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RS suspende uso de larvicida que pode ter relação com microcefalia

Anúncio foi feito em ação do Dia Nacional de Mobilização para o Combate ao Aedes aegypti

13/02/2016 - 11h22min

Atualizada em: 14/02/2016 - 15h54min


Paula Minozzo
Paula Minozzo
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Bruna Scirea
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Militares inspecionaram possíveis criadouros do mosquito neste sábado

O secretário estadual de Saúde, João Gabbardo, anunciou na manhã deste sábado que vai suspender temporariamente no Rio Grande do Sul o uso do larvicida Pyriproxyfen em reservatórios de água potável. O produto é indicado pelo Ministério da Saúde no combate ao Aedes agypti e utilizado no Brasil desde 2014.

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A motivação foi um relatório divulgado nesta semana pela organização médica argentina Physicians in the Crop-Sprayed Towns, que relaciona o uso do produto ao período e ao local de maior manifestação da doença. O Pyriproxyfen é utilizado, sobretudo, em regiões carentes de saneamento, onde a população precisa armazenar água em casa devido ao racionamento. O estudo foi detalhado na edição deste sábado de Zero Hora.

– Tomamos essa decisão em função destas pesquisas. Até que provem ao contrário e que se tenha uma manifestação de que é seguro, não vamos mais usar. Estamos olhando para uma associação de fatores: a utilização desse larvicida pode ter efeito teratogênico (causar má-formação em fetos e embriões), que junto ao zika vírus pode potencializar a situação – defende Gabbardo.

O secretário confirma que já enviou uma orientação aos municípios para que suspendam imediatamente o uso do larvicida. A utilização do Pyriproxyfen, porém, ainda é permitida em locais onde há água parada que não seja para o consumo.

– No Rio Grande do Sul é pouco usado, as áreas que precisam estão mais no interior, onde não há água encanada. A quantidade seria insuficiente para causar qualquer efeito, mas mesmo assim, por precaução, achamos melhor não usar – afirma.

No Brasil, o larvicida começou a ser utilizado no fim de 2014, principalmente em regiões do Nordeste – local e período a partir do qual foi detectada maior incidência de casos de microcefalia –, em substituição ao Temephos, não mais utilizado devido à resistência do mosquito.

O secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, esteve em São Leopoldo para participar da ação do Dia Nacional de Mobilização para o Combate ao Aedes aegypti alega que o Ministério da Saúde utiliza apenas produtos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que passaram por um rigoroso processo de avaliação pelo comitê World Health Organization Pesticide Evaluation Scheme (WHOPES, a sigla em inglês), que testa e avalia pesticidas. Segundo Beltrame, a organização recomenda o uso de larvicidas em água potável.

O coordenador-geral do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde, Giovanini Coelho, enfatiza que o produto é recomendado pela OMS e afirma que não há provas científicas robustas que associem a microcefalia ao larvicida. Para Coelho, o relatório não teria embasamento científico e seria até de certa forma de "cunho ideológico".

– Respeitamos a decisão do secretário da saúde, uma vez que ele é o maior gestor do SUS no Rio Grande do Sul. Mas acreditamos que não foi uma avaliação baseada em fundamentos técnicos. Não há estudos epidemiológicos que comprovem essa ligação. O que sem tem, até agora, são opiniões – declara.

Para o coordenador-geral do Programa, o uso do Pyriproxyfen é reflexo de um problema histórico no Brasil relacionado à falta de abastecimento regular de água potável. O produto é usado onde a população precisa armazenar o líquido em tonéis ou recipientes para consumo.

– Qual a alternativa que o secretário vai dar para essas pessoas? Ele vai promover medidas para proteger esses depósitos de água potável? Uma forma de protegê-los é com o larvicida. Não é razoável chegar na casa dessas pessoas e dizer que não podem armazenar a água para consumo. O Ministério da Saúde é muito claro: se usa larvicida em último instante – questiona.

Má-formação poderia ser potencializada

Os médicos também questionam o fato de as outras epidemias de zika, como a da Polinésia Francesa, não terem sido associadas a problemas congênitos em recém-nascidos – "apesar de infectar 75% da população nesses países". Outro elemento reforça ainda as suspeitas de que há algo além do zika vírus nos casos de má-formação: a Colômbia, o segundo país com maior número de infectados, contabilizou mais de 3 mil grávidas infectadas, mas não há registros de microcefalia vinculada ao zika.

Especialistas consultados por Zero Hora acreditam que a microcefalia está vinculada ao zika – não descartam, no entanto, a possibilidade de a má-formação ser potencializada por outros fatores.

– A gente tem a sensação de que está faltando alguma coisa nessa história. Não tenho dúvida de que exista a associação com o zika, mas há aspectos que a gente não consegue entender. Por que tem proporcionalmente mais casos em Pernambuco do que na Bahia? Já havia sido levantada a hipótese de que houvesse alguma droga, algum produto diferente, que, junto ao vírus, pudesse estar provocando isso. Mas não é simples de elucidar. Por isso, essa informação (do Pyriproxyfen) é superimportante – avalia Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, principal laboratório de medicina diagnóstica do país.

Para Lia Giraldo, pesquisadora da Fiocruz e professora da Universidade Federal de Pernambuco, dois elementos novos surgiram em um mesmo contexto: a presença do vírus e a aplicação do Pyriproxyfen na água. Porém, segundo ela, a ciência internacional "erroneamente" foca pesquisas apenas em um dos possíveis fatores, o vírus.

– Buscam um modelo linear, de causa-efeito, quando, na verdade, a gente tem um cenário que possibilita um somatório de causas, de possibilidades para a doença: a microcefalia ocorre na região mais pobre, de menor saneamento e, consequentemente, de maior uso de produtos químicos. Não se pode ir por um único caminho – considera a médica sanitarista, membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso do pesticida na quantidade sugerida para inibir o crescimento de larvas em reservatórios não provoca danos à saúde. A Abrasco faz questionamentos.

– Sabemos que o Pyriproxyfen tem efeito teratogênico em mosquitos (causa má-formação em fetos e embriões). Um produto com essa ação não deveria ser colocado na água de beber, que tem que ser potável: sem larva de mosquito e sem larvicida – defende Lia.

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