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Carroças em discussão

Lei que impede trabalho de carrinheiros deixa profissionais aflitos na Capital

A partir desta sexta, trabalho não será mais permitido. Vereadores discutem novo projeto e tentam adiar prazo

04/03/2017 - 07h01min

Atualizada em: 20/04/2018 - 15h42min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Omar Freitas / Agencia RBS
Para não alugar um carrinho de metal, Gilmar utilizada um que já foi de um supermercado

Carrinheiro há oito anos, desde que foi demitido do emprego como segurança, Gilmar dos Santos, 39 anos, está vivendo uma contagem regressiva: teme perder a única fonte de renda responsável por alimentar ele e a mulher, Simone dos Santos, 35 anos, se entrar em vigor a partir do próximo dia 10 a última etapa da lei municipal 10.531, responsável por criar o programa de redução gradativa do número de carroças e carrinhos circulando nas ruas de Porto Alegre.

Porém, há uma movimentação na Câmara de Vereadores para prorrogar o prazo até 2022. A justificativa estaria na falta de propostas que ofertem outras oportunidades de trabalho aos 524 carrinheiros cadastrados pelo Sistema de Gerenciamento da Busca Ativa – destes, 271 atuam somente no Centro e nos bairros Humaitá e Navegantes.

Em 21 de fevereiro, a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) organizou uma audiência pública para discutir a questão e ouvir Gilmar e outros representantes dos carrinheiros recicladores da Capital.

– Moro na rua e nunca precisei roubar porque consigo tirar da reciclagem o meu ganha-pão diário. Não quero me tornar um marginal. Mas, se considerarem ilegal a minha atividade, estarão me obrigando a ser isso – reclama Gilmar.

A intenção do presidente da Cedecondh, Marcelo Sgarbossa (PT), que encaminhou o projeto de lei prorrogando o prazo, é agilizar os trâmites dentro da Câmara para que ele seja votado na próxima semana. Para isso, será necessário um consenso entre líderes do governo e oposição:

– Esta dinâmica proposta pela lei não atende às demandas complexas destes trabalhadores. É preciso mais tempo. Na próxima reunião dos líderes da Câmara, vou sugerir que o projeto tenha preferência nas votações da Casa. O Conselho também realizará uma visita aos galpões de reciclagem de lixo com o Ministério Público.

Omar Freitas / Agencia RBS
Carrinheiros circulam por toda a cidade

Na quinta-feira passada, integrantes da prefeitura se reuniram para formalizar a equipe que seguirá atuando junto à população ligada à reciclagem na Capital, independente do prazo da lei. A coordenadora do Todos Somos Porto Alegre, Denise Souza Costa, relata que no final do mandato passado houve uma renovação do contrato do BNDES com a prefeitura até dezembro de 2017, liberando R$ 5,1 milhões para a continuidade das atividades do programa.

– Há disposição da prefeitura de continuar atendendo esta população. Por isso, estamos fazendo um realinhamento das ações. Concluiremos as ações de reestruturação das unidades de triagem com obras de reformas. Também continuaremos com as qualificações profissionais e as ações de educação ambiental. O projeto Busca Ativa (que vai às ruas cadastrar os envolvidos na reciclagem) seguirá sendo realizado pela Fasc – garante Denise.

Não quero me tornar um marginal. Mas, se considerarem ilegal a minha atividade, estarão me obrigando a ser isso – Gilmar dos Santos, reciclador e morador de rua.

Omar Freitas / Agencia RBS
Antônio voltou para a reciclagem

O arrependimento de Antônio

Apesar da reclamação da maior parte dos recicladores, a coordenadora do Todos Somos Porto Alegre ressalta que mais de 1,7 mil pessoas foram beneficiadas e acompanhadas pelo programas. Ela só não sabe dizer, porém, quantos seguem empregados no mercado formal.

Os números positivos da prefeitura não são suficientes para convencer um dos líderes dos recicladores de Porto Alegre, Antônio Viana Carboneiro, 70 anos, da Vila Santa Terezinha – antiga Vila dos Papeleiros –, e ele tem os próprios motivos.

Durante 15 anos, Antônio puxou carrinho pelas ruas da Capital. Porém, com o lançamento do programa que prometia revolucionar a cadeia da reciclagem, ele decidiu ser um dos primeiros a se cadastrar: queria ser o exemplo de que era possível deixar a vida de reciclador. Pela primeira vez em 66 anos, assinou a carteira de trabalho como auxiliar no setor de gerenciamento de resíduos sólidos numa indústria da Região Metropolitana. Até que um ano, um mês e um dia depois, como faz questão de recordar, foi demitido:

– Nunca faltei e sempre cheguei adiantado. Era outra pessoa. Fiz o meu melhor, mas alegaram que o serviço não era mais necessário. Da noite para o dia, fui do sonho ao pesadelo. Me senti um jegue.

Me alegaram que o serviço não era mais necessário. Da noite para o dia, fui do sonho ao pesadelo. Me senti um jegue – Antônio Viana Carboneiro, reciclador.

