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Ministério Público vai investigar ação que destruiu casas de moradores da Ilha do Pavão

Famílias foram expulsas pelo tráfico e, ao voltarem, descobriram que suas residências às margens da BR-290 foram demolidas pela concessionária Triungo Concepa. Ministério Público desaprovou ação

25/08/2017 - 07h00min

Atualizada em: 25/08/2017 - 07h00min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Lucas estava dividindo o mesmo espaço com vizinhos num galpão abandonado

Depois de dias amontoados em um galpão abandonado às margens da freeway, em Porto Alegre, sem energia elétrica e usando tábuas de compensado como camas, 20 famílias da Ilha do Pavão buscam entender o que ocorreu com as casas onde alegam terem morado por três décadas. Elas afirmam terem sido surpreendidas com a demolição das moradias, que começou em 15 de agosto e deve ser finalizada nesta sexta-feira, numa ação envolvendo a concessionária da rodovia, Triunfo Concepa, e desaprovada pelo Ministério Público. No final da tarde de quinta-feira (24/08), depois de um protesto e sucessivos questionamentos da reportagem, as famílias receberam assistência da prefeitura e foram abrigadas em uma escola.

No final de junho, os moradores teriam sido expulsos da Ilha pelo tráfico. Sem ter para onde ir, crianças, adultos e idosos ficaram perambulando por prédios abandonados da Capital. Com a intenção de retornarem em algum momento, deixaram os móveis e até cachorros nas casas, sob os cuidados dos vizinhos que continuaram na Ilha. Na semana em que pretendiam voltar, e sem notificação, acabaram deparando com tratores e caminhões demolindo as casas de madeira da entrada da Pavão.

– Foram demolindo tudo o que viram pela frente, o que levamos anos para construir desapareceu em segundos. Eles não pensaram em nós – desabafa, em lágrimas, o pintor Lucas Souza, 30 anos, que nasceu e se criou na Ilha.


Temendo a violência que assola a Pavão há cerca de um ano, Lucas pegou a mulher e os dois filhos, de dez e 11 anos, e partiu sem rumo. Junto com outros vizinhos, ficou alguns dias sob lonas num terreno no Bairro Humaitá. Expulsos do local pelos proprietários, partiram para um outro espaço no mesmo bairro. A ideia dele era voltar na segunda semana de agosto para a casa onde vive desde que nasceu, quando os ânimos do tráfico estivessem mais calmos. Não deu tempo. Lucas e a família foram avisados de que o lugar onde viviam já não existia mais – até o poste comprado por R$ 800 para a instalação da energia elétrica havia sido levado:

– Ficamos desesperados. Minha mulher foi ao Demhab avisar a situação, mas disseram que não tinham nada a ver com isso. Que teríamos que nos virar. Meus filhos estão sem ir à escola (no Bairro São Geraldo) porque estou sem poder trabalhar e sem dinheiro para pagar o transporte.

Clique na imagem e veja galeria de fotos do local

A entrada do galpão onde as famílias estavam vivendo

A única opção encontrada pelas famílias foi continuarem reunidas até que a situação se resolva. Encontraram no galpão até então fechado, próximo à divisa com Canoas, um espaço para seguirem sobrevivendo. Debaixo de um telhado que, de tão furado, mais parece um céu estrelado em plena luz do dia, dividindo um único vaso sanitário, os moradores afirmam estarem esquecidos.

– Nós estamos vivendo aqui igual a bicho. Na chuva, no sereno, com crianças, e passando trabalho. É devastador – desabafa o pintor.

Aos quatro anos, Felipe Figueiró é um dos mais jovens integrantes da expulsão da Pavão. Ao lado pai, o reciclador Ederson da Silva, 27 anos, o menino inocentemente brincava na manhã de ontem nos escombros do prédio onde vive provisoriamente com a família.

– Levaram até a minha galinha. Não sei porque não posso voltar para casa, não estava incomodando ninguém lá – resumiu.

Área aonde existiam as casas foi limpa pela concessionária a pedido de moradores que ficaram na Ilha

Para Concepa, apenas casas vazias

Por meio de nota, a Triunfo Concepa informou que as casas demolidas estavam vazias e que há fotos e vídeo mostrando a situação de cada uma quando foi demolida. Ainda segundo a nota "em 14 de agosto, após incêndios ocorridos na região e com o agravamento da violência na ilha, foi realizada uma reunião, a pedido dos moradores da Ilha, da qual participaram representantes da concessionária, dos moradores e do Centro Administrativo Regional das Ilhas, ligado à Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Na ocasião, a representante dos moradores solicitou ajuda para a demolição das casas e para mudança para outros locais. Considerando que próximo ao local há uma tubulação de gás da Sulgás, um novo incêndio poderia causar uma catástrofe, com inúmeras vidas perdidas."

A reportagem conversou com alguns dos participantes da reunião, que confirmaram as informações da Concepa. A concessionária ainda informou que não sabia da situação das famílias retratadas na reportagem, e que foram feitas as mudanças dos moradores que solicitaram a retirada de seus bens do local. Foram removidas 16 moradias e os entulhos que restaram após incêndios que aconteceram na região dias antes.

Ederson e o filho Felipe na casa improvisada no galpão

Ministério Público desaprova ação

Ao tomar conhecimento da ação da concessionária, na tarde de quinta-feira, o promotor da Promotoria da Ordem Urbanística de Porto Alegre, Cláudio Ari Melo, condenou a decisão e ainda questionou a falta de mobilização da prefeitura para atender as famílias desamparadas. Cláudio pretende visitar na próxima segunda-feira a Ilha do Pavão e os moradores desalojados. Ele abrirá expediente para investigar a situação ocorrida com as famílias.

– Não existe legalidade neste ato. É uma solução radical. O Ministério Público não concorda com o desalojamento definitivo de famílias que estavam numa ocupação consolidada há décadas. Mesmo que as casas estivessem vazias, continuavam sendo delas. Afinal, se saíram por conta do tráfico, existia a possibilidade iminente de todas voltarem para o local. A prefeitura deve se envolver na definição de um novo local para elas morarem – afirmou o promotor.

Galpão onde as famílias estavam acampadas

Prefeitura promete solução

Apesar de a Concepa afirmar que a prefeitura sabia da demolição das casas, a secretária municipal de Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Palludo, disse ontem desconhecer a situação. A prefeitura mobilizou-se na tarde de quinta-feira, depois de ser questionada pela reportagem do Diário Gaúcho sobre a situação e de ser alvo de protesto na frente do prédio por parte de um grupo de ex-moradores. Durante a tarde, houve uma reunião entre membros da administração municipal para discutir a questão. À noite, as famílias foram removidas para uma escola.

– As pessoas estavam numa situação desumana. Já doamos roupas, porque nem isso elas tinham mais. E vamos abrigá-las nas dependências de uma escola até cadastrarmos todas e definirmos um rumo para elas – afirmou a secretária.



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