Locais sem salva-vidas
Afogamentos em águas internas crescem 116% nesta temporada
Em rios, lagoas, lagos e açudes gaúchos que não têm salva-vidas, 54 pessoas morreram nesta temporada. Um terço tinha menos de 18 anos. No mesmo período do ano passado, foram 25 vítimas
O número de mortos nas águas do Estado não cobertas por salva-vidas fez soar o alerta dos órgãos de segurança. Entre 19 de dezembro e 26 de janeiro, 54 pessoas afogaram-se em rios, lagoas, lagos e açudes - mais de uma vítima por dia. É mais do que o dobro em relação ao mesmo período do verão passado.
Mais alarmante ainda é que um terço dessas vítimas tinha menos de 18 anos. Nesta temporada, seis crianças e 12 adolescentes perderam a vida quando se banhavam ou pescavam nos balneários gaúchos.
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Coordenador de operações dos salva-vidas na Operação Golfinho, o major Julimar Fortes Pinheiro explica que, em muitos casos, as crianças estavam sozinhas na água quando o afogamento aconteceu.
- Isso nos preocupa muito: os pais têm de estar junto das crianças quando elas entram na água. Não adianta estar olhando a 30 metros de distância. As crianças precisam de alguém que as orientem até onde podem ir, que limites não exceder - reforça o major Fortes.
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Outra orientação é que os pais coloquem sempre coletes salva-vidas nas crianças e adolescentes quando eles forem praticar esportes náuticos ou passear em embarcações. Fortes cita o caso de dois irmãos, de 14 e 17 anos, que morreram afogados após a canoa em que estavam pescando virar, em Rosário do Sul, na Fronteira Oeste.
- Em 99% dos casos, o que determina a morte por afogamento é a imprudência, quando as pessoas negligenciam as regras de segurança para si ou para quem está sob sua responsabilidade - afirmou Fortes.
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Entre os casos de afogamento neste veraneio, quatro tiveram relação com a tentativa de salvar outras pessoas. São parentes que, em desespero, pularam na água para tentar resgatar, mas acabaram morrendo junto. Em Espumoso, no norte do Estado, um sargento aposentado da Brigada Militar entrou em um rio para tentar salvar o neto, de 13 anos, que estava se afogando. Nenhum conseguiu voltar.
Fortes diz que é muito difícil tentar permanecer calmo nesses momentos, principalmente quando há um familiar envolvido, mas a recomendação é entrar na água com um objeto flutuante, como uma prancha ou um isopor grande, que mantenha a vítima boiando durante o resgate. Amarrar uma corda ou um galho ao objeto flutuante também facilita o trabalho de puxá-la para fora dágua.
Já a pessoa que está se afogando deve manter-se flutuando, sem se debater muito.
- Quanto mais ela se debater, maior a possibilidade de afundar - relata o major.
O fator álcool
Perto da metade (44%) das vítimas era adulta, em sua maioria homens. Embora as estatísticas oficiais da Brigada Militar não relatem o suposto consumo de álcool pelas vítimas, o major Fortes afirma que, no caso dos homens adultos, "uma parcela bem alta dos casos de morte está associada ao consumo de bebida alcoólica". A embriaguez também se refletiria no horário em que ocorreu a maioria dos afogamentos - entre a tarde e a noite.
- Quem bebe não deve entrar na água, porque o álcool diminui os reflexos - lembra Fortes.
Número de Salva-vidas não vai aumentar
Mesmo com a alta dos afogamentos, o Rio Grande do Sul não deve ampliar o número de salva-vidas. O major Fortes afirma que o saldo de guaritas monitoradas em solo gaúcho (329 entre o litoral e as águas internas) já é superior ao de outros Estados. Além disso, o major ressalta que seria inviável formar e treinar efetivo para atuar em todos os balneários gaúchos.
- O Rio Grande do Sul é o Estado que oferece o maior serviço de atendimento aquático em uma temporada no país, mas não temos como ter salva-vidas em todas as áreas. O trabalho precisa ser focado na conscientização - defende.
Número de salvamentos caiu 46% nesta temporada
Enquanto o número de mortos por afogamento nas áreas não cobertas por salva-vidas dobrou nesta temporada, o número de salvamentos nos locais de atuação dos profissionais caiu 46%. Coordenador de operações dos salva-vidas na Operação Golfinho, o major Julimar Fortes afirma que isso é resultado de uma estratégia de prevenção, com monitoramento e orientação dos banhistas.
