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Página no Facebook reúne denúncias de assédio moral e sexual em escolas, cursinhos e faculdades

Comunidade Meu Professor Abusador foi criada por três universitárias de Porto Alegre

15/02/2016 - 21h54min

Atualizada em: 15/02/2016 - 21h55min


Juliana Bublitz
Juliana Bublitz
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"Eu sei que você conhece um caso. Ou até mais de um. Talvez tenha acontecido com uma aluna de outra turma, quem sabe até uma amiga sua, e talvez tenha acontecido com você." Eis o post inaugural de uma página do Facebook batizada de Meu Professor Abusador. Com uma semana de vida e quase 14 mil curtidas, a iniciativa reabre um antigo debate, sobre assédio moral e sexual nos ambientes de ensino, e abre uma nova discussão – sobre ativismo virtual e anonimato.

A comunidade foi criada por universitárias de Porto Alegre, que dizem já ter recebido 750 depoimentos – a maioria de mulheres – relatando episódios vividos ou testemunhados em escolas, cursinhos pré-vestibular e universidades de todo o país. A mensagem de abertura, postada às 18h02min de 9 de fevereiro, resume o objetivo da ação: "Homens sempre tiram proveito de suas posições de poder, professores não são exceção. E eles o fazem porque não contam com nosso revide. Mas estamos crescendo, e hoje já não podem mais nos calar."

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Os relatos reverberam no Twitter, sob a hashtag #meuprofessorabusador. A maior parte envolve docentes acusados de tocar em alunas, de tentar seduzi-las e de constrangê-las em público com piadas. Muitas das supostas agressões teriam se passado no Ensino Médio e em cursinhos, vitimando adolescentes. Os professores não são citados nominalmente, mas a página pede que as participantes deem pistas que "tornem a pessoa identificável àqueles que a conhecem".

A novidade vem à tona na esteira de campanhas feministas que também ganharam visibilidade nas redes sociais. Uma delas foi a do Primeiro Assédio, lançada em 2015 pela ONG Think Olga, quando milhares de mulheres lembraram a primeira vez em que foram assediadas – somando mais de 100 mil citações no Twitter. A diferença é que, naquela ocasião, elas mostraram os rostos, e a ONG responsável pela mobilização, também.

Agora, o sigilo se impõe e está explícito nas orientações da página no Facebook. Vale para as denunciantes, para os denunciados e até para as três criadoras do canal – sabe-se apenas que são "futuras professoras". As moderadoras fazem segredo para evitar represálias e porque não teriam condições de arcar com os custos decorrentes de possíveis ações judiciais – "sabemos que muitos desses homens são pessoas que detêm certo poder social e monetário, fato que nos coloca em risco judicial ao expormos suas identidades", diz o post com as regras da comunidade. A única concessão admitida é quanto aos nomes das instituições de ensino envolvidas, citados sem restrições.

– Não acho que manter os nomes em sigilo seja uma escolha errada, porque é uma forma de dar vazão às manifestações e de abrir uma discussão mais ampla sobre o tema. Mas, aí, isso teria de valer para toda a comunidade – avalia a psicóloga Carolina Lisboa, professora da PUCRS e coordenadora do grupo de pesquisa Relações Interpessoais e Violência.

O jornalista Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, entende que "o anonimato é uma forma de expressão". A questão é que, quando se divulga apenas o nome da escola ou entidade, é possível que todos os professores passem a ser vistos com desconfiança naqueles círculos e sofram as consequências de uma espécie de "linchamento" público.

– É preciso ter cuidado em relação a essa situação. Não se trata de criminalizar alguém, mas de provocar uma mudança de consciência coletiva. Esse tipo de ativismo coloca em xeque o que se pode chamar de poder pastoral. A autoridade do docente é mais ou menos isso. Aqueles que são objeto desse poder não têm muito para onde correr. Sem o anonimato, seriam caçados – pondera Malini.

Na avaliação de Bia Cardoso, coordenadora- geral do site Blogueiras Feministas, não há nada de errado na opção feita pelas criadoras da comunidade Meu Professor Abusador, nem mesmo na publicação dos nomes das instituições.

– A página é uma reação das mulheres que, há muito tempo, vêm sofrendo sem ser escutadas. O fato de ser anônima blinda as meninas de processos e garante que esse canal continue aberto – argumenta Bia.

Gerente de conteúdo e comunidade da ONG Think Olga, Luíse Bello compartilha da mesma opinião.

– A iniciativa é válida de qualquer forma, porque joga luz sobre um tema importante, que precisa ser debatido e que não pode mais ser ignorado. Não se trata de um caso isolado. São centenas. Isso tem de gerar discussão e levar a mudanças. Embora apoiem a mobilização na internet, diretores de cursinhos de Porto Alegre questionam a menção a seus estabelecimentos.

– Ficamos de mãos amarradas. As denúncias nos citam, mas não dão o nome do professor, não fornecem detalhes. Temos mais de 20 sedes. Fica difícil tomar uma atitude sem saber o quanto de tudo isso é verdade – afirma um deles.

– Somos a favor de toda e qualquer campanha que denuncie abusos. O que questionamos é a forma como isso está sendo feito. Fica parecendo denuncismo vazio – complementa outro diretor.

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Entrevista
Por e-mail, as criadoras da comunidade Meu Professor Abusador falaram com ZH:

Por que vocês decidiram criar essa página?
A gota d’água foi a descoberta de casos de abuso na ex-escola de duas das moderadoras. Todas conhecemos alguma história desse tipo, mas as nossas não são tão graves quanto alguns dos relatos que chegaram.

Por que vocês não se identificam?
Éramos três estudantes de licenciatura de Porto Alegre, e agora somos quatro. Infelizmente, não podemos nos identificar por questões de segurança, tanto jurídica quanto moral e física. Sabemos como muitos homens respondem a mulheres que não se calam.

Vocês receberam ameaças?

Já recebemos ameaças de processo pelo inbox da página, por homens que se identificaram nas denúncias. O formulário do Google docs (usado para receber relatos) recebe várias mensagens de ódio.

Desde que as denúncias começaram, houve algum resultado concreto?
Infelizmente, nenhum colégio ou instituição veio falar conosco buscando melhorias dentro das salas de aula. Acreditamos que até agora eles estão focando seus esforços tentando derrubar a página e abafar os casos numa tentativa de manter sua reputação, ao invés de usá-los para tomar medidas que evitem que suas alunas continuem a passar por essas situações.

A opção pelo anonimato não pode gerar dúvidas sobre a veracidade dos depoimentos?
Honestamente, sim. Mas acreditamos que a segurança das meninas que denunciam e a necessidade de se falar sobre esse assunto superam essas questões. Mesmo que um relato ou outro seja "falso", 750 não o são e as mais de 12 mil curtidas na página confirmam que abusos em sala de aula não são exceções, e sim uma violência institucionalizada.

Por que publicam os nomes de instituições?
Vamos combinar que é falsa simetria comparar a preservação de identidade de uma menina vítima de abuso com a identidade de, na maioria das vezes, grandes instituições com muito mais condições de se defender, não é?


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