem barro, sujeira e os cacos de vidro. Eu limpo, peço para a prefeitura limpar. Mas não respeitam. Meu maior sonho mesmo é ter um lugar para dar condições para eles. Que pudesse levar eles, e treiná-los. Nem que eu tivesse que cuidar, plantar grama, fazer o que tiver que fazer."
Resgate
"O futebol resgata. Só em eles estarem aqui jogando e me obedecendo, já é uma bênção. Jamais vou desistir dos guris. Tenho o desejo de criar um campeonato com toda a gurizada, e a comunidade envolvida, como era nos meus tempos de criança na Vila Agreste."
Lema
"Eu até me emociono, pois meu lema é "eu vivo para servir ou não sirvo para viver". Fiz um rap que é mais ou menos assim 'eu vivo para servir ou não sirvo para viver. Porque a vida é boa, mano, é assim que tem que ser. Eu moro na favela, na minha periferia, onde passei e me criei vários dias. Dias bons, dias maus. Noite ruim, noite feliz. Pelos becos e vielas, eu me criei assim. Marcos Adair, vulgo Shaolin, guerreiro de fé que lutará até o fim."
Os conselhos do Shaolyn
1) Manter a mente ativa. Se ela estiver vazia, pode pensar apenas em coisas ruins.
2) Acreditar que fazer o bem ao próximo sempre valerá a pena, mesmo em meio às dificuldades.
3) Não desistir quando ouvir o primeiro não. Se uma porta se fecha, uma janela vai se abrir.
4) Pensar que sempre há alguém olhando o que estamos fazendo. Por isso, siga sempre no caminho do bem.