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Além da escravidão

Adilio não conhecia inventores negros. Descobriu 150 nomes e agora quer lançar livro

Estudante de engenharia de Sapucaia do Sul quer mostrar que negros tiveram papel importante no progresso da humanidade

13/05/2016 - 15h31min

Atualizada em: 24/05/2016 - 08h05min


Antes de começar pesquisa, Adilio Camargo não imaginava que um negro fosse responsável por alguma invenção

Mais de cem anos depois de a Princesa Isabel assinar, em 13 de maio de 1888, a lei que daria liberdade aos escravos no Brasil, um jovem de Sapucaia do Sul quer garantir que a história dos negros não se resuma às páginas sobre a escravidão.

O estudante de engenharia mecânica Adilio Camargo, 25 anos, mergulhou numa pesquisa para esmiuçar a contribuição de homens e mulheres que, ao não se curvarem às barreiras do preconceito, fizeram grandes descobertas para a ciência e invenções em uso no mundo inteiro.

Até agora, mais de sessenta contribuições foram destrinchadas em 180 páginas de arquivo de texto que Adilio mantém no computador. Outras oitenta obras aguardam para serem aprofundadas no tempo livre do estudante, que trabalha como desenhista projetista no Senai, em São Leopoldo. Quando finalizar a pesquisa, pretende transformá-la em livro.

Apesar de algumas dessas criações já serem reconhecidas, como o torpedo inventado no século XIX pelo baiano André Pinto Rebouças, lançado pelo Brasil contra os inimigos na Guerra do Paraguai, Adilio acredita que reunir as conquistas em um livro fará com que os negros sejam respeitados pelo legado que deixaram à ciência e à tecnologia.

Antes da invenção de André Pinto Rebouças, troncos de madeira com explosivos eram lançados contra adversários

– É para provar que também existiram pessoas negras que contribuíram para nossa evolução – diz o estudante.

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A eureka de Adilio

Uma pergunta feita duas vezes empurrou Adilio para a pesquisa sobre os inventores negros. Ele ainda frequentava a escola quando, instigado pelo professor a apresentar em sala de aula um grande personagem da história, questionou a si mesmo se haveria um negro entre nomes notórios. Ao recorrer aos livros, viu que os ilustres tinham todos pele branca. Acabou escolhendo Santos Dumont, o pai da aviação.

Em 2013, já cursando faculdade na Unisinos, um encontro do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neabi) para selecionar estudantes com interesse em pesquisas focadas na história dos povos afrodescendentes fez com que Adilio ficasse novamente diante da dúvida: será que existe um inventor negro?

Ao chegar em casa, recorreu à internet para decifrar o mistério. Encontrou alguns nomes. O primeiro foi o de André Pinto Rebouças, engenheiro que também militou pela libertação dos escravos. O segundo foi o do americano Lloyd Quarterman, que inventou o reator nuclear na década de 30 e inaugurou a era atômica.

Lloyd Quarterman trabalhou no projeto Manhattan, responsável pelas bombas atômicas usadas na Segunda Guerra Mundial

Assim como o cientista Arquimedes, que na Grécia antiga gritou "Eureka!" ao descobrir, eufórico, a solução para um problema complexo, a reação de Adilio foi de alegria.

– Vi que eu não era um peixinho no oceano. Fiquei feliz porque faria parte de um grupo de pessoas que já se destacavam.

Uns tão geniais quanto os outros

Desde que descobriu o papel dos negros no progresso da humanidade, Adilio sonha com o lançamento do livro. Projeta que, depois de mais um ano de pesquisa, finalmente poderá procurar uma editora.

Até já desenhou um símbolo que coroa o significado do trabalho. Nele, duas mulheres negras e de cabelos trançados representam Minerva, a deusa grega da sabedoria. No meio das duas, desenhou uma engrenagem para representar a engenharia.

Símbolo desenhado por Adilio para a pesquisa

Confiante, Adilio também faz palestras no Neabi da Unisinos. O público, no entanto, é sempre pequeno. Quando conta para alguém sobre a intenção de escrever um livro detalhando as invenções, é questionado se, ao dar espaço apenas para os negros, não estaria fomentando a segregação racial.

– As pessoas acham que minha pesquisa quer mostrar que os negros são superiores aos brancos. O que quero mostrar é que um é tão genial quanto outro – explica-se.

Ao apresentar o trabalho de pessoas que inovaram mesmo em épocas onde seus direitos eram limitados, Adilio acredita que o livro servirá de inspiração a todos.

– A ideia desse livro é ser um incentivo. É mostrar que as pessoas podem ir longe – imagina.

Confira alguns dos inventores pesquisados por Adilio

Edward T. Weldurn: vice-presidente da companhia de carros General Motors, projetou o design do Camaro posteriormente usado no filme Transformers (2007)

Marie Van Brittan Brown: inventou, em 1966, o primeiro sistema de segurança doméstico

Patria Era Bath: oftalmologista que desenvolveu a primeira cirurgia a laser para catarata, em 1981.



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