Antônio procurou trabalho e ouviu negativas devido à idade. Resultado: voltou à reciclagem, mas sem carrinho próprio – já que havia repassado o próprio veículo ao programa. Hoje, auxilia na Unidade de Triagem Vila dos Papeleiros I e preside a Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros.

O relatório final da Fundação Solidariedade, uma das entidades contratadas para a realização do Busca Ativa com contrato encerrado em novembro do ano passado, a crise econômica e o crescente desemprego expandiram a economia da reciclagem e tornaram “a possibilidade de um catador mudar de profissão, disputar e conquistar uma vaga, com a manutenção da renda obtida da catação, praticamente inexistente”.

– Não somos reconhecidos na função que carrega nas costas a responsabilidade pelo meio ambiente desta cidade. Ao invés da perseguição, deveríamos ser pagos e valorizados – resume o representante do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR) em Porto Alegre, Alex Cardoso.

Omar Freitas / Agencia RBS
Antônio não consegue um novo emprego

Os números do Todos Somos Porto Alegre
– Foram cadastrados 524 carrinheiros e 328 carroceiros.
– 1,7 mil famílias receberam benefícios.
– Foram abordadas 2.143 famílias e 2.646 pessoas.
– Durante o programa, 868 pessoas migraram para outras atividades com renda.
– 986 qualificações foram concluídas.
– 718 receberam bolsas durante os cursos de construção civil, gastronomia, beleza, gestão de resíduos, cooperativismo, empreendedorismo.
– Mais de cinco mil vagas foram oferecidas para cursos profissionalizantes.

Omar Freitas / Agencia RBS
Gilmar vive no Centro do Porto Alegre e recicla junto a mulher,

Todos Somos Porto Alegre em datas

– 05 de dezembro de 2012: o então prefeito José Fortunati (PDT), acompanhado do vereador e autor da Lei das Carroças, Sebastião Melo (PMDB), e o diretor do BNDES, Guilherme Lacerda, lança o programa Todos Somos Porto Alegre.

– 1º de outubro de 2013: carroças ficam proibidas de circularem pela Zona 1 (Região Centro-Sul: Nonoai, Teresópolis, Cavalhada, Camaquã, Vila Nova e Campo Novo. Região Centro: Menino Deus, Azenha e Praia de Belas. Região Partenon: Santo Antônio, Partenon, Vila João Pessoa, Coronel Aparício Borges, São José. Região Cristal: Cristal).

– 14 de novembro de 2013: a prefeitura recebe 73 carrinhos, carroças e animais usados por 42 famílias na coleta de lixo na região da Grande Cruzeiro.

– 10 de março de 2014: carroças ficam proibidas de circularem pela Zona 2 (Região Eixo Baltazar: Rubem Berta e Passos das Pedras. Região Leste: Três Figueiras, Chácara das Pedras, Vila Jardim, Jardim Sabará, Morro Santana, Jardim Carvalho, Bom Jesus e Jardim do Salso. Região Nordeste: Mário Quintana. Região Noroeste: São João, Santa Maria Goretti, Higienópolis, Boa Vista, Passo D'Areia, Jardim São Pedro, Jardim Floresta, Jardim Lindoia, Cristo Redentor, Vila Ipiranga, São Sebastião e Jardim Itu. Região Norte: Sarandi).

– 10 de março de 2015: carroças ficam proibidas de circularem pela Zona 3 (Região Humaitá e Navegantes: São Geraldo, Navegantes, Farrapos, Humaitá e Anchieta. Região Cruzeiro: Santa Tereza e Medianeira. Região Glória: Glória, Cascata e Belém Velho. Região Lomba do Pinheiro: Agronomia. Região Sul: Vila Assunção, Tristeza, Vila Conceição, Pedra Redonda, Jardim Isabel, Ipanema, Espírito Santo, Guarujá, Serraria e Hípica).

– 10 de junho de 2015: carroças ficam proibidas de circularem pela Zona 4 (Região Centro: Jardim Botânico, Petrópolis, Bela Vista, Mont'Serrat, Auxiliadora, Moinhos de Vento, Rio Branco, Santa Cecília, Santana, Farroupilha, Bom Fim, Independência, Floresta, Centro, Cidade Baixa, Praia de Belas, Menino Deus e Azenha).

– 10 de julho de 2015: define-se que somente as ilhas do Guaíba e o Extremo-Sul da cidade ficarão liberados para a circulação de carroças e carrinhos pelas ruas.

– 25 de agosto de 2016: aprovado pela Câmara projeto de lei que amplia o prazo por mais seis meses para a circulação de carrinhos de catadores pela cidade.

– 10 de setembro de 2016: entra em vigor a lei que proíbe em definitivo as carroças de circularem pelas ruas de Porto Alegre.

– 30 de dezembro de 2016: vereador Marcelo Sgarbossa (PT) encaminha à Câmara de Vereadores projeto de lei solicitando a prorrogação do prazo de circulação de carrinhos até 2022.

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