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Carreira longa em Viamão

As histórias de um homem que trabalha como coveiro há 30 anos: "Fui ficando e gostando do serviço"

Cassemiro realizou cerca de 10 mil sepultamentos em três décadas. Profissionalismo foi reconhecido pelos colegas.

09/04/2016 - 09h00min

Atualizada em: 09/04/2016 - 09h02min


Roberta Schuler
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Cassemiro coleciona histórias vividas no 2 de Novembro

Neste sábado, Cassemiro Antônio Chaves, 53 anos, completa três décadas de trabalho num local para onde ninguém deseja ir tão cedo. Foi no Cemitério 2 de Novembro, conhecido em Viamão como "cemitério velho", que ele começou sua carreira como "operário não especializado". O trabalho incluía capina, pintura, manutenção geral do cemitério e também sepultamentos – só que Cassemiro não imaginava que teria de desempenhar esta última tarefa.

– Estava há um ano desempregado, fazendo bicos, e vi que, assim, não daria. Tinha que escolher entre uma oficina mecânica e o cemitério. Como não queria viver engraxado, assumi no cemitério. Fui ficando e gostando do serviço – conta.

No terceiro dia de atividade, Cassemiro fez o primeiro enterro, na quadra cinco. Ao longo de 30 anos, ele calcula ter realizado cerca de 10 mil sepultamentos.

– O mais difícil foi lidar com a morte. No início era ruim, eu sonhava de noite. Ficava pensando nos sepultamentos. O pessoal (familiares dos mortos) chorava e eu tinha que me segurar para não chorar junto. Mas hoje é como qualquer outro tipo de serviço – explica o profissional que, embora trabalhe nos outros cemitérios da cidade, conhece cada uma das 25 quadras do 2 de Novembro.

Histórias curiosas

Durante a carreira, Cassemiro acumulou muitas histórias curiosas, enquanto acompanhou a rotatividade de vários colegas – que desistiam do serviço quando havia necessidade de exumação (desenterrar) pela falta de condições emocionais.

– Um estava pintando um túmulo e disse que uma criança tinha saído da gaveta e estava sentada olhando para ele, mas não tinha nada. Outro não ficava sozinho na quadra porque dizia que via o capeta circulando – lembra o coveiro que, ao meio-dia, diz já ter sentido que havia gente por perto, pelo cheiro de perfume, mas não havia ninguém.

Já em um velório, Cassemiro relata a ocorrência de um perrengue envolvendo a esposa do morto e as amantes. Em outro, familiares tiraram o morto do caixão e jogaram no chão, insistindo para que acordasse. O coveiro também ouviu mais de uma vez as pessoas que estavam no velório discutindo a herança antes mesmo de enterrar o ente querido.

– Outra vez, enterraram um amigo e colocaram uma garrafa de cachaça dentro do caixão. Quando foi feita a exumação, pegaram a garrafa, lavaram e saíram bebendo – conta.

Personalidades como Gildo de Freitas estão enterradas no cemitério velho

Personalidades enterradas no local

No Cemitério 2 de Novembro, estão enterradas personalidades como o tradicionalista Gildo de Freitas, três prefeitos de Viamão (alguns inclusive foram sepultados por Cassemiro), a Baronesa de São Lucas (que recebeu um dos últimos títulos de baronato concedidos na História. Chamada de Maria Felícia Escovar, viveu de 1857 a 1920, e foi casada com o Barão de São Lucas, Pedro Pereira de Escovar) e alguns coronéis, isso no tempo em que os enterros eram feitos a sete palmos – hoje ficam apenas 1m debaixo da terra.

Desde 2012, os serviços de manutenção, limpeza e sepultamentos nos cemitérios 2 de Novembro e Nossa Senhora da Conceição, em Viamão, e Nossa Senhora dos Navegantes, em Itapuã, são realizados pela empresa Koletar.

Cassemiro hoje atua na supervisão. Mesmo não realizando sepultamentos há quatro anos, sempre que preciso ele ajuda na tarefa, para não perder o jeito.

– Eu fui levando, sem dar importância para o lado triste da coisa _ destaca.

Cassemiro e o reconhecimento pelos serviços prestados

Enquanto as histórias curiosas podem atrair a atenção de alguns espectadores, outros fogem de Cassemiro. Num armazém perto da casa dele, por exemplo, um vizinho sempre dava um jeito de sair assim que o coveiro se aproximava.

A esposa dele, Zélia Maria Reis de Oliveira, 52 anos, com quem ele é casado há 33 anos, trata o cemitério como qualquer outro ambiente. Inclusive, às vezes é contratada por algumas famílias para limpar e pintar túmulos.

A parte mais dolorosa do trabalho fica por conta dos sepultamento de crianças. Mesmo lidando com a morte como algo certo, o adeus a parentes sempre causa emoção.

– Perdi o meu pai há dois anos, no Dia dos Pais. Já sepultei a minha sogra, meu sogro e uma cunhada. A gente fica chocado, mas sabe que é o caminho de todos, então se prepara.

Por conta do profissionalismo desempenhado durante três décadas, Cassemiro recebeu uma placa de reconhecimento da empresa que administra os cemitérios.

– Ele é o meu braço direito, nunca faltou um dia de trabalho – destaca Mauro Rossal Carvalho, diretor do departamento de cemitérios da prefeitura de Viamão.


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