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Além do terror, Paris vive crise econômica

Ruas da capital francesa voltaram a ser tomadas por protestos. Agora, por melhores salários e contra o desemprego

13/02/2016 - 14h01min

Atualizada em: 13/02/2016 - 14h01min


BERTRAND GUAY / AFP
Protestos nas ruas refletem o pessimismo que saltou nove pontos percentuais nos últimos 12 meses

Abalados pelos mortíferos atentados terroristas do ano passado, os parisienses emergem da tragédia obrigados a enfrentar um inimigo adicional: a crise econômica. Além da ameaça jihadista, pesam sob a cabeça dos moradores da capital francesa um tímido crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) - de 1,1% em 2015 - e um elevado e constante índice de desemprego no país de 10,1%. Com o moral da população em baixa e a precariedade em alta, segundo as pesquisas de opinião e as estatísticas oficiais, a Cidade Luz luta para manter seu brilho em meio ao temor de novos ataques do Estado Islâmico (EI) e a uma situação econômica claudicante.

Após a maré de manifestações pela união nacional e contra a violência terrorista, as ruas de Paris voltaram a ser ocupadas por passeatas com reivindicações por melhores salários e contra o desemprego. Os mais recentes índices divulgados no mês passado confirmam a escassez de vagas no mercado de trabalho: expansão de 0,4% de pessoas inativas em dezembro passado, correspondente a 15,8 mil indivíduos. Ao longo de 2015, o aumento foi de 2,6%, equivalente a 90 mil. O total de pessoas sem ocupação remunerada no país soma hoje 3,59 milhões.

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O crescente desemprego ganhou já há algum tempo, inclusive, importância maior no contexto político. O presidente François Hollande condicionou sua candidatura à reeleição ao Palácio do Eliseu, no pleito de 2017, a uma reversão "crível" dessa curva ascendente. E foi certamente também pensando nisso que o chefe da nação anunciou medidas de auxílio à formação profissional no país e prepara uma ampla reforma do Código do Trabalho.

Os jovens formam um dos grupos mais atingidos pela crise. No final de 2015, o índice de desemprego entre os franceses com menos de 25 anos chegou a 25,7%, acima da média de 20% para os 28 países membros da União Europeia.

A jovem parisiense Marion C., 26 anos, formada em Direito, sentiu na pele a crise do desemprego. Diplomada aos 22 anos após cinco anos de estudos universitários, trabalhou por 30 meses como assistente jurídica no segmento de construção de prédios de escritórios, até ser demitida:

- Nos últimos anos, houve enorme queda de empregos no setor. Grandes investidores e bancos não queriam mais aplicar nesse mercado em razão da crise francesa. Fiquei sete meses desempregada.

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A experiência foi "extremamente dura", conta Marion, em parte como resultado do sentimento de exclusão social e de incompreensão:

- Foi difícil administrar o fato de estar, aos vinte e poucos anos, nessa situação de crise. Nessa idade, temos necessidade de sentir confiança em nós mesmos, de uma confirmação profissional, pessoal e social. E quando não se tem trabalho, é um pouco complicada essa construção de si mesmo - avalia.

Sinais de tempos difíceis no cotidiano da cidade

Em seu período de desempregada, Marion fez bicos em um bar para poder pagar despesas diárias e também contou com a ajuda paterna, diferentemente de "outras pessoas menos privilegiadas", que sofrem consequências maiores em situação semelhante. Ela admite só ter obtido um novo emprego em outra empresa graças a um "pistolão" - do contrário, acredita que estaria ainda atrás de trabalho.

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No cotidiano da cidade, a jovem diz notar sinais desses tempos menos auspiciosos:

- Todas as manhãs, quando saio de casa para o trabalho, passo na frente de um Monoprix (supermercado), e lá estão sempre umas 10 pessoas esperando a descarga do lixo, para poderem recuperar algum alimento jogado fora. Esse tipo de precariedade sempre existiu, mas é verdade que hoje vejo como algo mais comum.

Assentado em sua banca de jornais na esquina do Bulevar Saint-Germain, Jean-Pierre Navarret, 55 anos, é testemunha diária de uma pequena parte das tantas conversações da cidade.

- A crise perdura há tanto tempo que já nos esquecemos de quando começou - diz, em tom de filosofia popular.

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Atualmente, Jean-Pierre confessa atentar mais, "como todo mundo", aos gastos menos essenciais e diz sacrificar, por vezes, um restaurante ou um cinema. Ao mesmo tempo, relativiza e acredita menos nos reais efeitos e mais na preponderância do aspecto "psicológico" da crise no comportamento tanto de pobres como de ricos.

