Samba com segurança
Os carros alegóricos do Carnaval de Porto Alegre são seguros? Veja como é feita a fiscalização
Acidentes durante o Carnaval do Rio de Janeiro levantaram dúvidas sobre a estrutura das escolas que desfilam no Porto Seco
As ocorrências de acidentes envolvendo carros alegóricos de duas escolas de samba do Carnaval do Rio de Janeiro, neste ano, levantaram o questionamento acerca da estrutura das alegorias que desfilam no Porto Seco. Como são construídos os carros que ajudam a contar os temas-enredos e qual é a estrutura de segurança aos desfilantes e ao público que vai assistir no Sambódromo de Porto Alegre?
Mesmo que haja diferenças importantes entre os carros alegóricos das escolas cariocas e da Capital – tanto no que diz respeito ao orçamento quanto na estrutura –, o Diário Gaúcho procurou o engenheiro civil Valdinei Marques Nascimento, que inspeciona as alegorias do Carnaval de Porto Alegre desde 1993. Ele foi jurado do Carnaval, carnavalesco, e desde 2010 é responsável pelo projeto de toda a estrutura de desfiles no Sambódromo.
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Valdinei conta que a exigência de fiscalização dos carros passou a existir após o acidente durante o desfile de uma escola de samba, em 1992, no qual a integrante da escola fraturou a bacia.O Crea-RS também fiscaliza o Carnaval.
De acordo com o engenheiro químico e de segurança do trabalho e gestor de fiscalização do Crea-RS, Marino Greco, nesta terça-feira, o conselho fará uma nova fiscalização em toda a estrutura do Carnaval de Porto Alegre. Neste ano, na Operação Carnaval, o Crea fiscalizou 341 empreendimentos no Estado. No caso dos carros alegóricos, o Crea solicita a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), um laudo definitivo, que aponta que os carros estão adequados.
Diferenças e semelhanças com o Rio
As alegorias do Carnaval carioca saem da Cidade do Samba, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, e são deslocadas até a Marquês de Sapucaí. O trajeto é de 2,7km. O fato de os carros alegóricos terem de circular por dentro da cidade obriga que sejam montados na chegada à pista. Já os carros do Carnaval de Porto Alegre, como são construídos nos barracões que ficam ao lado da pista, já saem montados, com suas estruturas fixas, o que reduziria os riscos de uma montagem mal sucedida.
Diferentemente do Rio, os carros em Porto Alegre não têm motor. Não há marchas e nem freios. A movimentação ocorre por força humana, com os empurradores que vão no chão, na parte de trás da alegoria – a velocidade média é de 3km/h a 4km/h (o desfile tem a duração de 55 minutos).
O motorista do carro em Porto Alegre tem a visão clara da pista – a direção costuma ser decorada nas cores do carro e o motorista pode ir até fantasiado, ou com a camisa da escola, pois fica aparente na alegoria. No Rio, geralmente o motorista fica numa cabine na parte de baixo da alegoria. Em Porto Alegre, o motorista conta com a comunicação com pelo menos duas pessoas que cuidam da evolução para informar quando avançar ou não.
Os carros de Porto Alegre contam apenas com geradores que funcionam a gasolina, para iluminação, por exemplo. Por conta disso, cada carro tem extintor. Em relação às dimensões, os carros de Porto Alegre têm apenas limite de largura de 8m. Já a altura tem o limite de 12m, pois é a altura da porta dos barracões.
Estrutura das alegorias
Valdinei explica que os carros são montados sobre chassis de caminhão. É preciso observar se a estrutura não está sofrendo esforço adicional. Quando, por exemplo, há o alargamento do chassi, para ganhar largura no carro, é indicado colocar rodas extra nas laterais para suportar e distribuir o peso – com esculturas, decoração e componentes, o peso de um carro é estimado em 3 toneladas. Do contrário, pode ocasionar a quebra e até mesmo algum acidente.
Na frente do carro, à esquerda, há o chamado setor de direção, que alinha as rodas. A quebra do setor também pode ocasionar algum acidente, pois o carro pode enveredar para um lado, podendo aproximar-se das frisas ou até mesmo arquibancadas. Neste ano, o projeto do Sambódromo prevê frisas dos dois lados, mas intercaladas, para oferecer pontos de escape.
Quando faz a vistoria (é feita uma primeira inspeção na metade do ano, com os carros sem decoração e, perto do desfile, outra vistoria, definitiva, na qual são feitas fotografias e um laudo que indica tudo o que foi visto, chamado de Anotação de Responsabilidade Técnica, ART), Valdinei precisa saber o número de pessoas que vai desfilar em cada carro. Isso porque além do peso dos componentes (estimado em 70kg) precisa ser considerado o efeito de ressonância (porque as pessoas estarão sambando em cima), para identificar se a estrutura suportará o peso.
Nos carros, o ideal, segundo o engenheiro, é a utilização de rodado de caminhão (quatro rodas, no mínimo), para que suporte o peso. Quando se depara com algum carro alegórico com rodas de veículo leve, há a indicação de que o rodado não está adequado.
Como as escolas se organizam
O Diário Gaúcho visitou o barracão de duas escolas da Série Ouro, que já estavam com trabalho adiantado nas alegorias. Sílvio Oliveira, carnavalesco da Bambas da Orgia, explica que mantém a mesma equipe há anos. Os profissionais que constroem os carros são os mesmos que no dia do desfile vão guiá-los. Outro cuidado importante é que cada carro tem a sua brigada de incêndio. Na parte interna das alegorias, Sílvio também costuma incluir escadas, para facilitar a entrada e saída dos componentes. Dias antes do desfile, os destaques são chamados para subir nos carros para no dia saber onde se posicionar e o próprio carnavalesco sobe nos locais antes, para verificar a segurança. Há distribuição do peso e até mesmo a inclusão de rodado extra.
O presidente da União da Vila do IAPI, Jorge Sodré observa que a estética dos carros deve vir depois da preocupação com a segurança. Para testar os carros, a equipe da escola movimenta as alegorias. Em fase de finalização, os carros já saíram quatro vezes do barracão.
– Nunca tive acidente com alegoria – observou.
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Inmetro vai fiscalizar as alegorias em 2018
Até os acidentes no Carnaval do Rio Janeiro, neste ano, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) não tinha nenhuma certificação para alegorias.
O presidente do órgão já havia procurado a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) para tratar do assunto, mas até as ocorrências não havia nenhuma regulamentação para os carros alegóricos. Com os acidentes, as tratativas para criação de regras para a construção das alegorias foram retomadas.
No final do mês, o Inmetro deverá reunir-se com a prefeitura do Rio, Liesa, Bombeiros, Crea – há discussão se o Denatran também deveria ou não juntar-se ao grupo – para um painel setorial que dará início a um grupo de trabalho a fim de criar um padrão de segurança para os carros.
A regulamentação deverá contemplar todas as fases da construção da alegoria. Além da criação da norma, caberá ao Inmetro a vistoria e aprovação. O que for definido será seguido em todo o país, inclusive no Carnaval de Porto Alegre.