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Papo reto

Manoel Soares: "Fiquei hipnotizado por uma moça negra com a bolsa atravessada no ombro"

A ironia é que me ensinaram que mulheres como ela vieram da costela de homens como eu. A vida me ensinou que homens como eu vieram da barriga de mulheres como ela 

01/07/2017 - 08h00min

Atualizada em: 01/07/2017 - 08h00min


Fiquei hipnotizado por uma moça negra com a bolsa atravessada no ombro. Com uma mão, tenta se equilibrar no metrô lotado, com a outra, segura um livro de Medicina que sacode como se estivesse em um vendaval de perspectivas. Ela segue lendo como quem entra em um estado de plenitude e ignora o caos à sua volta. Não lê por amor ao livro, mas ao seu passado, quando a mãe fazia faxina, e ao futuro, em que seus netos salvarão vidas numa dinastia de melhores médicos do país.

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Ela vive a saga narrada por Martinho da Vila em Pequeno Burguês, mas é mais forte porque não se define como pobre nem coitada. Ela é linda sem maquiagem. O dia de trabalho pode ter descabelado seu black power, mas não tirou o achocolatado de sua pele que faz a alma que clama por amor salivar querendo dedilhar seus crespos como Hendrix fazia com as cordas da guitarra.

Na página que ela lê, de longe, vejo que é sobre costelas e demais estruturas ósseas. A ironia é que me ensinaram que mulheres como ela vieram da costela de homens como eu. A vida me ensinou que homens como eu vieram da barriga de mulheres como ela.

Hoje, fiquei feliz porque vi essa moça que não sei o nome mas que parece com alguém que veio à sua cabeça ao ler esse texto.



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