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Estudantes do curso de magistério contam por que querem ser professores

Curso teve queda de quase 40% nas matrículas nas escolas estaduais, desde 2008

15/10/2016 - 07h02min

Atualizada em: 15/10/2016 - 17h00min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Alan quer ser professor

Existente em 106 escolas estaduais do Rio Grande do Sul, o curso de magistério no ensino médio vem apresentando queda gradativa de inscritos ao longo da última década. Entre os motivos alegados pelas instituições para a baixa procura estão os quatro anos para conclusão do curso, que exige estágio final e leva os estudantes a desistirem da formação ainda no primeiro ano. Os números negativos ano a ano surgem também entre os profissionais com esta formação atuando nas redes municipal e estadual de ensino do Estado, segundo levantamento do CultivEduca, da Ufrgs. Apesar da atual realidade de quem opta pelo curso, há quem acredite que a caminhada rumo à docência inicia ainda no magistério, como os personagens das quatro histórias apresentadas nesta reportagem que presta homenagem a todos os professores.

Os olhos ganham brilho e as vozes se tornam ainda mais firmes quando Ana Maria Silveira Marques, 18 anos, e Luciana Cardoso, 38 anos, ambas de Alvorada, reforçam a decisão tomada ainda na infância de serem professoras. Apesar da distância de duas décadas que as separa, as duas são alunas do terceiro ano de Magistério na Escola Estadual 1º de Maio, em Porto Alegre, e fazem parte de um grupo cada vez menor de estudantes que escolhem seguir a carreira docente ainda no ensino médio e continuam nas redes municipal e estadual depois da conclusão do Magistério.

Segundo dados da Secretaria de Educação, nos últimos dez anos houve uma queda de quase 40% no número de interessados nas vagas disponíveis nas 106 escolas estaduais que oferecem o curso de magistério/normal no Rio Grande do Sul. Quatro destas instituições estão em Porto Alegre: Instituto Estadual de Educação General Flores da Cunha, Escola Estadual Normal 1º de Maio, Instituto Estadual Dom Diogo de Souza e Colégio Estadual Eng. Ildo Meneghetti.

À míngua
Em 2008, eram 10.031 matriculados no curso normal. Neste ano, foram 6.306 inscritos. A queda de matriculados é percebida na escola onde Ana Maria e Luciana estudam. Se em 2011, 350 alunos estavam no magistério – neste ano, são 250. A realidade não é diferente na escola mais antiga do Estado a oferecer o curso, o Instituto Estadual de Educação General Flores da Cunha. Até 2002, eram criadas duas turmas anualmente, com uma prova classificatória que envolvia mais de 500 candidatos a 70 vagas. Hoje, apenas uma turma de 30 alunos foi formada no primeiro ano. Destes, nove já desistiram nos primeiros seis meses. Nos anos seguintes, a situação está ainda pior. São duas alunas no segundo ano, nove no terceiro e seis no estágio final.

– Os alunos chegam pensando que será fácil, mas é um dos cursos que mais exige dedicação dentro e fora de sala de aula. E ainda tem o estágio final de seis meses, depois dos três anos de aulas – esclarece o vice-diretor da Flores da Cunha, Marcus Fraga.

Cinco fatores decisivos
Segundo a professora de pós-graduação em Informática para a Educação da Ufrgs e pesquisadora da área de formação de professores, Marie Jane Carvalho, apesar do Plano Nacional de Educação exigir que todos os professores tenham ensino superior para lecionarem, ainda há espaço para os formados em magistério atuarem na área. Ela aponta cinco fatores que estão afastando os estudantes da carreira: salário baixo, ausência de um plano de carreira único no país (hoje, cada município e cada Estado define o seu), falta de valorização das licenciaturas nas universidades, condições de trabalho precárias (superlotação das salas de aula, violência nas escolas estão entre os problemas) e desvalorização social da profissão.

Ana Maria guardar todos os cadernos desde os seis anos de idade.

A colecionadora de cadernos
Quando Ana Maria, moradora do Bairro 11 de Abril, em Alvorada, disse para a mãe, a doméstica Maria Deli Silva, 54 anos, que seria professora de matemática, apenas ouviu um "Tem certeza?". Ela tinha, aos seis anos. A prova está em todos os cadernos e livros desde o pré-escolar, guardados até hoje pela adolescente na biblioteca de trabalho que está montando na garagem de casa.

– Sempre achei que eles me ajudariam quando me tornasse professora. Por isso, fiz questão de guardá-los – explica.

Para concluir o ensino médio com notas máximas no primeiro semestre de 2017 e ir bem no Enem, a jovem deixou o estágio de quase dois anos como educadora. A meta dela é ingressar na universidade até 2018. Ana Maria confessa que o desejo de ser docente em matemática, uma das disciplinas tradicionalmente mais temidas pelos estudantes, veio da admiração pela primeira professora que teve no pré-escolar, a então educadora "tia" Isabel, que na época cursava a licenciatura.

