Notícias



Prepare a carteira

Crepes e churros gourmet mudam cara e preços dos lanches de praia

Onda gourmet traz novos ingredientes aos tradicionais quitutes do Litoral gaúcho, que agora podem custar até três vezes mais

07/02/2016 - 14h41min

Atualizada em: 07/02/2016 - 14h58min


Erik Farina
Erik Farina
Enviar E-mail
Churros gourmet custa R$ 7, enquanto os normais saem por R$ 3

Cedo ou tarde iria acontecer. O raio gourmetizador caiu no Litoral Norte. Os crepes no palito, de massa rechonchuda e fumegante, agora concorrem com variedades francesas, de crosta fininha cuidadosamente engomada e servida com filé mignon, cebola caramelizada e queijo gorgonzola. Os singelos churros de carrocinha brigam com modelos cobertos de Nutella, raspas de chocolate belga e castanhas do Pará.

Não há crise que segure: inventores da cozinha estão desmanchando e reconstruindo o que parecia ser a versão final das guloseimas de praia.

– É mais caro, mas a gente passa o ano cuidando para não gastar muito, então chega as férias e quer se dar ao luxo de aproveitar os prazeres da vida – decreta a professora Luciana Krummenauer, que dividia uma mesa com o filho Bruno e o marido Alex em uma gelateria italiana de Xangri-Lá, cada um com seu cascão de R$ 12.

Professora Luciana Krummenauer, o filho Bruno, e o marido Alex optaram por uma gelateria italiana de Xangri-Lá

É uma frase que resume um mercado que tem aberto os braços – e a carteira – para petiscos chiques. O cremoso sorvete reestilizado, com sabores naturais de frutas, custa duas vezes mais do que um cascão em uma sorveteria tradicional da cidade.

Leia mais:
Confira dicas para manter-se saudável no verão
Pau de selfie e carrega-tralha ainda são moda no Litoral
Turma da alimentação natural marca território nas areias do Litoral Norte

O mesmo vale para os lanches da creperia francesa inaugurada em dezembro passado por Eduarda Canozzi em Atlântida, a Deu Crepe. Mas o público reclama do preço?

– Nem pensar. O pessoal percebe que é uma experiência diferente, com produtos de alta qualidade e preparados com todo o cuidado. A proposta é outra do produto tradicional – diz Eduarda.

Eduarda Canozzi é dona da creperia francesa Deu Crepe, inaugurada em dezembro passado, em Atlântida

Algo que a jovem empresária reparou é que seus crepes de até R$ 19 têm atraído clientes que não costumam gastar muito em comidinhas em seu dia a dia na cidade grande. É algo que os gurus do marketing propagam há anos: é bem mais fácil convencer alguém a pegar a carteira por algo que desconhece em seu momento de lazer, quando está aliviado do estresse e das barreiras habituais às novidades.

– Esse clima de praia ajuda a apresentar as novidades. Temos vendido uma média de 140 crepes por dia, muito mais do que imaginávamos quando inauguramos – diz Eduarda.

Crepe tem Nutella e morangos no recheio

Criar comida estilizada não é simples. Em geral, os empreendedores gourmet buscam inspiração em mercados mais ricos, pensam em adaptações do produto, identidade visual puxando para elegância e uma forma mais descolada de apresentá-los. Por fim, há de se servir a guloseima em uma embalagem estilizada – nada de pilhas de guardanapos ou pratos de plástico.

– O segredo é oferecer uma experiência diferente, para convencer o cliente a fugir do convencional – diz Rafaela Marques, 33 anos, idealizadora de uma marca de bolinhos gelados para serem consumidos no copo, a PotyCake.

Marca oferece bolinhos gelados para serem consumidos no copo

Ao lado da sócia Tatiane Ferrazzo, 39, ambas moradoras de Capão da Canoa, Rafaela quis ocupar seu verão vendendo algo sofisticado. As duas sentaram diante do computador e pesquisaram sobre tendências de verão. Viram que alguns empreendedores brasileiros começavam a vender nas ruas tortas recheadas com chocolate belga e pedaços de frutas. A dificuldade era oferecer algo que as confeitarias de Capão ainda não oferecessem.

A opção foi se desprender de lojas físicas e levar o produto à praia: encomendaram duas bicicletas e as decoraram com características vintage. Na traseira, uma câmara refrigerada guarda os potinhos com as pequenas tortas. Elas param na beira da praia ou em praças na tentativa de seduzir compradores. O preço de R$ 8 pelo pote não assusta clientes acostumados a chupar picolé e comer milho na areia.

– Sou uma chocólatra legítima. Fiquei curiosa para conhecer o produto das meninas, ainda mais com essa produção toda – diz a empresária Karina França, de Taquari.

Rafaela Marques (de óculos), 33 anos, é a idealizadora da PotyCake

Produto é refinado, mas preço tem limite

O requinte de comidas de praia não serve de pretexto para esticar preços a perder de vista. Ainda que o valor médio seja em torno de 100% acima dos produtos mais tradicionais, os empresários dizem que os custos no Brasil também são muito elevados. Eduarda Canozzi, da Deu Crepe, afirma que o preço da sobremesa de Nutella com morangos mal cobre o custo de produção – o que talvez surpreenda quem come um crepe francês em Paris pagando 3 euros (cerca de R$ 13). Mas, se cobrasse mais, os clientes debandariam.

Carlos Brandão Filho, gerente da gelateria Dolcelato, de Xangri-Lá, garante que o ajuste pouco acima de 25% no preço do sorvete neste verão – a sobremesa mais barata passou de R$ 7 para R$ 9 – é bem inferior ao seu aumento de custos de produção.

– A alta no preço da luz, do leite e dos sabores importados, cotados em dólar, foi bem maior – diz ele, que teve de cancelar contratação de funcionários e colocar mais produtos nos mesmos freezers para equilibrar as despesas.

Sorvetes gourmet tiveram ajuste de 25% no preço

Gabriela Pereira, gerente da Enchanté Churros Gourmet, em Xangri-Lá, diz que seus custos são bem superiores a uma carrocinha de rua – por isso os charutos crocantes de açúcar lá custam R$ 7, enquanto nas ruas saem por R$ 3. Há de se levar em conta o aluguel de espaço no shopping, os suportes para segurar os churros e as massas mais aeradas e molhadinhas, argumenta.

Gabriela Pereira é gerente da Enchanté Churros Gourmet, em Xangri-Lá

Mas há um público que não se dobra à tese de que vale a pena gastar duas vezes mais para uma breve jornada pelo mundo das mega-calorias. O universitário Júlio Marques Neves, veranista de Capão da Canoa, olhava desconfiado para uma creperia mais chique da cidade enquanto comia seu triplo de queijo com calabresa. Olhou brevemente para o cardápio na vitrine antes de seguir em frente.

– Não vejo por que pagar mais por algo que já é gostoso. O sabor da praia é esse que a gente conhece de tantos verões, e adora repetir – disse.

Leia mais sobre Verão
Confira as últimas notícias de Vida e Estilo

Últimas Notícias