Prepare a carteira
Crepes e churros gourmet mudam cara e preços dos lanches de praia
Onda gourmet traz novos ingredientes aos tradicionais quitutes do Litoral gaúcho, que agora podem custar até três vezes mais
Cedo ou tarde iria acontecer. O raio gourmetizador caiu no Litoral Norte. Os crepes no palito, de massa rechonchuda e fumegante, agora concorrem com variedades francesas, de crosta fininha cuidadosamente engomada e servida com filé mignon, cebola caramelizada e queijo gorgonzola. Os singelos churros de carrocinha brigam com modelos cobertos de Nutella, raspas de chocolate belga e castanhas do Pará.
Não há crise que segure: inventores da cozinha estão desmanchando e reconstruindo o que parecia ser a versão final das guloseimas de praia.
– É mais caro, mas a gente passa o ano cuidando para não gastar muito, então chega as férias e quer se dar ao luxo de aproveitar os prazeres da vida – decreta a professora Luciana Krummenauer, que dividia uma mesa com o filho Bruno e o marido Alex em uma gelateria italiana de Xangri-Lá, cada um com seu cascão de R$ 12.
É uma frase que resume um mercado que tem aberto os braços – e a carteira – para petiscos chiques. O cremoso sorvete reestilizado, com sabores naturais de frutas, custa duas vezes mais do que um cascão em uma sorveteria tradicional da cidade.
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O mesmo vale para os lanches da creperia francesa inaugurada em dezembro passado por Eduarda Canozzi em Atlântida, a Deu Crepe. Mas o público reclama do preço?
– Nem pensar. O pessoal percebe que é uma experiência diferente, com produtos de alta qualidade e preparados com todo o cuidado. A proposta é outra do produto tradicional – diz Eduarda.
Algo que a jovem empresária reparou é que seus crepes de até R$ 19 têm atraído clientes que não costumam gastar muito em comidinhas em seu dia a dia na cidade grande. É algo que os gurus do marketing propagam há anos: é bem mais fácil convencer alguém a pegar a carteira por algo que desconhece em seu momento de lazer, quando está aliviado do estresse e das barreiras habituais às novidades.
– Esse clima de praia ajuda a apresentar as novidades. Temos vendido uma média de 140 crepes por dia, muito mais do que imaginávamos quando inauguramos – diz Eduarda.
Criar comida estilizada não é simples. Em geral, os empreendedores gourmet buscam inspiração em mercados mais ricos, pensam em adaptações do produto, identidade visual puxando para elegância e uma forma mais descolada de apresentá-los. Por fim, há de se servir a guloseima em uma embalagem estilizada – nada de pilhas de guardanapos ou pratos de plástico.
– O segredo é oferecer uma experiência diferente, para convencer o cliente a fugir do convencional – diz Rafaela Marques, 33 anos, idealizadora de uma marca de bolinhos gelados para serem consumidos no copo, a PotyCake.
Ao lado da sócia Tatiane Ferrazzo, 39, ambas moradoras de Capão da Canoa, Rafaela quis ocupar seu verão vendendo algo sofisticado. As duas sentaram diante do computador e pesquisaram sobre tendências de verão. Viram que alguns empreendedores brasileiros começavam a vender nas ruas tortas recheadas com chocolate belga e pedaços de frutas. A dificuldade era oferecer algo que as confeitarias de Capão ainda não oferecessem.
A opção foi se desprender de lojas físicas e levar o produto à praia: encomendaram duas bicicletas e as decoraram com características vintage. Na traseira, uma câmara refrigerada guarda os potinhos com as pequenas tortas. Elas param na beira da praia ou em praças na tentativa de seduzir compradores. O preço de R$ 8 pelo pote não assusta clientes acostumados a chupar picolé e comer milho na areia.
– Sou uma chocólatra legítima. Fiquei curiosa para conhecer o produto das meninas, ainda mais com essa produção toda – diz a empresária Karina França, de Taquari.
Produto é refinado, mas preço tem limite
O requinte de comidas de praia não serve de pretexto para esticar preços a perder de vista. Ainda que o valor médio seja em torno de 100% acima dos produtos mais tradicionais, os empresários dizem que os custos no Brasil também são muito elevados. Eduarda Canozzi, da Deu Crepe, afirma que o preço da sobremesa de Nutella com morangos mal cobre o custo de produção – o que talvez surpreenda quem come um crepe francês em Paris pagando 3 euros (cerca de R$ 13). Mas, se cobrasse mais, os clientes debandariam.
Carlos Brandão Filho, gerente da gelateria Dolcelato, de Xangri-Lá, garante que o ajuste pouco acima de 25% no preço do sorvete neste verão – a sobremesa mais barata passou de R$ 7 para R$ 9 – é bem inferior ao seu aumento de custos de produção.
– A alta no preço da luz, do leite e dos sabores importados, cotados em dólar, foi bem maior – diz ele, que teve de cancelar contratação de funcionários e colocar mais produtos nos mesmos freezers para equilibrar as despesas.
Gabriela Pereira, gerente da Enchanté Churros Gourmet, em Xangri-Lá, diz que seus custos são bem superiores a uma carrocinha de rua – por isso os charutos crocantes de açúcar lá custam R$ 7, enquanto nas ruas saem por R$ 3. Há de se levar em conta o aluguel de espaço no shopping, os suportes para segurar os churros e as massas mais aeradas e molhadinhas, argumenta.
Mas há um público que não se dobra à tese de que vale a pena gastar duas vezes mais para uma breve jornada pelo mundo das mega-calorias. O universitário Júlio Marques Neves, veranista de Capão da Canoa, olhava desconfiado para uma creperia mais chique da cidade enquanto comia seu triplo de queijo com calabresa. Olhou brevemente para o cardápio na vitrine antes de seguir em frente.
– Não vejo por que pagar mais por algo que já é gostoso. O sabor da praia é esse que a gente conhece de tantos verões, e adora repetir – disse.
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