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Aluno nota 10 que morava debaixo da ponte enfrenta novos desafios

José Luiz Camboim Moni precisou deixar a escola depois de acidente da mãe, mas pretende voltar às aulas ano que vem

02/12/2015 - 03h04min

Atualizada em: 02/12/2015 - 03h04min


Fernanda da Costa
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Sobre a fita que sustenta o crachá de José Luiz Camboim Moni, 18 anos, há dois bótons pendurados. Um informa que o jovem já foi a "estrela do mês" no trabalho em um supermercado. O outro, condecora-o como "caixa 5 estrelas".

- Mensalmente, escolhem o caixa que teve mais agilidade e atendeu melhor os clientes. Já fui escolhido duas vezes em menos de um ano, por isso as estrelas - orgulha-se.

Para chegar ao posto, o adolescente teve de tirar várias pedras do caminho. Há dois anos, morava com a mãe e dois irmãos em um casebre improvisado, sob uma ponte da BR-116, em Esteio. Contada por Zero Hora em 2013, a história de José motivou ações de solidariedade. O menino, aluno nota 10 da Escola Estadual de Ensino Fundamental Ezequiel Nunes Filho, na mesma cidade, mudou-se para uma residência alugada e, um ano depois, ganhou uma casa própria

- A reportagem mudou bastante nossa vida. Até hoje recebemos ajuda, como comida e roupas - conta José. 

- Não tenho palavras para agradecer às pessoas que nos ajudaram a conseguir essa casa - completa, emocionada, a mãe do garoto, Tatiana Camboim, 37 anos.


Foto: Carlos Macedo, Agência RBS

Menino de Esteio que sonha em ser médico conhece casa que vai morar

Embora tenha sido a realização do maior sonho da família, a residência não significou a saída da pobreza. A necessidade de ajudar nas finanças fez José abandonar os estudos. Em novembro de 2014, ele pediu ao cunhado que o levasse ao Sistema Nacional de Emprego (Sine), onde se inscreveu para uma vaga em um supermercado. Foi aceito como operador de caixa em uma unidade do Nacional, em Canoas, onde virou um funcionário exemplar.

- O José nunca chega atrasado e atende bem os clientes. Tem gente que procura o caixa dele, por sua agilidade - afirma o gerente Vilson José Ferreira Rosa.

Quando começou no emprego, o adolescente tinha de acordar às 5h para ir à escola. Após as aulas, pegava um trem e um ônibus para chegar ao trabalho, cujo horário é das 13h às 22h. Em casa, só chegava depois das 23h.

A rotina pesada e as dificuldades com o novo colégio o fizeram repetir o 1º ano do Ensino Médio. Da escola onde dividia a atenção dos professores com 19 alunos em 2013, mudou-se para o Colégio Estadual José Loureiro da Silva no ano seguinte. Lá, o número de colegas dobrou, e o atendimento individual dos educadores tornou-se raro.

- Preferia o outro colégio, não me adaptei muito no novo - diz o garoto.


Fotos: Carlos Macedo, Agência RBS

Estudante que morava debaixo da ponte se muda para casa em Esteio

Acidente de trânsito comprometeu o trabalho da mãe

O adolescente chegou a se matricular novamente na instituição neste ano, mas um acidente sofrido pela mãe o fez parar de estudar. No início de 2015, um caminhão colidiu na traseira da carroça puxada por Tatiana, onde ela levava o filho caçula.

- Quando vi que o caminhão iria bater em nós, eu joguei o Jorginho para fora da carroça. Não tive tempo de pular e acabei voando para fora com a batida. Fiquei desacordada e só recuperei a consciência no hospital - lembra a catadora.

Devido à colisão, Tatiana perdeu parte dos movimentos do braço esquerdo e teve a mão invalidada. Sem condições de guiar uma carroça, a mulher começou a procurar outros empregos. Tentou vaga como varredora de rua, mas não foi aceita. O companheiro, Vanderlei de Oliveira, 54 anos, também catador, assumiu as contas da casa. Outro problema foi a chuvarada de outubro.

