Limite na banda larga
Anatel diz que empresas podem cortar internet e erraram em oferecer pacotes ilimitados
Superintendente de Relações com Consumidores, Elisa Leonel defende que as empresas podem suspender o serviço quando os dados acabam, ao contrário do que afirmam especialistas em Direito do Consumidor
Depois de afirmar que a era da internet ilimitada no Brasil acabou, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ressaltou que não vê ilegalidade no corte do serviço quando os usuários consomem uma franquia de dados pré-estabelecida. A posição é contrária às alegações dos órgãos de defesa do consumidor, que defendem que a suspensão do serviço só pode ser feita quando o usuário deixou de pagar a conta. Especialistas em direito digital também afirmam que o corte só pode ser feito em casos de atraso no pagamento, conforme o Marco Civil da Internet.
Em entrevista à Zero Hora, a superintendente de relações com consumidores da Anatel, Elisa Vieira Leonel, defendeu a posição do órgão de que a internet não pode mais ser ilimitada no país e afirmou que não pode estabelecer "um ônus desproporcional às empresas" no caso do limite de dados. Apesar da pressão dos usuários contra a medida, alega que a "pressão não pode fazer com que a Anatel ignore aspectos técnicos e econômicos que estão por trás dessa mudança".
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O presidente da Anatel, João Resende, disse que a era da internet ilimitada no Brasil acabou. Por quê?
Primeiro, é importante dizer que a gente está acompanhando o movimento do mundo, em que os serviços exigem cada vez mais uma rede robusta, de alta capacidade, e as prestadoras têm de conseguir gerenciar essa demanda pela rede delas. Portanto, não há infinitude na internet, em função de existir uma rede física que precisa dar conta dessa demanda. Vários países já vêm praticando franquias, há uma tendência para acabar com esses modelos ilimitados. Entretanto, o que a gente precisa garantir, e é com isso que a Anatel está mais preocupada, é que os consumidores estejam protegidos. A cautelar veio no sentido de garantir a proteção dos consumidores, para que eles tenham todas as ferramentas para acompanhar o serviço caso a operadora venha a estabelecer limites.
A senhora disse que outros países adotam franquias. Quais?
Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Portugal e França, todos esses já vêm trabalhando com modelo de franquia.
Mas não são franquias maiores?
Não tenho essa informação, mas as franquias variam pelo preço. Eles têm franquias altas e baixas, depende do consumidor decidir se quer pagar mais ou menos.
Existe um artigo no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que não permite "condicionar o fornecimento de produto ou de serviço, sem justa causa, a limites quantitativos". As empresas apresentaram uma justificativa técnica para a necessidade do limite?
As operadoras têm estudos que demonstram isso, e a gente têm visto o aumento no consumo de tráfego, o volume de dados trafegados na rede. As empresas têm essas informações para mostrar. Se formos olhar essas pesquisas recentes, de comportamento do consumidor, já são suficientes para nos mostrar que há uma tendência (no aumento do uso de dados). Isso tem impacto nas redes nos pontos de vista técnico e econômico. As operadoras têm de ter capacidade para investir e continuar ampliando suas redes, porque são obrigadas pela própria Anatel a melhorar e expandir o serviço.
Especialistas em direito digital e entidades de defesa do consumidor afirmam que cortar a internet após o consumo total da franquia é ilegal, conforme o Marco Civil da Internet. Qual a opinião da Anatel sobre o bloqueio?
A leitura da Anatel, que já é compartilhada com outros órgãos do governo, é de que o Marco Civil da Internet não impede que as prestadoras exijam a contraprestação do serviço. Então, há duas formas de se fazer isso nos serviços de telecomunicações. Uma é faturado depois de um consumo livre, como no serviço de voz pós-pago, em que o usuário vai consumindo e, no final do mês, paga um valor relativo ao número de minutos que consumiu. No caso da internet, as operadoras optaram por um modelo de franquia, em que o usuário contrata um pacote e, ao final, precisa contratar pacotes adicionais ou o serviço será interrompido. Então, na nossa interpretação, não há nenhum descumprimento do Marco Civil da Internet ao se estabelecer a cobrança de uma franquia e a interrupção do serviço ao final da franquia. Isso já é um modelo adotado no serviço de voz pré-pago, e nós não entendemos que isso afronta o Marco Civil.
Mas isso não prejudica o consumidor?
É claro que para o consumidor tem uma mudança de cultura, pois ele estava acostumado a ter um serviço que parecia ilimitado, embora do ponto de vista da rede não fosse ilimitado. Foi um erro das prestadoras. Elas erraram em divulgar o serviço como se ele fosse ilimitado. O que a gente têm mostrado é que, assim como na energia elétrica e na água, as telecomunicações também têm restrições e limites. Existe uma rede que precisa dar suporte para esse serviço, e a Anatel exige indicadores de qualidade e investimentos das prestadoras. Elas têm de ter condições para gerenciar essa capacidade da rede, não há serviço que possa ser ilimitado.
Especialistas em internet criticam o limite porque a rede é usada para inclusão cultural e educação. Por isso, economizar no consumo pode significar ter de parar de assistir aulas gratuitas de um cursinho pré-vestibular no YouTube, para um estudante de baixa renda, por exemplo.
Nós entendemos a essencialidade do serviço e temos feito todos os esforços que nos cabem para aumentar a oferta e garantir cada vez mais rede espalhada em todo o país. Mas, por outro lado, não podemos ignorar que existem empresas, e elas precisam gerenciar seus investimentos e obter retorno deles. Não é possível que a Anatel estabeleça um ônus desproporcional às empresas, dado que elas têm obrigações a cumprir com o órgão.
Já foram determinados esses investimentos?
Em todos os editais que a Anatel leiloa espectro de radiofrequência, a empresa tem como contrapartida investir na rede. Então, a Anatel tem investimentos em telefonia móvel que estão chegando em alguns distritos por fruto das obrigações das empresas.
Alguns órgãos entraram na Justiça contra o limite de dados, alegando que ele é ilegal. Qual a posição da Anatel sobre esses questionamentos?
É difícil opinar, porque desconheço as ações e o teor delas. Pelo que temos acompanhado dos debates na imprensa, eles alegam que há uma ofensa ao Marco Civil (da Internet). A Anatel entende que não há. Então, no nosso entendimento, o que a gente precisa garantir é a correta informação e a transparência desses modelos para o consumidor, e nisso as empresas estão falhando muito.
No despacho, a Anatel disse que as empresas só podem cortar o serviço, reduzir a velocidade ou cobrar taxas extras depois que comprovarem algumas adequações. Como será essa prova?
Vamos sentar com as operadoras para discutir exatamente em que termos, mas é o setor de fiscalização da Anatel que vai avaliar se essas ferramentas estão disponíveis, assim como fiscalizamos o cumprimento de qualquer outra regra posta pela agência.
Vocês têm conhecimento das petições dos consumidores contra a mudança? Essa pressão dos usuários pode mudar alguma coisa na postura da Anatel?
A Anatel é um órgão regulador, que tem de ter uma posição que olhe para a questão da proteção dos consumidores, mas que entenda as questões técnicas e econômicas da prestação de serviço. Por mais que entendamos a dificuldade do consumidor em aceitar o modelo, as operadoras, como eu já disse, falharam muito em comunicar bem essa alteração. Por outro lado, essa pressão não pode fazer com que a Anatel ignore aspectos técnicos e econômicos que estão por trás dessa mudança.
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