A queda foi impulsionada pelos salvamentos no mar, que reduziram duas vezes mais do que os resgates em água doce. Nas praias gaúchas, 1.003 pessoas foram salvas de afogamentos entre os dias 19 de dezembro de 2014 e 26 de janeiro de 2015. No mesmo período desta temporada, foram feitos 524 resgates, 48% a menos. Já nos balneários de água doce, os salvamentos passaram de 58 para 44, uma redução de 28%.
- Existe uma cultura de que o mar é mais perigoso do que os rios, mas não é verdade. Ambos são muito perigosos, o que muda é a cautela das pessoas, que acaba sendo maior no mar - diz Fortes.
A solução para a redução dos afogamentos, segundo o major, passa por uma mudança cultural.
- A necessidade mesmo é de consciência, de que as pessoas mudem seu proceder. Não é proibido ir para a água, é bom, mas é preciso tomar cuidado. A ênfase é a prudência - completa.
Até atletas têm medo
Técnico da Federação Gaúcha de Triathlon, Wilson Mattos afirma que mesmo os atletas precisam de muito treino para enfrentar as águas abertas. Antes de participar de competições, triatletas precisam ter experiência de no mínimo 10 horas de nado em águas profundas e com pouca visibilidade. Isso significa, para quem treina uma hora por semana, dois meses e meio de natação.
- Há quem nade dois quilômetros em piscina e só consiga nadar 500 metros em rios. Exige muito treinamento, pois nos rios a água é mais densa, e a respiração mais difícil - explica o especialista.
"Foram cinco minutos", diz homem que perdeu família
Foto: Cristian Iepsen, Especial
No último domingo, a tentativa desesperada de uma mãe para resgatar a filha, sumida nas águas da Costa do Arroio Grande, no interior de São Lourenço do Sul, deu fim aos sonhos da pequena Alexia Ferreira Silveira, nove anos, e também da técnica de enfermagem Tatiane Ferraz Ferreira Silveira, 32 anos.
Acostumado a fazer todos os esforços para estar sempre perto da esposa e do casal de filhos, o pedreiro Alan Castro Silveira, 34 anos, hoje amarga a dor por uma ausência momentânea que custou a perda da filha caçula e da mulher com quem era casado há 12 anos.
- Eu não ficava longe da minha família nunca. Sempre dava um jeito de levar minha mulher no serviço, estava sempre com a minha família. Foram cinco minutos - lamenta Alan.
No último sábado, a família de decidiu acampar na Costa do Arroio Grande. Era a primeira vez no local. Como era tarde, ninguém entrou na água. A família fez um churrasco e dormiu no acampamento. No domingo, depois do almoço, Alexia foi tomar banho de rio com o irmão Wesley, 11 anos. De acordo com o pedreiro, pescadores chegaram a advertir que havia uma área mais profunda. O local do acidente não tem cobertura da Operação Golfinho e não é indicado para banho.
- Tinha bastante gente dentro da água. A Alexia foi indo para o lado do arroio, eu suspeito que a correnteza tenha puxado a minha filha - opina Silveira.
As crianças já estavam tomando banho quando Alan entrou na água numa área mais profunda, para nadar. Não demorou muito, e ele ouviu a mulher gritando por socorro. Assim que Alexia desapareceu, Tatiane entrou na água para tentar salvar a filha. Ao perceber a falta da filha e a tentativa da esposa, o pedreiro também arriscou-se no arroio.
- Eu e o meu sobrinho chegamos perto da minha mulher, mas não conseguimos. Eu mal pude sair da água, dava umas braçadas, mas era muito fundo - relata.
Tatiane estava concluindo o curso técnico de Enfermagem, e Alexia cursaria o quarto ano do Ensino Fundamental. Conforme o pai, a menina era muito alegre e inteligente.
- Eu inventei esse passeio porque sabia que eles gostavam de sair. Eu sempre gostei mais de acampamento, mas elas gostavam de praia.
A dor trouxe um aprendizado:
- As pessoas que gostam de água, que vão onde tem salva-vidas, bombeiros. Teria feito a diferença no caso da minha esposa e da minha filha.