A casa teve o piso da cozinha arrastado pela correnteza. Por essas dificuldades, José não deixa o emprego, mas pretende retomar os estudos. O sonho de chegar a um curso superior persiste.



Nos projetos de 2016, voltar a estudar

Mesmo quando chega muito cansado do trabalho, José mantém a rotina de leitura. Pega um dos livros que ganhou de doações e lê até cair no sono. Atualmente, tem na cabeceira uma obra sobre anatomia, herdada da época em que o desejo de ser médico batia mais forte e mobilizou profissionais da Medicina a ajudarem o garoto (leia mais abaixo).

Hoje, José cogita cursar Enfermagem, uma profissão que julga mais acessível a sua realidade. O projeto é voltar a estudar em 2016 e buscar um colégio perto do trabalho, para que ele não precise perder tanto tempo em deslocamento.

Tatiana tem um plano diferente para o filho. Quer arrumar emprego para que José não precise ajudar nas finanças da casa e se dedique apenas aos estudos.

- Tem gente que não sabe pelo que o José está passando e o condena por ter deixado a escola. Eu fico muito sentida, pois sou eu a culpada de ele ter parado de estudar - lamenta a mãe.



Por ter completado 18 anos, José tem a possibilidade de cursar um programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas prefere seguir o Ensino Médio normal.

- É mais completo, no EJA eles resumem o conteúdo - afirma o garoto, em mais uma prova de dedicação.

Apesar do gosto por uma profissão na área da saúde, José não descarta buscar promoções no trabalho, onde pode chegar ao cargo de fiscal de caixa. Outra hipótese que lhe agrada é seguir carreira no Exército.

"Esse cara é um herói", diz médico que organizou rede de doações

Quando conheceu a história de José, por meio de ZH, o cirurgião cardiovascular
Alexandre Miranda Pagnoncelli decidiu organizar uma rede de doações, com o objetivo de dar-lhe uma casa. Mobilizou um grupo de médicos colorados, que não hesitou em ajudar o menino gremista. Pediu apoio à Liga Feminina de Combate ao Câncer, para que a instituição abrisse uma conta para depósitos. Milhares foram doados a José, beneficiado também com a rifa de uma camiseta do Inter autografada pelos jogadores, que rendeu R$ 16,3 mil.

O próprio adolescente contribuiu com a compra do imóvel com R$ 20 mil, que conquistou ao vencer duas provas do quadro Agora ou Nunca, do programa da Rede Globo Caldeirão do Huck, em julho de 2013.

O restante do valor para a compra da casa, que custou cerca de R$ 100 mil, veio de um único doador. O homem telefonou para Pagnoncelli e perguntou quanto faltava.

- Faltam R$ 15 mil - respondeu o médico.

- Então é isso que eu vou depositar - informou o doador anônimo.
 
A mobilização arrecadou dinheiro suficiente para dar a José e sua família uma casa própria, entregue em junho de 2014. Pintada de rosa e branco, a residência de madeira comprada em nome do adolescente tem 363 metros quadrados e fica no bairro Votorantim, em Esteio. É dividida em três quartos, banheiro, sala, cozinha e área de serviço e nem de longe lembra o barraco úmido e barulhento sob a BR-116.


Foto: Carlos Macedo, Agência RBS

Doadores estão na torcida por um futuro promissor

Pagnoncelli afirma que o desejo dos doadores é de que José volte a estudar e busque um curso técnico que o diferencie. Para o cirurgião, a história do adolescente deveria servir de incentivo a outros tantos que enfrentam as dificuldades impostas pela pobreza e pela falta de incentivos. Sobre o fato de o garoto ter dado uma pausa no colégio, o cirurgião comenta:

- José é um grande exemplo, alguém que morava debaixo da ponte e poderia estar nas drogas, mas escolheu estudar. Esse cara é um herói. Pelas boas notas, tirou a família da miséria e a colocou em uma casa própria. É um vencedor.

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