- Paris tem essa imagem de glamour, e, num país desenvolvido como a França, as dificuldades aumentam o medo da perda do que se tem, pela queda do nível de vida alcançado. Vivemos em sociedade, influenciamos uns aos outros, e isso, acrescido do noticiário da mídia, acentua o fenômeno do temor da crise - avalia Jean-Pierre.

Dados apontam que maioria dos sem-teto é estrangeira

No dia a dia, ele aponta, no entanto, um aumento do número de parisienses sem-teto, conhecidos pela sigla "SDF" (sem domicílio fixo):

- Havia bairros em que não se viam SDFs antes, mas hoje eles estão por todo lado.

Sua percepção é atestada pelos números. O mais recente e minucioso estudo feito pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee, na sigla em francês), em conjunto com o Ateliê Parisense de Urbanismo (Apur), registrou, no período de 10 anos a partir de 2001, aumento de 84% de SDFs na capital francesa. Em 2012, havia 28,8 mil sem-teto adultos em Paris, número equivalente a 43% do total no país. A pesquisa revelou ainda que um terço deles tinha algum tipo de emprego, e que 56% eram estrangeiros.

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Na França desde 2007, onde veio estudar o idioma local, a chinesa Wenjing Guo iniciou seu contato com a associação Aurore - em atividade desde 1871 no auxílio a pessoas em situação de precariedade e de exclusão social - para realizar um estudo sociológico sobre os SDFs e, a partir de 2012, passou a trabalhar de forma permanente na entidade. Observa a precarização recrudescida pela crise dos últimos anos e o aumento constante do índice de desemprego, além do crescente número de imigrantes no país.

- Há uma pauperização da população em geral.

O SDF não surge do nada, existe um processo que leva pessoas a uma situação extrema. Muitas delas estão perdendo suas moradias. E também somos levados a considerar cada vez mais a questão da imigração. Atendemos, crescentemente, a estrangeiros sem perspectiva de retorno a seus países. Isso alterou o nosso trabalho cotidiano. Um sem-teto já é estigmatizado, ainda mais sendo estrangeiro.

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A maior quantidade de sem-teto nas ruas da cidade é uma questão "complexa" para os parisienses, segundo sua avaliação.

- É uma presença que incomoda, porque nos lança uma imagem violenta de um mal da sociedade e nos remete a nossa impotência. Alguns dizem que se deve encontrar uma solução, e outros só os querem fora de vista, se livrar do problema, o que impede uma reflexão mais global - diz Wenjing.

Para incrementar a oferta de abrigos aos sem-teto, a prefeitura de Paris, em conjunto com a associação Aurore, vai instalar neste ano mais um centro de urgência destinado a acolher mais de 200 SDFs. O anúncio provocou alguma polêmica, pois a construção temporária será erguida às margens do Bois de Boulogne, no 16° Distrito, bairro chique da capital francesa, gerando protestos de moradores.

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Desde 1° de janeiro, é oficialmente recomendado aos restaurantes parisienses oferecer aos seus clientes o doggy bag, embalagem para levar para casa os restos da refeição inacabada. A prática é popular nos Estados Unidos mas pouco usada na França, onde é culturalmente associada à mendicidade e considerada pouco higiênica.

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A medida, adotada como uma ação ecológica e contra o desperdício alimentar, assume, sobretudo em períodos de crise, também um aspecto de poupança caseira. Vide o crescimento de alternativas cotidianas mais econômicas, como o sistema de carona partilhada, menos oneroso em relação ao uso do carro particular ou mesmo ao transporte público.

E se é verdade que recentemente os delitos diminuíram na região parisiense com o importante reforço da segurança por parte de policiais e militares no âmbito do plano antiterrorista Vigipirate, a delinquência recrudesceu no país ao longo do último ano. Em 2015, houve aumento de 7% de agressões voluntárias, de 15% de violência sexual, de 40% de sequestros, de 19% de roubos com arma em domicílio e de 29% de homicídios e tentativas de assassinato.

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Segundo pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Ifop no início de janeiro, 58% dos franceses se dizem pessimistas em relação ao futuro, crescimento  de nove pontos percentuais em relação a igual mês do ano passado. A sondagem revelou ainda que oito de cada 10 franceses manifestam desconfiança na luta contra o desemprego e no aumento de seu poder de compra.

Na contramão, o livro Paris É uma Festa, do escritor americano Ernest Hemingway (1889-1961), catapultado ao topo de vendas após os atentados de novembro passado, permanece como um dos títulos mais procurados nas livrarias do país.
Apesar da crise e da ameaça terrorista, a capital francesa resiste ao medo e ao desencanto, e os parisienses não desertam dos terraços de seus cafés.

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