– A importância do professor na vida do aluno é enorme, pois ele ajuda a formar cidadãos que construirão a sociedade em que vivem. Sei que a profissão exerce várias funções. Além de ser educador, ele precisa ser pai, mãe, conselheiro e, principalmente, amigo. Eu serei assim – garante Ana Maria, que pretende atuar nas séries finais do ensino fundamental depois de concluir a faculdade.

Sandro quer seguir a carreira da mãe, estudante de magistério

Sonho guardado por 30 anos
Ao casar no final da adolescência, Luciana, moradora do Bairro Maria Regina, em Alvorada, teve a certeza de que o sonho de se tornar professora, vivo desde os oito anos, seria guardado na gaveta da espera. Ela não imaginava, porém, um intervalo de mais de duas décadas até que conseguisse retomar o ensino médio. Neste período, teve três filhos e trabalhou como educadora numa escola de educação infantil. No ano passado, Luciana decidiu que era hora de voltar aos bancos escolares. Com o apoio da família, se inscreveu no 1º de Maio.

– Chorei de felicidade quando fiz a minha matrícula. Mas, no início, enfrentei muitos problemas. Minhas colegas tinham a idade do meu filho e chegavam a me perguntar se eu era a professora. Me senti deslocada. Agora, tudo mudou: elas até me chamam de Lu – conta.

Mesmo antes de finalizar o curso, Luciana já ganhou um admirador. O filho Sandro, 14 anos, pretende seguir os passos da mãe e deve se matricular no Magistério em 2017. Apesar de reconhecer as dificuldades da profissão, Luciana garante que isso não a desmotivará.

– Não estou em busca de dinheiro ou status. Mesmo não sendo valorizada pela sociedade, sei que o meu maior prazer será o reconhecimento e o carinho dos alunos. Se posso fazer algo bom por alguém que não tem culpa do mundo onde está inserido, vou fazer – diz Luciana, que pretende prestar vestibular para Pedagogia.

Isabel com os alunos dela do ensino médio

Inspiradora de Ana Maria se tornou "profe"
A cada manhã, quando entra na sala de aula com mais de 30 alunos do ensino médio numa escola pública de Alvorada, lsabel de Fátima da Silva, 45 anos, abre o sorriso da certeza por ter cursado a licenciatura em matemática numa universidade particular durante nove anos. O longo período foi necessário para que conseguisse pagar pelas disciplinas com os salários de educadora numa escola infantil e de doméstica. Isabel emociona-se ao saber que é a inspiração da ex-aluna dela no pré-escolar Ana Maria. Ela recorda que a menina fez duas vezes o pré por não ter idade para ingressar no ensino fundamental. A amizade entre as duas, que começou na escolinha, segue até hoje.

– A Ana Maria é dedicada desde criança. Tenho certeza que será uma grande professora, pois tem amor pelo que faz – garante.

Formada há quatro anos, Isabel leciona em duas escolas estaduais de Alvorada, mas pensa em fazer mestrado em matemática para seguir se especializando. Nas instituições onde trabalha, ela é conhecida pela simplicidade com que ensina a difícil disciplina e pelo carinho com todos os alunos.

– Independente da profissão, a gente ter que seguir o nosso sonho. O retorno sempre vem, seja quando uma aluna chora me agradecendo por, finalmente, ter aprendido a fórmula de báscara, ou quando um vem me abraçar me chamando de "profe" – explica.

Alan é minoria na turma do magistério
– Vai ser militar, meu neto! – ouviu Alan Bruno Pacheco dos Santos, 18 anos, aluno do terceiro ano de magistério, quando disse ao avô Valdomiro da Silva, 48 anos, com quem mora desde os três anos, que pretendia ser professor de português.

Morador da Vila Santa Rosa, na Zona Norte de Porto Alegre, Alan ouviu o conselho, mas seguiu determinado.

– Quando eu era criança, dava aula para os vizinhos que tinham dificuldades na escola. Falo desde os cinco anos que quero lecionar – conta.

Alan é um dos três alunos do sexo masculino que se formarão no próximo ano em magistério na escola 1º de Maio. Dos 20 estudantes da turma de Alan, apenas cinco pretendem seguir na docência. Os demais querem atuar como educadores em escolas de educação infantil e estudarem uma segunda profissão na graduação. Alan, ao contrário da maioria do grupo, trabalhou como educador numa escola de educação infantil no Bairro Passo das Pedras e considerou como uma etapa para o que virá no futuro: quer dar aulas para as primeiras séries do ensino fundamental. Antes, precisa finalizar o estágio obrigatório em 2017 e prestar vestibular para Letras em 2018.

– Mesmo com todo o estresse, os problemas se tornam detalhes quando a gente gosta do que faz. Eu prefiro ver o que tem de bom na profissão como, por exemplo, ter a chance de acompanhar o desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente e me sentir parte da vida dele. De alguma forma, farei parte da vida deste aluno. E quero ser uma boa lembrança – resume.



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